O Fórum Econômico Mundial passou a destacar nos últimos anos a atenção ao combate à pobreza. A cada início de ano, a ONG Oxfam apresenta números alarmantes sobre a concentração de riqueza nas mãos de poucos “zilionários”. A mais nova aterradora medição dá conta que oito pessoas possuem riqueza equivalente à de 3,6 bilhões, a metade mais pobre da população mundial.

Mas vamos falar sério. Persiste um tabu ao se discutir o que realmente provoca esse disparate: a inversão de propósito entre mercado de capitais e economia real. Criado para gerar recursos que impulsionassem empreendedores e a economia real, o mercado de capitais passou a orientar-se exclusivamente pela maximização do lucro e as demandas da economia real deixaram de ser relevantes em suas decisões.

Em resumo, ao invés de trabalhar pela economia real, o que acompanhamos globalmente é a economia real trabalhando para o mercado de capitais.

Essa realidade fica evidente quando um setor, mesmo importante para a sociedade, tem baixa perspectiva de rendimento e naturalmente perde investimentos, o que limita seu desenvolvimento. Caso, por exemplo, do setor de saneamento. É inequívoco que ele é importante, mas menos atraente que óleo e gás, tecnologia, entre tantos outros. O resultado, nesse exemplo, é que temos mais recursos para a exploração do petróleo do que para o tratamento de água e esgoto, o que compromete duplamente o futuro de nossa sociedade.

E antes que eu seja taxado de comunista em meio à simplificação do debate em torno dos complexos problemas de nossa sociedade, essa necessária revisão do capitalismo tem a ver com a criação de um modelo que seja sustentável no tempo e que construa uma sociedade mais justa com um padrão mínimo de qualidade ao alcance de todos. O que está longe, longe, muito longe de acontecer.

Em uma projeção extrema, essa situação é insustentável para os próprios capitalistas. Afinal, quando a disparidade alcança limites aviltantes e a sociedade não percebe mais a possibilidade de mobilidade social, ainda que tão utópica quanto uma Megasena, a reação é violenta e incontrolável. Está aí a Revolução Francesa para não me deixar mentir.

Por isso, bem antes de estarem fisicamente ameaçados, alguns bilionários passaram a destinar bilhões para suas Fundações na tentativa de minimizar os impactos dos seus negócios em escala global. No entanto, a realidade tem mostrado que essa é uma operação de “enxugar gelo”, pois o mercado de capitais continua a concentrar riqueza numa velocidade muito maior do que a filantropia devolve para a sociedade. Nada contra a filantropia, essa apenas é uma constatação da sua ineficiência para combater as causas do desequilíbrio socioeconômico.

Há mais de uma década acompanhamos a evolução lenta dos fundos de investimento socialmente responsáveis, que embora cresçam ainda representam uma fatia menor do mercado. Movimentos crescentes como o Capitalismo Consciente ou as Empresas B (companhias com modelos de negócios que geram impacto positivo social e/ou ambiental) também são respostas a essa distorção, mas, por hora, incipientes diante da magnitude do problema.

Seria necessário uma intervenção no âmbito da governança global, formulando e incentivando a adoção de políticas públicas que reorientassem os fluxos de capitais, não somente os públicos, mas também – e sobretudo – os privados. Com certeza, não será o livre mercado que trará as respostas necessárias para esse dilema.

Apesar dessa aspiração ser hoje evidentemente uma utopia, acredito na construção de uma via ainda não existente para que o capital cumpra seu papel em um modelo de desenvolvimento realmente sustentável. O primeiro passo seria passarmos a encarar o problema e discutir sua solução. Ainda que altamente complexa, essa transformação pode apresentar resultados relevantes para a sociedade global num salto geracional, entre 10 e 20 anos.