O Reino Unido lançou oficialmente nesta quarta-feira o processo histórico de saída da União Europeia, nove meses após um referendo que dividiu o país e fragilizou o projeto europeu nascido das cinzas da Segunda Guerra Mundial.

O embaixador britânico ante a União Europeia, Tim Barrow, entregou ao presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, a carta assinada na terça-feira à noite pela primeira-ministra Theresa May com a qual o governo britânico comunica oficialmente aos seus sócios europeus sua decisão de abandonar o bloco.

“Não há nenhuma razão de fingir que é um dia feliz, nem para Bruxelas nem para Londres”, comentou Tusk. “Após nove meses, o Reino Unido cumpriu (com suas promessas) #Brexit”, tuitou o presidente do Conselho Europeu, pouco depois de receber em seu gabinete das mãos de Barrow o documento que mudará o destino do Reino Unido, primeiro país a romper com a União após 44 anos de casamento, por vezes turbulento.

“Vocês já fazem falta”, acrescentou Tusk.

“O processo do Artigo 50 está em andamento e, conforme a vontade do povo britânico, o Reino Unido vai deixar a União Europeia. É um momento histórico, não há retorno”, ressaltou Theresa May ante os deputados no Parlamento de Westminster.

“Melhores dias virão para uma Grã-Bretanha realmente mundial”, acrescentou a primeira-ministra, que pediu ao povo britânico “união” para obter o “melhor acordo possível”.

“Nós vamos reforçar os laços que unem as quatro nações do Reino Unido”, insistiu enquanto os desejos de idenpedência dos escosseses e a crise política na Irlanda do Norte ameçam a unidade do país.

O futuro dos três milhões de cidadãos europeus no Reino Unido será uma “prioridade” nas complexas negociações que começam nas próximas semanas, garantiu May.

Nigel Farage, ex-líder do partido eurocético Ukip e grande arquiteto do Brexit, preconizou: “A União Europeia não vai resistir. Somos os primeiros a partir. É histórico. Agora nós cuidaremos das coisas”.

– ‘Doloroso para os britânicos –

A carta de divórcio foi publicada pouco depois de sua entrega a Donald Tusk. A partir de agora, começam dois anos de complicadas negociações que podem completar a saída do Reino Unido em 2019.

A chanceler alemã, Angela Merkel, desejou que Londres continue a ser “um parceiro próximo” da União Europeia, mas ressaltou que as discussões sobre as futuras relações entre a Grã-Bretanha e a UE só poderão acontecer após a conclusão daquelas sobre as condições do Brexit, rejeitando assim um pedido de negociações paralelas de May.

Se o Brexit é “emocionalmente doloroso” para os europeus, será “economicamente doloroso” para os britânicos, advertiu, por sua vez, o presidente francês, François Hollande, a repórteres durante um deslocamento na Indonésia.

O calendário de discussões parece muito ambicioso para os analistas tendo em vista a complexidade das questões – finanças, comércio, gestão das fronteiras e cooperação policial e judicial.

Na carta enviada a Tusk, Theresa May estima que Londres e Bruxelas terão que “trabalhar duro para chegar a um acordo”.

“A UE vai atuar de forma unida e preservará seus interesses” no processo de negociações, rebateu o Conselho Europeu.

“O canteiro de obras é tão vasto que dois anos serão insuficientes”, acredida Catherine Barnard, professora de direito europeu na Universidade de Cambridge, enfatizando “que a cada pedra levantada, outras vão aparecer”.

“Especialmente porque, mesmo antes de começar, já existem bloqueios”, diz Patricia Hogwood, professora de política europeia na Universidade de Westminster.

O ponto de tensão mais emblemático é relacionado à fatura a ser paga pela saída.

O ministro das Finanças britânico, Philip Hammond, rejeitou o valor da fatura de saída, garantindo à BBC que o governo “não reconhece os montantes por vezes muito elevados que circulavam em Bruxelas”.

Segundo um alto responsável europeu, a Comissão Europeia avalia a fatura entre 55 e 60 bilhões de euros, principalmente pelos compromissos já assumidos.

– Sem lamentações –

Estas disputas e a vontade de Bruxelas de assinalar que o Reino Unido não pode ter um acordo melhor “fora do que dentro” da UE, para evitar ideias separatistas de outros países, faz supor a forte possibilidade de não haver acordo.

May assegura que “não ter acordo é melhor do que um mau negócio”. Mas para a comunidade empresarial, seria o pior cenário, enquanto o Reino Unido faz metade de seu comércio com a UE.

Por enquanto, a economia está indo bem: o crescimento do produto interno bruto (PIB) manteve-se sólido, em 1,8% em 2016, e pode chegar a 2% em 2017. Mas com o lançamento oficial do Brexit, os investimentos poderiam afastar-se do país.

Internamente, May deverá gerir o descontentamento dos britânicos que votaram contra o Brexit. Alguns protestavam nesta quarta-feira em frente ao Parlamento para denunciar que May não tem os ouvido.

Mais ao norte, a Escócia ameaça separar-se: o seu Parlamento regional votou na terça-feira a favor da realização de um novo referendo sobre a independência, após aqueles realizado em 2014, argumentando que 62% dos escoceses votaram pela permanência na UE.

Neste sentido, Nicola Sturgeon, primeira-ministra escocesa, acusou Theresa May de “precipitar o Reino Unido do alto do precipício sem saber onde aterrissar”.

Mas, de acordo com uma pesquisa YouGov divulgada nesta quarta-feira, 44% dos britânicos pesquisados ​​não lamentam o Brexit (contra 43% que lamentam), enquanto apenas 21% quer que o governo recue.