Qual foi o segredo do Buscapé?” Essa é uma das perguntas que Rodrigo Borges, um dos cofundadores do site de comparação de preços, mais ouve quando conversa com empreendedores que querem dicas para repetir o sucesso da startup brasileira, vendida ao fundo sul-africano Naspers por US$ 342 milhões em 2009. Com paciência, ele responde que a fórmula é simples. “Era acordar cedo todo dia e fazer o Buscapé sempre melhor os 365 dias do ano.” Na verdade, o que Borges quer ressaltar é que não adianta seguir uma receita de bolo pronta. É preciso se reinventar incessantemente para triunfar na cena de empreendedorismo local. Fácil, não?

Fora do Buscapé desde 2014, Borges agora está do outro lado do balcão e busca empreendedores dispostos a acordar cedo e se reinventar todos os dias do ano, assim como ele, Romero Rodrigues, Ronaldo Takahashi e Mario Letelier, os quatro amigos da Universidade de São Paulo que se uniram para criar o serviço de comparação de preços, em 1998. Ele acaba de formar a Domo Invest, uma gestora de recursos com R$ 100 milhões para investir em ideias inovadoras. “Já temos mais de 400 empresas em observação”, afirma Borges. “Agora, vamos aprofundar as análises antes de assinar os cheques.”

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Borges não está sozinho nessa tarefa de encontrar boas ideias de startups brasileiras. DINHEIRO conversou com seis gestores de fundos brasileiros para entender como atuam e o que buscam nas startups brasileiras. São elas Domo Invest, Invest Tech, e.Bricks Ventures, Bossa Nova Investimentos, A5 Capital Partners e InovaBra Ventures. Somadas, elas estão captando ou já captaram R$ 825 milhões para investir nos próximos anos (saiba mais no quadros que acompanham essa reportagem). Esse valor não inclui os recursos da Monashees, criada por Eric Acher, com passagens pela consultoria McKinsey e pelo fundo americano General Atlantic, e por Fabio Igel, herdeiro da família que controla o grupo Ultra.

A Monashees é considerada uma das maiores gestoras brasileiras para investir em startups de tecnologia. Desde 2005, a dupla já captou aproximadamente US$ 300 milhões. Vale a ressalva que uma boa parte desses recursos já foi aportada. Hoje, a carteira de Acher e Igel conta com 44 startups, como o aplicativo de transporte 99 e o site de produtos usados Enjoei. Todos eles querem surfar na onda de empreendedorismo digital que se intensificou nos últimos anos por conta do crescimento da internet móvel e dos aplicativos para smartphones. Estima-se que existam mais de quatro mil startups de tecnologia no Brasil, número que tem crescido, em média, 30% ao ano, segundo cálculos da ABStartups, entidade que reúne as empresas iniciantes. Não faltam, portanto, ideias para se investir.

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Ao mesmo tempo, os empreendedores estão sedentos por capital que os ajude a dar impulso ao negócio. Nessa batalha por quem consegue descobrir antes dos outros o próximo Buscapé, as casas de venture capital brasileiras, como a de Borges, têm uma vantagem sobre as suas rivais internacionais, como a Sequoia Capital, o Accel e o Tiger Global Management, três peixes grandes do Vale do Silício, nos Estados Unidos. Por conhecerem o mercado brasileiro e todas as suas especificidades, elas são capazes de identificar com mais precisão e rapidez os empreendimentos que têm potencial para se transformar no primeiro unicórnio do Brasil, um jargão do setor para se referir a empresas que valem mais de US$ 1 bilhão.

Os alvos das gestoras brasileiras de venture capital são variados. A Bossa Nova, dos gestores João Kepler e Pierre Schurmann, investe em um estágio bem inicial do negócio. O foco é em startups que resolvem problemas de empresas, o chamado B2B. O valor dos investimentos varia entre R$ 300 mil e R$ 800 mil por aporte. Por esse motivo, conta com uma carteira ampla de 118 startups, com meta de chegar a 180 até o fim deste ano. “Somos uma espécie de cama elástica para outros aportes”, afirma Kepler, que está montando um fundo de R$ 100 milhões – 40% dos recursos serão captados neste ano. A A5 Capital Partners, por sua vez, acaba de estruturar um fundo de R$ 55 milhões para investir em startups das áreas agrícolas e de saúde.

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Outros R$ 50 milhões serão obtidos em breve. A Invest Tech também está levantando R$ 80 milhões, sendo que 50% deste valor será arrecadado neste primeiro semestre. “A ideia é investir em empresas com tração e acompanhar sua evolução com outros aportes”, diz Maurício Lima, sócio da Invest Tech. O Bradesco, que acaba de formatar o InovaBra Ventures, com R$ 100 milhões, está em busca de ativos na área financeira, de seguros e de inteligência artificial. “O fundo está atrelado a investimentos em empresas que interessam ao nosso negócio”, diz Maurício Minas, vice-presidente executivo do Bradesco. A e.Bricks Ventures, controlada pelas famílias Sirotsky, do grupo de mídia RBS, e Szajman, do grupo VR, conta com R$ 300 milhões para alocar em empresas de tecnologia nas áreas de educação, de saúde, do mercado financeiro e que prestam serviços para pequenos e médios negócios. “Buscamos startups que resolvem as ineficiências da economia”, afirma Pedro Sirotsky Melzer, sócio da e.Bricks Ventures.

A estratégia dos fundos brasileiros de venture capital é apostar em diversas empresas, sabendo que muitos ideias não vão vingar. Mas quando acertam, o lucro pode ser astronômico. Observe o exemplo do WhatsApp, comprado pelo Facebook, por US$ 22 bilhões, em 2014. A Sequoia Capital, por exemplo, investiu US$ 60 milhões no aplicativo de mensagens. Quando saiu do negócio, sua fatia estava avaliada em US$ 3 bilhões, uma multiplicação de 50 vezes o valor aplicado. Para minimizar seus risco, as gestoras locais delimitaram um espaço bem específico para atuar. Em geral, elas investem em estágios iniciais, quando a empresa está dando os seus primeiros passos. No jargão setor, são as fases de seed money (capital semente), cujos aportes variam entre R$ 1 milhão e R$ 3 milhões, e da Séria A, quando o dinheiro levantado pode chegar até R$ 10 milhões.

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Por esse motivo, os investidores estão prontos para se tornarem um misto de professores e de babás dos empreendedores, apoiando-os desde o planejamento até coisas mais burocráticas, como serviços jurídicos e administrativos. “Eles ajudaram muito no desenvolvido da estratégia”, afirma Bárbara Diniz Almeida, cofundadora da Dress & GO, que aluga vestidos de marcas de grife, referindo-se aos gestores da A5 Capital, Renato Carvalho e Paulo Humberg, que investiram na startup, em 2013. “Muitos acham um saco, mas foi muito bom para empresa.” Quando recebeu o aporte, ela alugava 10 vestidos por mês. Hoje, são 800. Com o negócio estruturado, o fundo argentino Kaszek Ventures fez um aporte dois anos depois.

REVELAÇÃO Essa é uma prática bastante comum das casas de venture capital brasileiras. Elas funcionam como olheiros para grandes fundos internacionais, a exemplo do que fez o Palmeiras, que revelou o atacante Gabriel Jesus. Depois de duas temporadas no atual campeão brasileiro, a jovem promessa foi vendida por R$ 115 milhões ao time inglês Manchester City. “Suprimos uma lacuna, que é financiar as empresas quando elas saíram da fase de incubação ou das mãos de investidores-anjos”, afirma Lima, do Invest Tech. Quando o negócio encorpa e precisa de mais recursos para conquistar novos mercados, lançar outros produtos ou até mesmo comprar rivais, os gestores de maior porte entram para financiar a expansão.

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“Infelizmente, no Brasil, ainda não há uma briga tão acirrada por rodadas de investimentos”, diz Renato Carvalho, sócio do A5 Capital Partners. “Estamos posicionados para identificar as oportunidades e os fundos estrangeiros gostam de ter parceiros por aqui.” Esses são sintomas que mostram que, apesar dos avanços, ainda falta capital local para financiar as boas ideias das startups brasileiras. “Todos os fundos da América Latina são menores do que um grande fundo americano”, diz Magnus Arantes, presidente da HBS Alumni Angels Association of Brazil, grupo de investidores-anjos formado por ex-alunos da Harvard University, em Cambridge, nos EUA. A Sequoia Capital, que investiu apenas na startup financeira Nubank no Brasil, por exemplo, conta com US$ 4,1 bilhões. O Tiger Global Management, US$ 9,2 bilhões. E a Accel, US$ 20,1 bilhões.

Em 2015, dado mais atual, foram realizados R$ 102,4 bilhões em investimentos de venture capital e private equity no Brasil, segundo a Abvcap, associação que representa os fundos. O dado considera aportes de fundos de pensão, que representavam quase a metade do total investido, e de investidores corporativos, como o caso do Bradesco, cuja fatia foi 14%, a segunda mais importante. “É uma indústria bastante jovem, ainda mais se comparada com os Estados Unidos”, diz Clovis Meurer, conselheiro da Abvcap. De acordo com a Associação Nacional de Venture Capital nos Estados Unidos, foram feitos investimentos de US$ 69,1 bilhões, em 2016. O site de produtos usados Enjoei é um exemplo que demonstra essa relação simbiótica entre os fundos brasileiros e os internacionais.

Em 2013, a Monashees investiu R$ 7 milhões na companhia que nasceu como um blog quatro anos antes. “Quando a Monashees entrou, deixamos a empresa mais profissionalizada”, diz Tiê Lima, CEO e cofundador da operação, que movimentou R$ 200 milhões em vendas no ano passado. Três anos depois, com a operação redonda, o americano Bessemer Venture Partners apostou na empresa. No total, a Enjoei já recebeu R$ 45 milhões. A Monashees, inclusive, acompanhou outras rodadas de investimento que ajudaram a startup a abrir uma operação na Argentina, em fevereiro deste ano. No caso da Contabilizei, que foi escolhida pela revista americana Fast Company uma das empresas mais inovadoras da América Latina, aconteceu exatamente o contrário. Em 2015, ela primeiro recebeu aporte de um fundo estrangeiro, o argentino Kaszek.

Din1009-FUNDOS5Um ano depois, foi a vez da e.Bricks Ventures apostar na operação de contabilidade online brasileira. “Somos uma empresa que ajuda seus clientes a reduzir custos e conseguimos escalar nossa operação exponencialmente”, diz VitorTorres, CEO e fundador do Contabilizei. “É o que todo investidor procura.” Mas nem todos os investidores brasileiros seguem a lógica de encontrar um peixe graúdo para depois vendê-lo mais à frente, ganhando muito dinheiro. Pode soar estranho para a lógica do mercado de venture capital, mas essa é a estratégia do Bradesco com o InovaBra Ventures. “Não pensamos em saída”, diz Minas, do Bradesco. “Pode ser que, ao longo do tempo, seja interessante continuar estrategicamente na empresa.”

Os dois primeiros aportes foram anunciados, na semana passada, na Rede Frete Fácil, uma espécie de Uber do frete, e na Semantix, com foco em computação cognitiva. A ideia é sempre ser um investidor minoritário. Quem quer o dinheiro do Bradesco terá também de concordar em deixar sua solução exclusiva no banco por pelo menos um ano, antes de oferecer a rivais do mercado financeiro. Em uma coisa, ao menos, Minas segue as diretrizes dos gestores brasileiros de venture capital. “Incentivamos e queremos coinvestidores”, diz o vice-presidente do Bradesco. Todos, no entanto, querem encontrar uma startup que alcance o mítico US$ 1 bilhão em valor de mercado. Parafraseando um ditado popular: “não acredito em unicórnios, mas que eles existem, existem”. Quem sabe algum aparece cavalgando pelo Brasil?