Instalado no sétimo andar de um prédio da zona oeste de São Paulo, o pequeno show room guarda uma parte da história da indústria brasileira de brinquedos. Nas prateleiras, produtos que povoaram os sonhos de crianças de diversas gerações: Genius, Ferrorama, Falcon e Susi, entre outros nomes que proporcionam ao visitante uma viagem no tempo. Parte do escritório que abriga a sede da Estrela, a sala é apenas um retrato do que foi a empresa, fundada em 1937, e que, até os anos 80, liderava com sobras as vendas do setor. Na década seguinte, essa zona de conforto ficou para trás com a abertura do mercado e a invasão dos produtos chineses, de baixo custo. Mas enquanto muitos dos seus pares locais ficaram pelo caminho diante dessa reviravolta repentina, a companhia conseguiu, a duras penas, resistir.

Depois de percorrer um longo e tortuoso caminho, a Estrela quer agora recuperar o seu brilho. “Estamos cada vez mais fortes e preparados para enfrentar a concorrência internacional”, diz Carlos Tilkian, presidente e, desde 1996, acionista majoritário da companhia, com uma participação de cerca de 33%. Ele assumiu o controle da empresa ao comprar a fatia de Mario Adler, herdeiro de Siegfried Adler, fundador da fabricante. Na época, Mario vinha tentando sair da operação, diante do cenário crítico que se apresentava. “A Estrela é uma marca forte, icônica. Apesar dos desafios, eu vi que a empresa tinha uma saída”, afirma Tilkian.

Essa retomada parece ter, enfim, um cenário mais propício para se concretizar. Em 2016, o mercado de brinquedos movimentou R$ 6,1 bilhões no País, um salto de 10% sobre 2015, segundo a Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq). Para esse ano, a entidade prevê um crescimento de 12%. “As famílias adiam a compra de um imóvel, a troca de um carro, mas não deixam de presentear suas crianças”, diz Synésio Batista, presidente da Abrinq. E, nesse contexto, as empresas locais estão recuperando, gradualmente, sua participação. Se, em 1996, os produtos chineses abocanharam 62% da receita, no ano passado, esse índice ficou em 45%. A divisão das etapas da produção nos países do Mercosul é um dos fatores que começam a contribuir para esse reequilíbrio de forças. “As fabricantes brasileiras estão buscando alternativas para tornarem seus produtos mais competitivos”, diz Batista. Hoje, em média, um brinquedo produzido na China é 35% mais barato que o seu equivalente fabricado no Brasil.

De pai pra filho: no portfólio da Estrela, o boneco Falcon, o jogo Genius e outros produtos clássicos da marca convivem com novidades como o patinete elétrico Dareway e o bicho de pelúcia da Peppa Pig (Crédito:Divulgação)

Reduzir essa lacuna é uma das prioridades da Estrela. Recentemente, a empresa investiu em uma fábrica no Paraguai para substituir a importação de brinquedos da China, que hoje representam 15% do seu portfólio. Com a unidade, prevista para entrar em operação em 2018, o plano é aproveitar os benefícios da Lei de Maquila, que dá isenções fiscais para quem importa matérias-primas e monta produtos no país, destinados à exportação. A Estrela quer importar 60% dos insumos da China, conforme permite a lei. Os 40% restantes dos componentes serão fabricados nas unidades da empresa no Brasil, em Itapira (SP), Três Pontas (MG) e Ribeirópolis (SE). “Nós construímos um modelo que nos dá capacidade de produzir no Brasil e na China, de acordo com o momento do câmbio”, diz Tilkian. “O projeto do Paraguai amplia essa flexibilidade.”

Para o empresário, a nova fábrica fortalece a retomada das exportações, com foco inicial nos países do Mercosul. O governo paraguaio cobra um imposto de 1% sobre o faturamento gerado nas vendas de produtos para o exterior. Com a perspectiva de custos mais competitivos, outra oportunidade é a fabricação de brinquedos mais sofisticados e com melhores margens, que seriam inviáveis no modelo atual da Estrela. Um primeiro teste nessa direção foi a montagem de 500 patinetes elétricos, batizados de Dareway. Vendido a R$ 1.999, o item é uma novidade no portfólio da companhia, que conta com 550 itens. Responsáveis por 70% do faturamento, os jogos, bonecas e linhas de massa de modelar são os carros-chefe das ofertas, que incluem ainda, entre outras categorias, bichos de pelúcia da Peppa Pig e de outros personagens licenciados da Disney.

Para se adaptar às mudanças de hábito dos consumidores, a Estrela também vem incorporando recursos digitais aos seus produtos tradicionais. Jogos clássicos como Detetive e Banco Imobiliário já contam, por exemplo, com o apoio de aplicativos. O radar inclui novos produtos. Para o Natal, um dos principais lançamentos da marca será o Selfmic. O brinquedo é um pau de selfie com microfone e um aplicativo de karaokê, que dá a acesso a mais de 3 milhões de músicas e permite que a criança compartilhe sua performance com amigos. O uso das redes sociais para dialogar com o público é mais uma vertente da repaginação da Estrela. Ela tem sido aplicada para inspirar o desenvolvimento de produtos e para resgatar a força da marca, com o relançamento de brinquedos que marcaram a infância de muitas pessoas. Nos últimos anos, a emprea trouxe de volta ao mercado produtos como o Ferrorama e o Genius, primeiro brinquedo eletrônico do Brasil. Em 2017, foi a vez do boneco Falcon.

Nessa nova fase, apenas um fator tira o sono de Tilkian. Com R$ 355 milhões em tributos a pagar, a Estrela ainda espera a homologação da Receita Federal para a sua adesão ao Refis da Copa. Excluindo esse passivo fiscal, que contribuiu para o prejuízo de R$ 62,4 milhões em 2016, ele destaca o bom desempenho da companhia, que fechou o ano com uma receita de R$ 141 milhões. “Somos uma empresa com um Ebitda entre 18% e 25% nos últimos anos, o que para um negócio sazonal é bastante saudável”, afirma o empresário, que, calejado com os maus momentos das duas últimas décadas, faz uma projeção otimista. “Tenho certeza que nossos próximos vinte anos serão muito mais fáceis.” Se depender da determinação de Tilkian, o futuro da Estrela está garantido.