O cerco da Justiça ao Partido dos Trabalhadores (PT) e aos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff fechou-se a pouco mais de um ano das eleições gerais. Dois eventos nos últimos dias colocaram Lula e o partido nas cordas: o depoimento do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci e as denúncias apresentadas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os dois episódios pintam um quadro sórdido, de pagamento de propinas a tentativas de obstrução de Justiça. Os efeitos eleitorais serão medidos nas próximas pesquisas.

Homem de confiança de Lula, Palocci foi um dos responsáveis por melhorar a imagem do ex-metalúrgico frente ao mercado financeiro, atuando como fiador de uma política da econômica conservadora. Foi coordenador da campanha de Dilma Rousseff ao primeiro mandato, em 2010, e seu ministro-chefe da Casa Civil por um breve período, em 2011. Tem, portanto, conhecimento de causa como testemunha e agente dos governos petistas. Em depoimento ao juiz Sérgio Moro, na quarta-feira 6, ele abriu o jogo sobre praticamente tudo, da relação promíscua entre o PT e as empreiteiras ao esquema de corrupção da Petrobras. Ele depôs na condição de réu na ação penal que apura a compra de um apartamento em São Bernardo do Campo, em São Paulo, para o ex-presidente e um terreno para a construção do Instituto Lula, somando R$ 12 milhões.

Encrencados: a senadora Gleisi Hoffmann e seu marido, Paulo Bernardo, (à esq.), junto com Guido Mantega (à dir.) foram denunciados na terça-feira 5, no STF (Crédito:Dida Sampaio e João Castellano/Istoe)

A suspeita é a de que as aquisições foram feitas para compensar vantagens que a empresa recebeu durante o governo do petista. “Eu queria dizer, a princípio, que a denúncia procede”, disse Palocci perante Moro. “Os fatos narrados nela são verdadeiros.” De acordo com o ex-ministro, a Odebrecht pagou propina ao PT e a outras agremiações em forma de doação de campanha, benefícios pessoais, caixa um e caixa dois. Segundo Palocci, Lula tinha um “pacto de sangue” com Emílio Odebrecht, ex-presidente da empreiteira, que envolvia o pagamento da reforma do sítio em Atibaia, o prédio para o museu, o pagamento de R$ 200 mil para palestras e uma reserva de R$ 300 milhões ao PT, a partir de 2010. Tudo isso para manter o protagonismo da empresa em contratos com a Petrobras e outras obras governamentais, no governo Dilma. Palocci afirma que Lula sabia que todos estes recursos eram “dinheiro sujo”, oriundo de negócios ilícitos.

O depoimento também tratou da ex-presidente Dilma. Palocci contou que a Odebrecht temia a sua eleição em 2010. Em encontro com Emílio Odebrecht, Lula apresentou a recém presidente eleita. “Nessa reunião, o presidente Lula leva Dilma para que ele diga a ela das relações que ele tinha com a Odebrecht e que ele queria que ela preservasse o conjunto daquelas relações em todos os seus aspectos, lícitos e ilícitos”, contou o ex-ministro, que não participou da conversa, mas ficou sabendo dos acontecimentos via Lula. Durante o governo Dilma, afirmou Palocci, a empreiteira foi beneficiada em algumas ocasiões, como a licitação do aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, manipulada para que a empresa vencesse depois dela perder as licitações para a concessão de Guarulhos, Campinas e Brasília. “Havia uma cláusula que impedia o vencedor da licitação de Cumbica de participar da licitação do Galeão em condições livres”, afirmou. “Isso foi colocado por solicitação da Odebrecht.” Dilma nega e diz que Palocci “falta com a verdade”.

Enquadrados: Dilma, João Vaccari Neto (centro) e Edinho Silva (dir.) são acusados pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, por formação de organização criminosa (Crédito:Jussi Nukari / AP, AFP Photo / Evaristo Sa e José Cruz/Agência Brasil)

Em comunicado, o ex-presidente Lula disse que a fala de Palocci foi “contraditória” e “sem compromisso com a verdade”. Lula deve prestar depoimento ao juiz Moro para tratar desta ação penal em 13 de setembro. O ex-ministro da Fazenda está preso em Curitiba, Paraná, desde 20 de junho, condenado a 12 anos de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Se não bastasse o impacto que o depoimento de Palocci teve sobre as perspectivas de Lula para a eleição de 2018, o ex-presidente também está enfrentando duas denúncias no STF. A primeira, apresentada na terça-feira 5, acusa Lula, Dilma, Palocci, a senadora e presidente do PT Gleisi Hoffmann, os ex-ministros Guido Mantega (Fazenda), Paulo Bernardo (Comunicações e Planejamento) e Edinho Silva (Secretaria de Comunicação) e o ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto de integrarem organização criminosa. Segundo o pedido, o grupo recebeu um total de R$ 1,48 bilhão em propinas. Todos negam.

A segunda denúncia, apresentada na quarta-feira 6, acusa Lula, Dilma e o ex-ministro da Educação Aloizio Mercadante de tentativa de obstrução de justiça, citando o caso em que Mercadante tentou comprar o silêncio do ex-senador Delcídio do Amaral (PT-MS), em 2015, para evitar que ele colaborasse com os investigadores da Lava-Jato. Janot aponta ainda a troca de informações sigilosas sobre as investigações entre Dilma e Monica Moura, mulher do marqueteiro João Santana, entre 2015 e 2016, e a tentativa de nomeação de Lula, em março de 2016, para ser ministro-chefe da Casa Civil como uma forma de garantir a ele foro privilegiado.


Depoimento quente

Saiba as principais declarações de Palocci ao juiz Sérgio Moro:

“Eu chamei de ‘pacto de sangue’ [relação com a Odebrecht]. Porque envolvia um presente pessoal, que era um sítio, envolvia um prédio de um museu, pago pela empresa, envolvia palestras pagas a R$ 200 mil, fora impostos, combinadas com a Odebrecht para o próximo ano, e havia uma reserva de R$ 300 milhões [ao PT]”

“Na Diretoria de Serviços, [ficou] o PT, na Diretoria Internacional, o PMDB, e na Diretoria de Abastecimento, o PP. Desenvolveu-se uma relação de intenso financiamento partidário de políticos, pessoas, empresas.”

“Nessa reunião [com emílio Odebrecht], o presidente Lula leva Dilma, presidente eleita, para que ele diga a ela das relações que ele tinha com a Odebrecht e que ele queria que ela preservasse o conjunto daquelas relações em todos os seus aspectos, lícitos e ilícitos.”