Em meio à guerra verbal trocada por Estados Unidos e Coreia do Norte, uma pequena ilha no meio do Oceano Pacífico pode se transformar no símbolo da passagem da ameaça para a ação. Com cerca de 163 mil habitantes, Guam está localizada a cerca de 3,4 mil quilômetros a sudeste de Pyongyang, a capital norte-coreana. Além de praias paradisíacas, o local abriga a base militar aérea e naval americana na região. Há, aproximadamente, 13 mil soldados e seus dependentes morando na ilha. Desde que a verborragia do presidente dos EUA, Donald Trump, e do ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, elevou o clima de tensão entre os países, Guam se transformou num alvo potencial.

De acordo com a KCNA, a agência estatal de notícias norte-coreana, as Forças Armadas vão cumprir a estratégia de direcionar mísseis em direção à ilha. Até o fim de agosto, eles estarão preparados para cumprir uma eventual ordem de Jong-un, que fará com que os foguetes atinjam a água, a cerca de 40 quilômetros de Guam. O detalhamento da ação militar, divulgado na quinta-feira 10, parece ser uma efetiva resposta do governo de Pyongyang às palavras de Trump. Na terça 8, o presidente americano elevou o tom em conversa com jornalistas numa sala do clube de golfe das Organizações Trump, em Nova Jersey.

“É melhor que a Coreia do Norte não faça novas ameaças aos EUA. Eles enfrentarão fogo e fúria como o mundo nunca viu”, disse ele. Será mesmo? “Os EUA não vão atacar a Coreia do Norte, que não vai atacar os EUA”, afirma Mark Fitzpatrick, diretor-executivo do Instituto Internacional para Estudos Estratégicos. “Mas esse tipo de declaração aumenta a tensão por uma guerra. Ouvir ‘fogo e fúria’ pode dar a impressão de que os EUA partirão para o ataque e eles podem agir primeiro.” A Coreia do Norte prometeu se vingar dos EUA por liderar as sanções econômicas impostas pela ONU, após o país ter realizado testes com mísseis intercontinentais. As medidas podem reduzir em até um terço a receita de exportações do país, que soma US$ 3 bilhões.

Esse jogo de empurra-empurra lembra a briga entre crianças que ficam apontando que foi o outro que começou a discussão. Mas esse estratagema infantil não está acontecendo entre dois moleques. Trump não está no comando de um reality show. Ele enfrenta a insanidade de Jong-un, que acredita ter sob controle brinquedos – muito perigosos – criados para sua diversão. A Coreia do Norte avançou rapidamente, nos últimos dois anos, com testes de mísseis e na ampliação de seu poder nuclear. Seu arsenal seria de 60 ogivas, o triplo do que especialistas calculavam. O governo de Pyongyang teria, inclusive, conseguido desenvolver ogivas menores que poderiam ser inseridas em seus mísseis.

Sob tensão: soldado da Coreia do Sul (à esq.) assiste ao plano de ataque da Coreia do Norte à ilha de Guam (à dir.), base militar dos EUA na região (Crédito:AFP Photo/Us Navy/Jamica Johnson e AFP Photo/Jung Yeon-Je)

Embora a capacidade americana seja muitas vezes maior (confira no quadro “Fogo e fúria”), apenas uma bomba nuclear é capaz de provocar estragos de proporções incalculáveis. “O presidente Trump diz muitas coisas fora da caixinha”, afirma Richard Bush, um dos especialistas do Brookings Institution, um think-tank americano. “A ameaça de uma guerra nuclear não é a forma mais adequada para um improviso.” Especialistas em todo o mundo cobraram uma postura mais série de Trump. Querem que as Forças Nacionais de Segurança preparem discursos precisos, para evitar interpretações equivocadas nas falas do presidente. É preciso deixar claro quais serão as respostas para determinadas ações.

Ameaças tornam os EUA mais vulneráveis a qualquer evento norte-coreano, além de prejudicar aliados como a Coreia do Sul. De acordo com a consultoria canadense Capital Economics, os sul-coreanos correm tantos riscos quanto a ilha de Guam. Um conflito direto entre as duas nações coreanas pode provocar um estrago de proporções relevantes para o mundo. Responsável por cerca de 2% da produção econômica global, a perda de metade do Produto Interno Bruto (PIB) da Coreia do Sul derrubaria diretamente o PIB global em 1%. Haveria, também, impacto na negociação de commodities. O petróleo perderia valor em razão do aumento da incerteza e desconfiança global. A necessidade de reconstrução do país geraria um aumento na demanda global por aço, alumínio e cimento.

“Se os EUA gastarem proporcionalmente o mesmo na reconstrução da Coreia do Sul do que foi gasto após as guerras no Afeganistão e no Iraque, seria como adicionar 30% do PIB [cerca de US$ 5,5 trilhões] à dívida pública americana”, aponta o estudo. Desde a semana passada, investidores em todo o mundo tratam com seriedade a possibilidade de uma guerra. As bolsas de valores de EUA, Europa e Ásia registraram perdas. Ativos como o ouro, considerado um porto seguro em períodos de instabilidade, tiveram valorização. Para o Brasil, a instabilidade é ainda maior. Além de fatores internos, como a possibilidade de uma nova meta fiscal e de a reforma da Previdência continuar paralisada (leia mais aqui), os acontecimentos externos vão mexer com o mercado de renda fixa e variável. “Dois malucos estão se ameaçando.

Uma chance de guerra faz com que investidores deixem o Brasil em busca de ativos mais seguros, como títulos do governo americano ou japonês”, diz Raymundo Magliano Neto, presidente da Magliano Corretora. “O estresse é maior para ativos brasileiros, pois os estrangeiros estão ditando o humor da bolsa. Se ele não gostar, pode sair com força e rapidez.” A consequência será a valorização do dólar e a queda das ações. A sugestão do especialista é cautela. Quem estiver com lucro no mercado acionário deve pensar em vender, até que a nuvem negra se dissipe. Segundo ele, pode valer mais a pena recomprar o papel um pouco mais caro no futuro do que assistir a uma queda acentuada no patrimônio por causa da incerteza.