A executiva Raquel Giglio, 33 anos, começou cedo sua carreira no mercado de saúde. Aos 18, ela ingressou numa seguradora como trainee. Giglio estava em ascensão, mas nada comparado ao que aconteceu desde que entrou na SulAmérica, há seis anos. Nesse período, ela passou rapidamente de gerente da área técnica de Saúde e Odonto à diretora técnica e de relacionamento com clientes.

Hoje, Raquel lidera 280 pessoas da empresa, que faturou R$ 16,8 bilhões no ano passado e possui carteira com mais de 6,7 milhões de clientes. “O meu desempenho, juntamente com a política da companhia, fez com que eu fosse promovida à superintendência em dois anos e, posteriormente, à direção”, afirma ela. Isso só foi possível por uma mudança que aconteceu na empresa a partir de 2007, quando a SulAmérica lançou suas ações na B3 e deixou de ser uma companhia familiar.

Esse movimento obrigou a empresa a rever suas práticas de governança corporativa e a adotar novas políticas, que foram desde o incentivo à participação em assembleias gerais até um robusto programa interno de sucessão. A medida fez com que a SulAmérica Saúde reduzisse em 25% os pedidos de desligamento (o chamado turnover voluntário). “Nossa missão é mostrar que o programa não é um projeto para o conselheiro ver. Nenhum programa é sustentável se está apenas em uma área”, diz Patricia Coimbra, diretora de capital humano da SulAmérica. “Porém, quando temos um time alinhado com os valores da empresa, todos passam a ter chances de gerar resultados dentro da companhia.”

Assim como a SulAmérica, empresas que atuam no Brasil têm investido cada vez mais nos talentos formados em casa e no aprimoramento de seus programas de sucessão, que vão das gerências à presidência. O objetivo do planejamento sucessivo é melhorar o engajamento interno por meio de oportunidades, além de garantir que a cultura e os valores da empresa se perpetuem e sejam disseminados por quem já está dentro de casa. É o que mostra uma pesquisa da consultoria britânica Willis Towers Watson, realizada com duas mil companhias ao redor do mundo, sendo 124 no Brasil, de 16 setores da economia.

Karina Ude, Syngenta: “Queremos que os talentos cresçam dentro da organização para que eles tenham a visão de negócio da companhia”
Karina Ude, Syngenta: “Queremos que os talentos cresçam dentro da organização para que eles tenham a visão de negócio da companhia” (Crédito:Claudio Gatti)

Essa análise global, enviada com exclusividade à DINHEIRO, mostra que o número de empresas brasileiras que passaram a investir em linhas sucessórias aumentou de dois anos para cá. Em 2016, 48% das companhias que atuam no País, e que participaram do levantamento, afirmaram promover trabalhos para desenvolver o novo líder. Ao redor do mundo, a média foi de 39% (veja quadro ao final da reportagem). “Não ter um planejamento de sucessão custa 74% a mais para uma empresa”, diz Glaucy Bocci, diretora de recursos humanos da Willis Towers Watson para a América Latina. “Em razão desse alto custo, a atenção com a formação de pessoas e o desenvolvimento delas deve ser constante.”

A boa notícia é que tanto empresas de capital aberto como familiares estão se preocupando em trabalhar internamente para desenvolver o executivo do amanhã. O contexto econômico e o mercado de trabalho brasileiro mudaram. Assim como a recessão que assola o País desde 2015, a baixa produtividade e falta de mão de obra capacitada, somadas a chegada dos jovens da geração Y e Z, nascidos depois anos 80 e 90, respectivamente, foram determinantes para que as empresas alterassem os modelos de gestão.

Inúmeras pesquisas mostram a dificuldade de reter os jovens talentos com idades que variam entre 20 anos e 35 anos por muito tempo em uma companhia. Se antes, com a geração X, o objetivo era fazer carreira em uma única companhia, com a chegada dos millenials, as empresas tiveram que se reinventar. Os anseios deles não são mais focadas apenas na remuneração ou estabilidade. Eles buscam trabalhos que também proporcionem satisfação pessoal. Quando isso não acontece, aumenta a rotatividade. Um estudo da série Geração Y, do especialista Sidnei Oliveira, mostra que a rotatividade desses profissionais é de cerca de três vezes maior do que a de funcionários com mais de 35 anos.

Segundo a pesquisa da Willis Towers Watson, 74% das empresas que atuam no País não possuem programas ou ações específicas para reter os potenciais sucessores. Embora o salário base e o tempo de deslocamento para a empresa ainda sejam as grandes preocupações dos colaboradores que responderam o levantamento no Brasil, as oportunidades oferecidas pela companhia ao funcionário já despontam como terceiro ponto mais importante na pesquisa. “Os empresários estão sendo forçados a ter um modelo mais profissional de gestão em suas empresas”, diz Luiz Marcatti, sócio da consultoria Mesa Corporativa.

Glaucy Bocci, Willis Towers Watson: “É preciso ter planejamento, independente da situação da empresa. Se não, o custo financeiro é muito alto”
Glaucy Bocci, Willis Towers Watson: “É preciso ter planejamento, independente da situação da empresa. Se não, o custo financeiro é muito alto” (Crédito:Claudio Gatti)

Além disso, jovens procuram empresas que, mais do que reputação, tenham missões e valores que provoquem impactos na sociedade. Nesse cenário, até para quem seguia à risca esse roteiro, o sucesso não é garantido. O Grupo Odebrecht, que era um dos principais exemplos no mundo corporativo de cultura organizacional, assistiu à abertura de um buraco entre a presidência e a gerência, assim como uma grave mancha em sua reputação. Desde o início da Operação Lava Jato, 77 executivos, mais o herdeiro Marcelo Odebrecht, estão arrolados em delações (leia mais aqui).

“As empresas não podem nunca descartar a possibilidade de todos os executivos de alta liderança saírem do negócio”, diz Glaucy, da Willis Towers Watson. “É preciso ter planejamento independente da situação da companhia, se não o custo financeiro é muito alto.” Quem se prepara com antecedência reduz o risco de sofrer com solavancos e perda de valor de mercado. Mas, nem sempre é possível ter controle absoluto da situação. A gigante de papel e celulose Klabin foi surpreendida após o presidente Fabio Schvartsman aceitar a proposta para assumir a liderança da Vale.

A troca de comando da Klabin ocorreu três dias depois de o executivo ter feito o anúncio ao mercado. A companhia valorizou a prata da casa e nomeou Cristiano Cardoso Teixeira como novo presidente. O banco Itaú, por sua vez, evitou surpresas (leia reportagem aqui) e fez uma transição tranquila de Roberto Setubal para o novo CEO Candido Bracher. A Votorantim, da família Ermírio de Moraes, também é exemplo disso com o caso de sucesso da Votorantim Cimentos. Há mais de dez anos em execução, o programa de sucessão é responsável pelos bons índices de engajamento e de retenção de funcionários.

Ascensão: Gabriela Woge (à dir.) integra o programa de gestão da Votorantim. Para Paula Giannetti, diretora de RH (à esq), o projeto é crucial para o crescimento na empresa
Ascensão: Gabriela Woge (à esq.) integra o programa de gestão da Votorantim. Para Paula Giannetti, diretora de RH (à dir.), o projeto é crucial para o crescimento na empresa (Crédito:Claudio Gatti)

O programa de gestão fez com que o engajamento interno passasse de 74%, em 2014, para 80%, em 2016. Já o de retenção atingiu 95,7%, no ano passado. Anualmente, a empresa elabora uma pesquisa com os funcionários para analisar o perfil e o desempenho deles. A partir disso, os colaboradores são divididos entre os que têm potencial de assumir altos cargos de direção e aqueles que ainda precisam de mais atenção. Todos passam por reuniões para receber o feedback.

“Os funcionários passam por essa avaliação e o que muda é o nível de exigência para algumas competências”, diz Paula Giannetti, diretora global de gente da Votorantim Cimentos. Foram essas avaliações que levaram a executiva Gabriela Woge a deixar a gerência de tesouraria e assumir a direção da área e de relação com o investidor. “Passei por módulos e programas de treinamento que me agregaram bastante”, diz ela. “Isso mostra que a empresa acredita e motiva o profissional a sempre querer mais.”

Aquelas companhias que têm conseguido fazer um bom trabalho colhem os frutos. Na SulAmérica, 70% a 80% das promoções são feitas com pessoas que atuam na empresa. Para os cargos executivos e os considerados chave, 92% dos sucessores estão identificados tanto para o curto e como para o médio prazo. A multinacional química suíça Syngenta apresenta números semelhantes. A companhia consegue preencher internamente as vagas executivas de 75% a 80% das vezes.

Os comitês de sucessão reúnem-se de três a quatro meses para mapear funcionários que podem entrar na linha sucessória da empresa. “Os gestores traçam quais serão os desafios da Syngenta nos próximos cinco anos e quais posições de liderança vão precisar”, diz Karina Ude, diretora de gestão de pessoas e desenvolvimento organização da Syngenta para a América Latina. “Queremos que os talentos cresçam dentro da organização para que eles tenham a visão de negócio da companhia, independente da posição. Essa proposta vai em linha com nossos valores.”

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