No calendário de grandes tacadas do mundo corporativo, pode-se prever alguns grandes negócios no setor petrolífero neste ano. Pelo menos, para as empresas que arrematarem os blocos de exploração nos dois leilões do pré-sal que o governo federal promete lançar ainda em 2017. Na primeira rodada de licitações, realizada em 2013, ainda sob o regime de partilha de produção, que caiu após mudança regulatória no ano passado, o campo de Libra, na Bacia de Santos, acabou nas mãos de um consórcio formado por Petrobras (40%), Royal Dutch Shell (20%), Total (20%) e as chinesas CNPC (10%) e CNOOC (10%).

Todas essas gigantes estão entre as favoritas, ao lado da norueguesa Statoil e das americanas ExxonMobil e Chevron – que ainda não mostraram grande apetite pelo pré-sal brasileiro –, para a segunda e a terceira rodadas. Segundo informações divulgadas pelo Ministério de Minas e Energia, na terça-feira 17, a segunda rodada está prevista para o primeiro semestre e vai licitar áreas na Bacia de Santos e na Bacia de Campos. Dentre todas essas companhias, uma atenção especial deve ser dispensada à anglo-holandesa Shell, a terceira maior petrolífera do mundo, com US$ 265 bilhões de faturamento e lucro de US$ 2,2 bilhões em 2015, que pode ser a grande estrela do pré-sal.

Ben van Beurden, CEO da companhia desde 2014, esteve no Brasil em setembro passado, para um encontro com o presidente Michel Temer, e na ocasião deixou claras as suas intenções. Em conversa com os jornalistas após o compromisso, destacou que, depois de ter consolidado a presença na Europa, com a aquisição da inglesa BG Group, por US$ 54 bilhões, o Brasil havia se tornado um dos três países prioritários para a companhia. Atualmente, o País responde por 15% dos seus investimentos globais e 15% de sua produção total. Com os ativos da BG, a Shell, além de deter participação importante no campo de Libra, passou a ser dona de 25% do campo de Lula.

Com isso, também se tornou a maior sócia da Petrobras. “Mas é importante notar que nossa posição no Brasil está em campos de exploração jovens, então requer muito capital futuro para expandir o seu valor total”, disse van Beurden. A intenção não deve ficar só no discurso. O CEO anunciou que vai injetar US$ 10 bilhões nas operações brasileiras, entre 2017 e 2020. Isso considerando apenas os projetos já existentes, sem contabilizar áreas que pode adquirir nas novas rodadas de licitação. “Estamos cientes de que precisaremos repor nossas reservas aqui no Brasil para os anos 2020”, afirmou. “Vamos acompanhar também a possibilidade de expandir nosso portfólio na área de downstream (refinamento de petróleo cru e processamento de gás natural).”

DO FUNDO DO MAR ÀS RUAS: no Brasil, a empresa tem participação nos campos de Libra e Lula, e a joint venture Raízen, em postos de combustível
DO FUNDO DO MAR ÀS RUAS: no Brasil, a empresa tem participação nos campos de Libra e Lula, e a joint venture Raízen, em postos de combustível

O que chama a atenção é que essas afirmações aconteceram enquanto a companhia revê investimentos em todo mundo. A empresa reduziu o investimento planejado até 2020 para não mais do que US$ 30 bilhões por ano, cerca de US$ 5 bilhões a menos do que o plano anterior. E também anunciou que pode sair de até 10 países em que atua. Dessa forma, o foco está voltado aos projetos em águas profundas no Brasil e no Golfo do México. “A Shell é uma empresa que conhece muito bem o País. Está aqui há um século”, diz Adriano Pires, consultor do Centro Brasileiro de Infraestrutura. “O pré-sal é uma área muito boa e a extração atual indica que tem mais produtividade do que se imaginava.”

E isso é especialmente importante num momento em que os preços do petróleo estão depreciados. Apesar de uma expectativa de alta este ano para uma cotação média de US$ 57 por barril de petróleo Brent, em comparação com os US$ 45 do ano passado, segundo a empresa de pesquisas britânica The Economist Intelligence Unit, o valor pemaneceria bastante abaixo dos US$ 109 registrados em 2013. A Shell, uma das pioneiras da exploração offshore, sabe que em poucas áreas do mundo conseguirá boa rentabilidade com esse patamar de preços.

Em maio deste ano, a exploração nos campos de exploração em Brent, no Mar do Norte, na costa escocesa – área que deu o nome ao petróleo cru mais comercializado do mundo – completará 40 anos. E, numa comemoração às avessas, a terceira das quatro plataformas da região será descontinuada. Os novos campos no local têm, em média, potencial de 20 milhões de barris, em comparação com os 500 milhões dos descobertos no início dos anos 1970. Segundo a University of Aberdeen Business School, com tamanhos tão reduzidos, esses novos campos podem ficar inviáveis comercialmente sempre que a cotação baixar dos US$ 50.DIN1003-SHELL4

A Shell ainda desistiu de encontrar petróleo no Ártico, depois de nove anos e US$ 7 bilhões gastos. A exploração no Norte também esbarrava em críticas de ambientalistas. Outras apostas se mostraram arriscadas. A promessa americana de extração do gás de xisto sofreu um baque, nos últimos anos. Um acordo entre os países produtores de petróleo da Opep para aumentar a produção depreciou a cotação da commodity, colocando em apuros as empresas que buscavam inovar nesse tipo de extração, incluindo a Shell.

Como se não bastasse esses reveses, no Brasil, o CEO anterior da Shell, Peter Voser, desembolsou US$ 2,2 bilhões, apenas em 2012, em projetos de energias alternativas, especialmente em biocombustíveis, que resultaram na criação da Raízen, em sociedade com Rubens Ometto, da Cosan. A aposta na energia limpa, no entanto, sofreu com a política de congelamento de preços da gasolina pela Petrobras, praticada por ordem da então presidente Dilma Rousseff para conter a inflação, o que estrangulou o mercado de etanol. Com poucas alternativas, resta à Shell acreditar que, desta vez, o Brasil lhe dará todo o potencial que promete. Procurada pela reportagem, a Shell não concedeu entrevista.