Em uma incursão em um hospital clandestino de Lahore, há algumas semanas, a polícia paquistanesa surpreendeu dois médicos que estavam trasplantando dois rins de forma completamente ilegal, com os doadores e os pacientes ainda sedados na mesa de cirurgia.

Deixaram os médicos terminarem a operação e depois detiveram eles, seus auxiliares e seus clientes, procedentes de Omã; um caso que, segundo as autoridades paquistanesas, poderia ser um divisor de águas na luta contra o tráfico de órgãos.

O Paquistão, com seus níveis alarmantes de desigualdade, é uma plataforma internacional para o tráfico de órgãos. As autoridades se declaram impotentes para lutar contra este flagelo.

Não existe nenhum sistema de doação de órgãos após a morte, algo que é mal visto do ponto de vista religioso e social, nem nenhum registro nacional das pessoas à espera de um trasplante.

Assim, fica nas mãos dos pacientes a função de encontrar um doador, que será legal sempre e quando este o faça de forma voluntária, sem obrigações nem pagamentos.

Mas a diferença entre a oferta legal e a demanda é tal que os pacientes com dinheiro costumam recorrer às máfias que traficam órgãos e que exploram em grande escala milhões de pobres desesperados.

Um rim pode ser comprado por um preço tão competitivo que pacientes estrangeiros vêm do Golfo, da África e do Reino Unido para conseguir um trasplante.

– Um rim por 23.000 dólares –

Bastaram alguns minutos para que um “agente” propusesse a um jornalista da AFP, em um hospital privado de Islamabad, um doador e ajuda para obter a autorização do Governo para o transplante de rim. E tudo isso por 23.000 dólares.

A Autoridade de Controle de Trasplantes Humanos (HOTA) assegura que não conta com meios para lutar contra este tráfico. Se um doador afirma que age voluntariamente, “não há nada que se possa fazer” para comprová-lo, lamenta o médico Suleman Ahmed, responsável da entidade.

No entanto, a irrupção da polícia em 30 de abril em uma casa de Lahore mostra que as autoridades decidiram agir, ressalta Jamil Ahmad Khan Mayo, diretor-adjunto da Agência Federal de Investigação (FIA), que desde março se encarrega de fazer cumprir a lei relativa à doação de órgãos.

No caso de Lahore, os 16 suspeitos detidos estão atrás das grades e a investigação continua. Poderiam ser condenados a até dez anos de prisão.

“Com esta incursão, queremos enviar uma mensagem forte ao exterior de que o Paquistão já não é um lugar seguro para os trasplantes ilegais de rim”, aponta o diretor-adjunto da FIA.

– Lei do mercado –

Mas nada foi feito para cortar esse mal pela raiz, segundo os especialistas.

“Este comércio ilegal beneficia os ricos e a elite do país”, aponta Mumtaz Ahmed, chefe do serviço de nefrologia do hospital público Benazir Bhutto, na cidade de Rawalpindi, perto de Islamabad.

Para Ahmed, membro de uma comissão de investigação do governo sobre o tráfico de rins, é por isso que os políticos não fazem com que a lei seja cumprida.

Os dirigentes da FIA, por sua vez, asseguram que agem sem exceção.

“Muitos pacientes vêm nos ver com um membro da família disposto a lhe dar um rim”, explica Ahmed. “Depois, mudam de ideia e vão a um hospital privado, quando sabem que lá podem comprar um rim”.

Diante desta demanda, não faltam ofertas feitas pelos mais desfavorecidos, que veem nisto uma forma de sair da miséria.

Nas fábricas e no campo, muitos trabalhadores acabam se tornando escravos, presos por dívidas contraídas com seus chefes para tratar alguma doença ou criar seus filhos. Pagam sua dívida com seu trabalho, em um ciclo de exploração que alguns esperam romper vendendo um órgão.

– Sindicato de doadores –

Foi o que aconteceu com Bushra Bibi, que sofre constantemente desde que vendeu seu rim, há 12 anos, por 110.000 rupias (1.040 dólares) para ajudar seu pai, que precisava de dinheiro para pagar um tratamento e uma dívida.

Depois, quando seu sogro ficou doente, seu marido teve que fazer a mesma coisa. Desde então, quase não conseguem trabalhar e cuidar dos cinco filhos, e hoje devem ainda mais dinheiro do que antes da operação.

“Não posso nem varrer, e as pessoas zombam de mim porque não consigo acabar minhas tarefas de limpeza”, conta.

Na cidade de Sargodha, na província de Punjab, onde vivem Bibi e sua família, há tantas vítimas do tráfico que um morador, Malik Zafar Iqbal, decidiu montar um sindicato para defender os direitos dos doadores.

Ele mostra à AFP uma lista com centenas de nomes e assegura que se reuniu com vários responsáveis locais, mas por enquanto não teve sucesso. “Eu mesmo vendi meu fígado por 104.000 rupias (980 dólares). Nunca é suficiente”, suspira.