Uma multa de R$ 11,1 bilhões é irreal para qualquer empresa. Mesmo que o valor seja parcelado em 10 anos. Mesmo que essa companhia tenha receita anual de R$ 170,4 bilhões. Quem estipula valores dessa grandeza não entende os riscos econômicos que estão em jogo. Casos assim, onde o faturamento é colossal, geram distorções de entendimento e a preferência é sempre por uma suposta justiça social. Como se o pagamento de uma pesada multa apagasse as feridas do crime. É o contrário.

As companhias sangram até morrer e deixam um rastro de desemprego, tanto dos seus funcionários como de sua cadeia de fornecedores. O que deveria ser uma punição para a empresa imediatamente se estende para a sociedade. É preciso, sim, penalizar os empresários e gestores, segundo a Lei. Mas as empresas envolvidas em casos de fraude e corrupção devem ser salvas, pelo bem dos empregos.

Como chegar a um castigo justo e severo? Creio que a Justiça deveria trocar as pesadas multas dos acordos de leniência por uma exigência aos empresários: a entrega do controle de suas empresas. Não para o Estado, mas para a sociedade. Nas companhias listadas na bolsa de valores, o acionista majoritário teria de vender suas ações. Naquelas que não têm capital aberto, uma oferta inicial teria de ser feita, imediatamente. Em ambos os casos a regra é que o capital seja pulverizado, sem a figura de um controlador.

O empresário até poderia ficar com uma parcela mínima dos papéis, para receber dividendos. Mas ele jamais teria direito a cargos executivos ou nos conselhos. Ele seria como eu e você, um investidor. Isso faria com que a companhia ganhasse uma sobrevida. Ela se submeteria, de fato, às regras de transparência, conformidade e governança corporativa. Dificilmente seriam impostas restrições a sua contratação, inclusive para a realização de obras públicas.

Novos executivos e conselheiros conseguiriam pesar o tamanho dos estragos provocados pela corrupção, sem os vícios dos remanescentes. Tenho dificuldade de acreditar que os funcionários que permaneceram nas empresas fechadas, que são alçados aos principais cargos, conseguem criar e implementar novas práticas. Nem tanto pela capacidade deles, mas pelo vício das operações das quais participavam, mesmo que indiretamente. E para os que estão preocupados com o estorno do dinheiro à sociedade, ele viria da venda de ações.

Primeiro, esse recurso serviria para manter a empresa operacionalmente saudável, com o pagamento de dívidas e eventuais investimentos para fortalecer o negócio. Só depois iria para os cofres públicos. Lembrando que o Estado trocaria a arrecadação pontual de uma multa pelo pagamento de impostos por vários anos. Pense agora naquela frase too big too fail (grande demais para quebrar). Ela erroneamente é associada à liberdade irrestrita aos atos ilícitos. Na verdade, ela é menos um passe livre ao crime e mais uma dimensão da importância da empresa para a sociedade.

Na crise financeira de 2008, um dos principais questionamentos ao governo americano foi a falência do banco de investimentos Lehman Brothers. Sua importância era tamanha que a atitude quase provocou um risco sistêmico. Por outro lado, a GM foi socorrida para preservar empregos e toda a influência global no setor automobilístico. Assim que a montadora se estabilizou e o mercado financeiro voltou a valorizar suas ações, o governo vendeu sua participação e foi recompensado.

Estou, sim, defendendo a JBS, a Odebrecht, a Andrade Gutierrez e todas as outras empresas. Quero que seus donos, gestores e executivos sejam exemplarmente punidos. Eles se aproveitaram de forma equivocada da relação público-privada, mas suas empresas não precisam ser dizimadas. Elas adquiriram uma importância para a economia que vai além de seus criadores. Os milhares de empregos precisam ser garantidos. Salvem as empresas da Lava Jato.