Nos oito dias em que comandou o País, durante a viagem do presidente Michel Temer à China, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), manteve o foco nas negociações em torno da agenda econômica, mas não hesitou em contrariar os interesses do Planalto. Maia decidiu não assinar uma Medida Provisória (MP) que aumentava a tributação de fundos de investimentos. A medida, que pode gerar uma arrecadação extra de R$ 6 bilhões, é parte dos esforços da equipe econômica para cumprir as novas metas fiscais de 2017 e 2018, ambas de déficit de R$ 159 bilhões. O constrangimento gerado pelo episódio é uma demonstração de que os parlamentares, incluindo os aliados do governo, não estão dispostos a avalizar projetos que podem significar perda de votos a pouco mais de um ano das eleições.

De volta da reunião de cúpula dos BRICS (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), em Xiamen, no sudeste da China, o presidente Temer desembarcou em Brasília, na quarta-feira 6, em meio a uma reviravolta envolvendo as delações de executivos da JBS (leia reportagem aqui). Segundo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a omissão de informações importantes para as investigações pode levar à revisão dos benefícios das delações. Em jantar oferecido por Maia, na segunda-feira 4, para tratar da reforma política com parlamentares, o tema principal foi a fala de Janot.

Segundo relatos, o tom era de comemoração diante da avaliação de que o procurador-geral “se deu mal” com a situação. “Os fatos mostraram que eu tenho razão”, disse Temer ao ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, que relatou a conversa aos jornalistas. A reação eufórica do mercado financeiro nos últimos dias, com o índice Bovespa na marca histórica de 73.500 pontos, demonstra que o presidente Temer saiu fortalecido para encarar a segunda denúncia, que será apresentada por Janot nos próximos dias – a primeira denúncia foi barrada na Câmara dos Deputados. Isso não significa, na avaliação de cientistas políticos, que Temer terá vida fácil para aprovar sua agenda reformista no Congresso Nacional.

Um bom exemplo é o projeto do Refis, que foi prorrogado até o dia 29 de setembro. Originalmente, a equipe econômica propôs um desconto entre 25% e 50% sobre a multa para as empresas que pagassem à vista suas dívidas com o fisco. Mas a comissão especial que analisou a MP ampliou os percentuais para o intervalo de 85% a 99%, jogando por terra toda a arrecadação prevista. Sem saída, o governo cedeu e ampliou o desconto para 70%. O resultado final é que, em vez de arrecadar R$ 13,8 bilhões com o novo Refis, o governo terá de se contentar com receitas entre R$ 8 bilhões e R$ 10 bilhões.

O próprio presidente da Câmara dos Deputados afirmou, durante a sua interinidade no comando do Palácio do Planalto, que Temer está em uma posição mais debilitada do que há um ano, o que pode inviabilizar a aprovação das reformas econômicas. “O governo, no Congresso, perdeu alguma força, sem dúvida nenhuma”, afirmou Maia, na segunda-feira 4, em São Paulo. “Para ser aprovada ainda em 2017, a reforma da Previdência terá de ser votada em outubro ou novembro. Ou não vai aprovar.” Diante de um cenário desafiador, a DINHEIRO entrevistou três especialistas e colheu suas previsões para cinco projetos importantes em tramitação no Legislativo: o novo Refis, a reforma da Previdência Social, a reoneração da folha de pagamentos, a MP dos fundos de investimentos e a reforma tributária.

Com exceção do Refis, todos os itens receberam a previsão de “pouco provável” de pelo menos um dos cientistas políticos consultados (leia quadro ao final da reportagem). Ainda que a reviravolta nas delações dos executivos da JBS represente um respiro para Temer, a proximidade das eleições joga contra o governo, que tem baixíssima popularidade. Segundo uma pesquisa realizada pelo Ibope a pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI), em julho, Temer é avaliado como ótimo ou bom por apenas 5% dos entrevistados, o menor índice desde o início da série histórica do instituto, em março de 1986.

Aprovar temas que podem influenciar diretamente a vida dos brasileiros ou que exigem mexer em muitos interesses, como é o caso da reforma tributária, é algo que os parlamentares querem evitar a todo custo ao final deste ano. “Os congressistas, diferentemente do Temer, vão enfrentar o escrutínio popular”, diz Lier Pires Ferreira, cientista político e professor do Ibmec do Rio de Janeiro. “É impossível que eles não estejam olhando para 2018, quando estamos chegando ao final do tão conturbado 2017.” O descontentamento da base aliada, especialmente dos partidos do chamado “centrão”, formado por PP, PR, PSD e SD, também está ajudando a postergar as reformas estruturais e a tramitação do pacote fiscal. O grupo reivindica ocupar os cargos de indicados por partidos que não votaram em peso contra o arquivamento do primeiro pedido de inquérito contra Temer.

Volta de impostos: buscando recursos para fechar as contas, governo quer reonerar a folha de pagamento de 54 setores, menos transporte público, construção civil e comunicação (Crédito:Shutterstock e João Castellano / Ag. Istoe)

O Planalto, até o momento, está sendo lento nas trocas, principalmente daquelas indicações relacionadas ao PSDB, seu principal aliado, mas que registrou 21 votos pela abertura de inquérito, de um total de 47 deputados. Líderes do “centrão” ameaçam boicotar as negociações com o Planalto. Por outro lado, os sinais de recuperação da economia, como a alta do PIB no 2º trimestre e a queda da inflação, dos juros e do desemprego amenizam as pressões contra o governo. “O mercado não está preocupado com as derrotas de curto prazo”, afirma Rafael Cortez, analista político da Tendências Consultoria. “Os investidores já precificaram o déficit de R$ 159 bilhões e aceitaram que algumas reformas virão no próximo governo.”

O que está certo, segundo os analistas, é que o governo deve conseguir boas vitórias na segunda parte de sua agenda, a de reformas microeconômicas, que não exigem maioria qualificada. “Para projetos que dependem de maioria simples, o governo não deve ter dificuldades, por ter uma base suficiente”, diz Murillo de Aragão, presidente da Arko Advice. Dois testes ocorreram na terça-feira 5, quando o Congresso aprovou o aumento da meta de déficit primário e homologou a Taxa de Longo Prazo (TLP), que substituirá a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) nos empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a partir de janeiro de 2018.

Grupo de políticos: enquanto Temer esteve no exterior, o Congresso colocou em pauta apenas temas pouco polêmicos. Na foto, o núcleo duro do governo se reuniu para a sanção de lei para financiamento de Santas Casas (Crédito:Alan Santos/PR)

Temas mais complexos, como o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), a previdência do setor, que foi considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em março e gerou um passivo de R$ 10 bilhões dos produtores rurais com o governo federal, não terão trâmite muito fácil. Outro desafio é a intenção da União em reonerar a folha de pagamento de 54 setores, benefício criado na gestão Dilma Rousseff, que derrubou a arrecadação federal. Pela proposta da Fazenda, a medida valeria a partir de 2018 e apenas três setores seriam preservados: transporte, construção civil e comunicação.

Os embates entre Congresso e Planalto devem ganhar força em meio às discussões sobre a reforma política, que precisa ser aprovada até o fim de setembro para valer nas eleições de 2018. O tema foi a prioridade do jovem deputado André Fufuca (PP-MA), de 28 anos, que assumiu a presidência da Câmara durante a viagem de Temer à China. Porém, quase nada avançou. É, também, pouco provável que um debate mais profundo sobre a implantação do parlamentarismo ocorra neste momento. Em junho, o presidente Temer afirmou que, na prática, já vigora no Brasil um “presidencialismo semiparlamentarista”, em que a sustentação dele se dá pelo Congresso Nacional, assim como no parlamentarismo, em que o primeiro-ministro precisa do apoio dos congressistas para não ser deposto.

Na avaliação dos especialistas, há uma tendência de fortalecimento da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, mas ainda é cedo para cravar que o Legislativo irá se sobrepor ao Executivo. “O Congresso não exerce mais influência do que o Planalto, mas a sua força está crescendo desde o final do governo Lula”, diz Aragão, da Arko Advice. “Em 2019, o balanço de poder dependerá da configuração do novo Congresso e de quem for o próximo presidente.” Até lá, os próximos passos do presidente Temer mostrarão se ele reúne forças para aprovar sua agenda reformista.