Quando a primeira edição da DINHEIRO saiu da gráfica, em outubro de 1997, os brasileiros já desfrutavam os benefícios iniciais da estabilidade monetária. O Plano Real, lançado três anos antes, havia domado o dragão inflacionário que, durante décadas, destruiu diversas moedas e condenou o País a olhar apenas para o curto prazo. Até a criação do real, era impossível ambicionar um desenvolvimento sustentável, dado que as energias dos governantes e da população eram canalizadas para temas banais como preços exorbitantes, câmbio descontrolado e juros elevados. Vinte anos depois, o Brasil superou crises internas e globais – a mais recente, a partir de 2014, já é considerada a mais grave da história – e agora se prepara para decidir, nas urnas, em 2018, qual agenda deseja implementar: a mesma do mundo desenvolvido ou aquela que ainda nos prende ao século passado.

A DINHEIRO ouviu diversos especialistas para elencar quais devem ser as cinco prioridades do País nos próximos 20 anos. Educação, infraestrutura, indústria, agronegócio e financiamento foram as mais citadas. Para cada uma delas, o Brasil precisa ter um plano de longo prazo, que não fique à mercê dos governos que são trocados de quatro em quatro anos. Diante de um cenário de retomada do crescimento econômico, já em curso, há um consenso de que não basta mais encorpar o Produto Interno Bruto (PIB). O País chegou a ser a sexta maior economia do mundo, em 2011, sem que isso se refletisse num progresso permanente. Hoje, o País ocupa a nona colocação. Muitas conquistas sociais desapareceram durante a mais recente crise econômica e política. Segundo os especialistas, a meta deve ser atingir um desenvolvimento econômico sustentável. Para isso, eles propõem um “Plano Real” para cada desafio aqui listado, ao longo das duas próximas décadas.

Realidades distintas: a infraestrutura precária é uma marca registrada do Brasil nos últimos 20 anos (na foto à esq., caminhão atolado na BR-163). O desafio é atrair investimento privado sem onerar excessivamente o bolso dos motoristas (à dir. a via Anhanguera)

1. EDUCAÇÃO
É , com certeza, o tema mais importante de todos, na visão dos entrevistados. “Não há a menor chance de o Brasil vir a ser um país desenvolvido sem cuidar do seu capital humano”, afirma André Sacconato, diretor de pesquisas da BRAiN. “A educação precária é o principal motivo da nossa baixa produtividade.” Qual o primeiro passo nessa área? “Tem de começar pela creche e pelo ensino fundamental”, diz José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio e economista-chefe da Opus Gestão de Recursos. “É muito mais barato ensinar crianças do que adultos.” Um dos erros apontados pelo professor é que o Brasil gasta oito vezes mais com cada universitário do que com cada criança nas escolas. “Por que o Brasil tem universidade pública gratuita de qualidade e não tem escola pública gratuita de qualidade?”, indaga Camargo. “Não há nenhuma razão para termos universidades públicas gratuitas.” A má gestão dos recursos é apontada como um gargalo maior do que o próprio volume de dinheiro destinado à educação. “Falta criar um plano de longo prazo para os três níveis da educação”, diz Julio Sergio Gomes de Almeida, ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazendo e diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

2. INFRAESTRUTURA
Os desafios são tão volumosos quanto complexos. Nos últimos 20 anos, o Brasil não cuidou das suas estradas, abandonou as ferrovias, não expandiu a aviação regional e investiu pouco nos portos. O que deu certo nessa área decorreu de concessões à iniciativa privada, com suas vantagens e desvantagens. Um exemplo é a malha rodoviária do Estado São Paulo. Consideradas as melhores do País, em termos de qualidade do serviço prestado e do asfalto, as rodovias paulistas são as que possuem os pedágios mais caros. “Não é incrível que num trajeto de 800 quilômetros entre Presidente Epitácio, na divisa com o Mato Grosso do Sul, e o Porto de Santos, existam 16 praças de pedágios?”, indaga Afonso Arthur Neves Baptista, produtor rural e conselheiro do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP). “Isso é custo direto para o agronegócio.”

Para resolver uma infraestrutura ineficiente e cara, será preciso ter uma mescla de investimentos públicos e privados. “É uma ilusão achar que apenas as concessões vão resolver todos os problemas”, diz Almeida, do Iedi. “Mas também é uma ilusão imaginar que o governo, sem dinheiro, vai dar conta de fazer todas as obras.” Neste contexto, o plano de concessões e de Parcerias Público-Privadas (PPPs) do governo Michel Temer é visto com bons olhos pela maioria dos especialistas, desde que o resultado dos leilões encontre um equilíbrio entre a qualidade do serviço e a tarifa cobrada do usuário.

O passado e o futuro: a indústria brasileira precisa dar um salto de qualidade e ingressar na quarta revolução industrial (Indústria 4.0). Para isso, o governo precisa estabelecer politicas de longo prazo para o setor e uma política econômica favorável ao setor produtivo

3. AGRONEGÓCIO
Considerado um exemplo de produtividade do lado de dentro das fazendas, o setor depende do avanço da infraestrutura para manter a sua competitividade no mercado internacional. O setor, que há anos garante a maior parte do superávit comercial do País, será mais eficiente se puder escoar a sua produção de grãos através de ferrovias e hidrovias, em vez de bancar custos elevados do transporte rodoviário. Outro gargalo está dentro dos portos, que não têm estrutura para atender à demanda crescente dos exportadores. “Há ainda um gargalo silencioso que envolve a falta de investimentos em armazéns”, diz Baptista, do Corecon-SP. “Por falta de armazenamento, as perdas dentro das propriedades chegam a 40% da produção.”

4. INDÚSTRIA
Assim como o agronegócio , o setor industrial depende de uma evolução da infraestrutura, tem grandes desafios tecnológicos pela frente.  “O Brasil já atrasado na nova era da indústria 4.0”, diz Almeida, do Iedi. A indústria 4.0, também conhecida como a quarta revolução industrial, envolve um novo sistema de produção no qual sensores inteligentes se comunicam com as máquinas, de forma descentralizada e sem fio. No entanto, antes de atingir o patamar de países desenvolvidos, o País precisa definir uma política industrial de longo prazo, que dê as condições necessárias para que o setor manufatureiro volte a prosperar. “Nós sequer preservamos a indústria 2.0, que foi destruída por uma política cambial que sobrevalorizou a nossa moeda”, afirma Antonio Corrêa de Lacerda, professor do departamento de economia da PUC-SP e sócio diretor da ACLacerda Consultores Associados. “Precisamos de uma política industrial estruturada, incluindo investimentos em inovação e política comercial.”

5. FINANCIAMENTO
Sem crédito barato, os quatro desafios mencionados acima – educação, infraestrutura, agronegócio e indústria – ficarão praticamente insuperáveis. Ao longo dos últimos 20 anos, o Brasil não conseguiu escapar das primeiras posições dos rankings internacionais das maiores taxas de juros reais. “Todas as economias maduras atingiram um patamar de desenvolvimento a partir de um mercado de capitais de longo prazo”, diz Sacconato, da BRAiN. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) assumiu o papel de único agente financiador, gerando custos para sociedade, distorções no mercado e privilégios para determinados grupos e setores. A partir de agora, com o afrouxamento monetário, o País tem a oportunidade de criar as condições necessárias para que os juros fiquem num patamar baixo permanentemente. “O Brasil não aguenta mais 20 anos de juros reais acima de 5%”, diz Almeida, do Iedi.

Os especialistas salientam que os juros só ficarão em patamar “civilizado” se houver equilíbrio nas contas públicas – nesse quesito, a reforma da Previdência Social torna-se imprescindível. As oportunidades estão colocadas à mesa. “Temos condições de buscar o desenvolvimento assim como fizeram a Coreia do Sul e a China”, diz o professor Lacerda. Se fizer as escolhas corretas, o Brasil conseguirá dar um salto econômico e social, com distribuição de renda. “A desigualdade precisa diminuir para termos um genuíno desenvolvimento”, afirma Almeida, do Iedi. O progresso do País depende de uma visão de que o Estado não deve ser o provedor de tudo, mas, sim, o agente indutor do investimento privado. “Os jovens precisam ser incentivados a empreender e não a prestar concurso público”, afirma Sacconato, da BRAiN. É esse o país que o Brasil pode ser nos próximos 20 anos.


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