O cenário naquela tarde de quarta-feira era semelhante ao de outras maratonas tecnológicas em que programadores disputam para ver quem elabora o melhor programa para computador ou aplicativo para celular em um prazo exíguo, as chamadas hackathons. Estava tudo lá: camisetas de super-heróis, participantes digitando furiosamente em seus smartphones, recursos multimídia em profusão e uma disputa com direito a torcidas organizadas. Só havia duas notas destoantes dos eventos desse tipo.

Uma delas era o endereço. Em vez de uma universidade ou incubadora, a competição foi realizada no quarto andar de um luxuoso edifício corporativo na Zona Sul de São Paulo, a sede do banco Santander Brasil. A outra eram os quatro executivos engravatados sentados na primeira fila, encarregados de escolher o vencedor, entre eles Sérgio Rial, presidente do banco. A competição visava decidir quais dos aplicativos desenvolvidos por times internos seriam integrados aos sistemas do Santander, e é o aspecto mais visível de uma mudança na sua maneira de trabalhar.

Nos últimos meses, o banco vem buscando adquirir a agilidade das startups para desenvolver novas ferramentas e ganhar rapidez para enfrentar os concorrentes, bancos ou não. “Queremos melhorar a experiência do cliente”, diz Cassius Schymura, diretor de Plataformas Multicanal do Santander. A princípio, parece não haver nenhuma novidade nisso. Porém, o que o Santander quer, assim como os demais bancos de varejo, cada um à sua maneira, é encontrar uma forma de evitar a competição destrutiva das fintechs, empresas que prestam serviços financeiros e baseiam seus serviços principalmente em tecnologia móvel.

“A possibilidade de as fintechs atuarem em parceria com os bancos é limitada”, diz Schymura. “Elas operam em um ecossistema totalmente diferente, e têm um enorme potencial disruptivo.” Tradução: com agilidade e libertas das amarras regulatórias e culturais do sistema financeiro, essas recém-chegadas podem arrancar fatias razoáveis dos ganhos dos banqueiros. Evitar essa ameaça exige mudar profundamente a forma de pensar. Tecnologia sempre foi algo estratégico para os banqueiros. O Bradesco importou seu primeiro computador IBM em 1962.

A máquina, com uma capacidade de processamento inferior ao smartphone que você tem no bolso, destinava-se a tornar mais ágil a conciliação dos movimentos das contas dos clientes. Desde então, os bancos brasileiros têm sido grandes entusiastas da inovação. Em 2015, os gastos consolidados do setor somaram R$ 19,2 bilhões, segundo a Federação Brasileira de Bancos, a Febraban. Essa conta inclui equipamentos, treinamento e desenvolvimento de sistemas e segurança. Apesar da desaceleração da economia e da contração do crédito no ano passado, os prognósticos são de que a cifra de 2016, ainda a ser divulgada, mostre um avanço acima da inflação.

A justificativa “oficial” para esses gastos sempre foi facilitar a vida do cliente, tornando os serviços mais ágeis. Na prática, porém, o objetivo é automatizar tarefas realizadas por bancários, gastando menos com salários e agências, e elevando os lucros. Mesmo assim, em comparação com seus concorrentes internacionais, os bancos brasileiros ainda são considerados pouco arrojados na hora de informatizar. “Em muitos casos, os bancos estão realizando uma digitalização da porta para fora”, diz Wander Azevedo, diretor de serviços financeiros da consultoria Roland Berger no Brasil.

“O que aparece para o cliente é um uso intenso de ferramentas digitais e tecnologia móvel, mas, na hora de processar essas informações, ainda valem os processos tradicionais.” O objetivo de Schymura, e dos 500 profissionais alocados em dois andares do edifício envidraçado ao lado do Rio Tietê, é mudar essa cultura. O primeiro fruto dessa mudança foi o encurtamento do prazo das atualizações. Isso reduziu o período de desenvolvimento de um novo aplicativo de 180 dias para 30. Para fazer isso, o banco não recorreu a nenhuma ideia milagrosa. Apenas tomou providências simples, como reunir profissionais de diversas áreas, como tecnologia, produtos e jurídico, em grupos de mesas dispostas lado a lado, em ilhas dedicadas a cada tarefa.

“Demorou um pouco, mas, depois de algum tempo, pessoas de departamentos diferentes começaram a conversar uns com os outros em vez de apenas enviar e-mails para o colega sentado ao lado, e isso acelerou os processos”, diz Schymura. Segundo ele, o mais importante e trabalhoso foi romper a cultura de descarregar a responsabilidade pelo atraso em outro departamento, como ocorre em qualquer grande empresa. A presença de Sérgio Rial na competição interna não foi uma deferência. Na quinta-feira 26, ao apresentar um lucro recorde de R$ 7,33 bilhões em 2016, o presidente enfatizou a importância da tecnologia na obtenção dos resultados.

“Estamos buscando uma transformação comercial, para dar mais velocidade aos processos”, diz ele. “Quando olho a concorrência, quem me preocupa não são os maiores, mas os mais rápidos.” Segundo Rial, a ênfase na velocidade fez a divisão brasileira recuperar a liderança entre as subsidiárias do Santander, representando 21% dos lucros totais, apesar de responder por apenas 10% do total de empréstimos concedidos pelo grupo no mundo. Em 2014 e 2015, essa posição havia sido perdida para o Santander britânico. O banco também melhorou sua produtividade. As receitas totais, de juros e tarifas, avançaram 9% em 2016, para R$ 45,2 bilhões ante os R$ 41,5 bilhões de 2015.

Nesse mesmo período, porém, as despesas gerais cresceram 5,7%, de R$ 17,3 bilhões em 2015 para R$ 18,3 bilhões no ano passado. No caso das tarifas, os maiores crescimentos ocorreram justamente nas operações mais massificadas. As tarifas de cartões avançaram 15,5%, para R$ 4,08 bilhões, e as de seguros cresceram quase 40%, para R$ 2,2 bilhões. Essa estratégia será suficiente para garantir a sobrevivência do Santander e de outros bancos no longo prazo? Disruptiva dentro do sistema financeiro, um dos setores da economia mais regulados e inflexíveis, a estratégia do Santander e de seus concorrentes não se compara em inovação ao que as fintechs estão fazendo, diz Azevedo, da Roland Berger.

“O que será revolucionário é digitalizar os processos de ponta a ponta” diz ele. “O sistema terá mudado quando um cliente conseguir abrir uma conta, obtiver um limite de crédito e tomar um empréstimo usando apenas o celular, sem ter de ir a nenhuma agência, assinar nenhum papel ou conversar com um bancário.” Ou, como comentam, reservadamente, os próprios executivos do Santander: em até dez anos, o cartão de plástico hoje nos bolsos de todos os clientes terá dado lugar a um aplicativo para o celular. “E nesse momento veremos a concorrência das fintechs”, diz Azevedo.

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“É preciso avançar na liberalização”

A eleição de Donald Trump vai causar um retrocesso das políticas estatistas e intervencionistas, e isso é positivo, diz Sérgio Rial, presidente do Santander. Ele falou com a DINHEIRO:

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Foto: Felipe Gabriel

Quais seus prognósticos para 2017?
Esperamos um ano com uma conjuntura mais sólida. Os prognósticos do banco são de um crescimento do Produto Interno Bruto de 0,5%, que a taxa Selic recue até 9,5%. Também esperamos um cenário menos volátil para o dólar e para a inflação, e também para as commodities, especialmente o petróleo.

O governo iniciou uma desregulamentação dos compulsórios. Como o senhor vê isso?
Esse processo ainda está no início. Se o que as autoridades indicaram que vão fazer for apenas o começo, é um bom começo. Porém, se essas forem as únicas mudanças adotadas, será algo insuficiente para o que o governo deseja.

Como o senhor vê um governo Donald Trump? Será ruim para o Brasil?
Penso que não, pois a economia brasileira é relativamente pouco exposta à americana. Mas há um ponto positivo. Depois da crise financeira de 2008, houve um grande avanço na regulamentação estatal, especialmente sobre o sistema financeiro. O presidente Trump indica que vai caminhar no sentido de liberalizar a economia, o que é bom. A iniciativa individual é sempre mais eficiente do que a atuação do Estado.