O fundador da Microsoft, Bill Gates, se tornou o homem mais rico do mundo desenvolvendo tecnologias que foram adotadas em massa por pessoas e empresas ao redor do globo. Os programas da companhia com sede em Redmond automatizaram uma série de tarefas, que deixaram os consumidores mais produtivos. Com as ferramentas da Microsoft, eles tornaram-se capazes de fazer mais trabalho com menos pessoas. Gates, não há dúvida, pode ser considerado um otimista da inovação e um dos evangelistas das vantagens dos sistemas de inteligência artificial. Não deixa, portanto, de ser uma surpresa ouvi-lo propor um tributo para robôs que “roubam” trabalhos de humanos. “Você deve estar disposto a elevar o nível de impostos e até mesmo abrandar a velocidade de automação”, disse Gates, em uma entrevista em 17 de fevereiro, ao site Quartz, quando questionado sobre o tema.

Bill Gates: “Não acredito que as fabricantes de robôs vão ficar indignadas por conta de um imposto”
Bill Gates: “Não acredito que as fabricantes de robôs vão ficar indignadas por conta de um imposto” (Crédito:Ramin Talaie)

Trata-se de, no mínimo, uma proposta polêmica. Robôs não têm renda. Eles também não usam serviços de saúde. Quando se aposentam, não irão ganhar benefícios da Previdência. Logo, como taxá-los? A ideia de Gates é cobrar os impostos das empresas que os usam para substituir trabalhadores. Essa tributação seria temporária para, ao menos, reduzir a automação ou para financiar outros tipos de empregos. “À medida que você automatiza está gerando menos empregos”, diz Otto Nogami, professor de economia do Insper. Com isso, cria-se um círculo vicioso. Com mais desempregados, a renda cai, o consumo diminui e, consequentemente, a arrecadação fica menor. Em resumo, ganha apenas a empresa que se livrou do funcionário. Por outro lado, surgem novas ocupações e empresas a partir das novas tecnologias.

A discussão sobre o impacto da tecnologia nos postos de trabalho não é necessariamente recente. Há muitos anos se debate se a introdução de máquinas cada vez mais inteligentes no mercado pode provocar uma epidemia de desemprego. Na Inglaterra do século 19, durante a Revolução Industrial, trabalhadores têxteis, chamados de Luditas, protestavam contra as máquinas. Na década de 1960, o presidente americano John F. Kennedy disse que o maior problema doméstico era “manter o emprego pleno em uma época em que a automação está substituindo os homens.” Nos anos 1980, a Microsoft protagonizou a revolução da computação pessoal, automatizando uma série de tarefas manuais. Agora, em pleno século 21, os sistemas de inteligência artificial estão levando esse dilema a outro nível: até mesmo trabalhos cognitivos podem ser substituídos pelas máquinas.

DIN1007_bill3De uma forma muitas vezes imperceptível, máquinas estão fazendo o trabalho de pessoas em diversos segmentos. Na setor de call centers, a consultoria americana Gartner estima que até 85% dos centros de atendimento ao cliente serão virtuais em 2020. Na área de saúde, os sistemas de inteligência artificial são capazes de fazer diagnósticos muito mais precisos e rápidos do que os médicos. Os escritórios de advocacia passam a dar conta de muitos mais processos com menos advogados. Robôs já escrevem notícias sobre balanços de empresas e resultados esportivos. Eles também substituem profissionais em corretoras, tomando decisões de investimentos. Até roteiros de filmes já foram escritos com a ajuda desses algoritmos inteligentes.

Um trabalho dos pesquisadores Carl Benedikt Frey e Michael A. Osborne, de 2013, avaliou 702 ocupações nos Estados Unidos e concluiu que 47% delas têm alto potencial de automação. Em outras palavras, podem ser substituídas por máquinas. Uma pesquisa da consultoria americana McKinsey chega a dados semelhantes, mas conclui que a automação de postos de trabalho pode significar uma economia de até US$ 16 trilhões em salários. “Esses sistemas estão cada vez mais inteligentes e geram valor na sociedade”, afirma Marcelo Zuffo, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). “Por que não taxá-los, se eles prestam serviços?”

Por outro lado, os robôs e sistemas de inteligência artificial devem movimentar US$ 153 bilhões até 2020, segundo o Bank of America Merrill Lynch. Seus impactos serão sentidos em diversas áreas de economia, como nos setores de agricultura, de indústria, de veículos, de entretenimento, de saúde e financeiros. Se a experiência do passado servir para prever o futuro, a Revolução Industrial do século 19 ou até mesmo a introdução de computadores nas empresas, a partir da década de 1960, criaram mais empregos do que destruíram. Numa análise recente sobre a força de trabalho americana de 1982 a 2012, o economista James Bessen, da Boston University, descobriu que a taxa de emprego crescia mais rápido nas ocupações que usavam intensamente a tecnologia. Quem imaginaria, um século atrás, pessoas trabalhando no desenvolvimento de videogames? A discussão proposta por Gates está apenas começando.