O executivo português Miguel Setas, presidente da EDP Energias do Brasil, está há quase 10 anos no País. Nesse período, ele aprendeu que, diante da situação política e econômica brasileira, o melhor a fazer é ser cético. “Como uma empresa portuguesa, costumamos dizer que somos menos otimistas nos momentos de euforia e também menos pessimistas nos momentos de depressão”, afirma. Esse equilíbrio ajuda Setas a olhar para o longo prazo sem ser influenciado pelas turbulências do presente. No leilão de transmissão realizado no final de abril, a EDP, que faturou R$ 8,9 bilhões no País, no ano passado, foi uma das companhias mais agressivas e conquistou importantes lotes, que vão demandar R$ 3 bilhões em investimentos.

A empresa, que também atua nas áreas de geração, distribuição, comercialização e soluções em energia, será uma das responsáveis pela reconstrução do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, em parceria com a Fundação Roberto Marinho e o Itaú Cultural. Com o olhar de um estrangeiro, Setas entendeu por que os executivos brasileiros são versáteis. “Eles passaram por tantas situações complexas na sua história que são os mais bem preparados para trabalhar em qualquer lugar do mundo”, diz o presidente da EDP. “Eu, de alguma maneira, tive o privilégio de viver isso nesses 10 anos. Sei que todos os dias vou ter um assunto complexo para resolver, mas sei que vai aparecer uma oportunidade nova de negócio.”

DINHEIRO – O setor elétrico volta a viver um bom momento, depois dos problemas do governo de Dilma Rousseff?

MIGUEL SETAS – O setor elétrico tem fundamentos muito fortes. Há, claro, momentos que são, às vezes, mais afirmativos e momentos, eventualmente, menos afirmativos. Mas há claramente um marco regulatório estável que cria condições de rentabilidade e de competitividade, que são adequadas para o investimento estrangeiro e nacional. E para o desenvolvimento da infraestrutura necessária para a consolidação do setor. Os leilões de transmissão, por exemplo, são uma evidência clara disso. As condições de competição e de rentabilidade foram adequadas. No final, quem ganha é o setor elétrico como um todo, porque conseguiu captar investimentos, e o consumidor final, porque essa competição naturalmente traduz-se em custos mais baixos.

DINHEIRO – A regulação do setor necessita avançar para atrair mais investimentos?

SETAS – O setor tem uma regulação sólida, mas todos nós reconhecemos a necessidade de aprimoramento. Ninguém acha que essa é uma obra completa. Não é ponto de chegada, ainda está em evolução. O atual executivo, o ministro Fernando Coelho, tem dado sinais muito claros de uma leitura correta daquilo que são as prioridades do setor, com uma abertura ao diálogo com os agentes, em particular, os privados. Esses diálogos têm se convertido não só em medidas concretas, mas em um planejamento que consideramos coerente. Portanto, vejo hoje o setor elétrico, onde nós investimos, como um dos mais sólidos e consistentes na infraestrutura brasileira.

DINHEIRO – É uma situação diferente daquela vivenciada nos últimos cinco ou seis anos?

SETAS – Eu estava dizendo que há momentos em que o setor elétrico está mais afirmativo e em outros, menos afirmativo. Estamos vivendo, agora, uma orientação pró-mercado, claramente de criação de condições adequadas de investimento e onde as empresas, como é o caso da EDP, encontram respaldo para aquilo que são os seus objetivos e prioridades de investimento.

DINHEIRO – A EDP fez um investimento importante no último leilão de transmissão, um mercado em que a empresa não atuava. Qual é o plano estratégico?

SETAS – Sim, foram R$ 3 bilhões na transmissão. Investimos R$ 1 bilhão por ano de forma recorrente. De 30% a 50% desse valor é o recorrente das distribuidoras em São Paulo e no Espírito Santo. Entre 2011 e 2017, foram investimentos na área de geração, que terminam agora com a obra da usina de São Manoel. Agora, virá uma nova fase de investimento nas áreas de transmissão e solar. O Brasil é um país grande e temos espaço para olhar para o setor elétrico de uma forma sistêmica. Há momentos em que o sistema está mais demandante do lado da geração. Em outros, como agora, está mais do lado da transmissão, e poderá vir a estar demandante de novas tecnologias, como é o caso da energia solar e foi o caso da eólica a poucos anos atrás. Efetivamente esse é um sistema tão grande e um País com uma dimensão tão expressiva que me parece que a complementariedade de todos esses segmentos é fundamental para assegurar a estabilidade do sistema.

DINHEIRO – O olhar, agora, está voltado só para a transmissão?

SETAS – Para nós, os próximos cinco anos são de uma aposta na transmissão. É um segmento onde reconhecidamente o País precisa de investimentos para otimização do sistema. Mas eu diria que pode ser também um período de aposta em energia térmica a gás, de baixo custo. Temos dito isso de maneira muito assertiva e clara: somos defensores da necessidade de o País ter uma geração térmica com gás natural. Pelo que vimos, a opção que foi tomada para expandir a hidroeletricidade pelas usinas fio d’água [aquelas que não possuem reservatórios] mostra que em momentos de seca, como foram os últimos anos, o sistema não opera na sua melhor versão e faz uso da geração termelétrica com custos elevados. Portanto, entendemos que para garantir a estabilidade nessa matriz elétrica nacional é necessário uma energia de base, barata e complementar à hidroeletricidade.

A ex-presidente Dilma Rousseff quebrou contratos com o setor elétrico (Crédito:Ueslei Marcelino)

DINHEIRO – Então, há uma confiança, por parte de vocês, de que a Petrobras vai colaborar com o desenvolvimento e a expansão desse mercado de térmicas a gás?

SETAS – Todos nós sabemos que precisamos de um quadro regulatório e de mercado onde se criem as condições de suprimento e as condições de competição adequadas para que vários operadores possam competir em uma base igualitária. Portanto, naturalmente a posição da Petrobras é determinante para que esse quadro seja instituído.

DINHEIRO – Falando em competição, a fusão entre a Neoenergia e a Elektro criou uma empresa de R$ 20 bilhões. Essa concentração muda o setor?

SETAS – Esse não foi um movimento surpresa. Já se esperava há algum tempo. Ele dá coerência estratégica à presença da Iberdrola no Brasil [empresa espanhola que tinha participação nas duas companhias]. Portanto, a fusão dessas duas operações faz todo sentido estratégico para a Iberdrola e, no fundo, há vários prismas que podemos olhar nesse movimento. Para o País, é a reafirmação da confiança de um grande investidor no Brasil e, em particular, no setor elétrico. Esse movimento é feito por quem está numa perspectiva de investimento, agregação de valor e ganho de coerência estratégica. Para o setor elétrico, acaba por ser, de certa forma, um movimento gradual de consolidação. Apesar de já haver um alinhamento entre a Elektro e a Neoenergia, a partir de agora elas são uma voz única, que dá um peso ainda maior a esse operador.

DINHEIRO – A direção é a concentração?

SETAS – É mais um sinal para a consolidação que estamos caminhando. Já vimos, neste início de ano, a aquisição da AES Sul pela CPFL, a aquisição da Celg pela Enel e a entrada da State Grid no capital da CPFL. O setor está bastante fragmentado e, com a escala que esses operadores estão tomando, no final da linha vai se reverter em maior eficiência e maior valor para o cliente final. Olhando dez anos à frente, esse é um movimento que faz muito sentido.

DINHEIRO – Alguns sócios da usina de Belo Monte querem vender suas participações. É uma oportunidade de investimento?

SETAS – Belo Monte é uma usina de grande dimensão, estratégica para o Brasil, mas está aquém daquilo que é o nosso plano estratégico. Nós definimos como prioridade estratégica usinas que estão entre 100 MW e 1000 MW de capacidade instalada. Não queremos mudar. Achamos que somos os melhores operadores em usinas de média dimensão. É onde estão as nossas competências e provamos com a capacidade de entregar usinas dentro do orçamento, do prazo e, em algumas até, antecipamos o prazo regulatório. E é isso que nós fazemos melhor do que outros e onde queremos criar valor para o setor elétrico brasileiro.

A espanhola Iberdrola realizou a união entre a Neoenergia e a Elektro, formando uma empresa de R$ 20 bilhões (Crédito:Shutterstock)

DINHEIRO – O que pode atrapalhar os seus planos de investimento no Brasil?

SETAS – Creio que as nossas perspectivas para o Brasil, e tenho dito isso sempre com convicção, são de longo prazo. O Brasil tem alguma volatilidade que é característica de um mercado novo. Em 22 anos de presença no País, a EDP soube interpretar bem essa volatilidade e estamos preparados para momentos de maior otimismo ou de menor otimismo, como eventualmente pode ser o atual. Independentemente da situação política que vivemos hoje, vejo um quadro atual muito positivo. Do ponto de vista macroeconômico, temos uma convergência de inflação para os limites que são o objetivo do governo; um quadro em que temos uma perspectiva de redução da taxa de juros dos dois dígitos médios para um dígito alto; o último trimestre mostrou sinais de retomada da atividade econômica, depois de sucessivos trimestres de recessão. Ou seja, uma indicação que há uma retomada de crescimento no mercado brasileiro; temos a normalização do câmbio, de alguma forma, também para níveis muito equilibrados. Do ponto de vista de política econômica, o Brasil nos últimos seis meses reagiu muito bem. Independentemente da estabilização da política, que todos nós ambicionamos, o quadro macroeconômico deve permanecer com a trajetória positiva que mostrou até agora. E que se reforcem as condições de competitividade que o mercado brasileiro tem criado nos últimos meses. Com muita franqueza, tenho muita confiança que os próximos anos vão ser de um Brasil afirmativo, competitivo e que atrai investimento. São as condições que precisamos para nos mantermos aqui.

DINHEIRO – Esse início de retomada econômica é suficiente para fazer o País chegar até 2018, mesmo com a instabilidade política?

SETAS – O nosso negócio, naturalmente, depende das condições macroeconômicas. Estávamos preparados, há seis meses, há um ano, para enfrentar um cenário mais adverso, de retomada de crescimento a partir de 2018. Para nós, esses primeiros seis meses de 2017 foram uma surpresa positiva. Não estávamos à espera de uma reação tão rápida da economia e tínhamos as nossas projeções econômicas preparadas para um cenário menos positivo. Mas a mim não me compete comentar a instituição política brasileira porque, sendo estrangeiro, faço sempre de uma forma cautelosa. O que vejo é a dimensão macroecômica do País, que está sendo tratada da forma correta.

DINHEIRO – Mas a consultoria Eurasia chegou a elevar de 20% para 70% as chances do presidente Temer não terminar o mandato. Há alguma alternativa?

SETAS – Não fazemos projeções com a liderança política do país. Trabalhamos, nos últimos 22 anos, com governos com uma determinada orientação política e também com a contrária. Em todo esse período, a EDP soube assumir o seu papel de investidor estrangeiro responsável e competente tecnicamente. É isso que nos interessa. Independentemente do cenário político, as instituições brasileiras estão, no setor elétrico em particular, maduras, reguladas, de viés técnico. Encontramos no setor elétrico uma regulação competente, embora nem sempre estejamos de acordo.

DINHEIRO – O senhor consegue projetar, nas eleições do ano que vem, um presidente no Brasil vindo do lado tradicional da política ou será um outsider?

SETAS – Essa é uma pergunta boa, mas julgo que ninguém, neste momento, tem projeções para fazer sobre 2018. Aquilo que gostaria, como estrangeiro, é que o Brasil escolhesse o melhor presidente possível para que ele pudesse consolidar toda essa trajetória que nós temos acompanhado, de amadurecimento, desenvolvimento e crescimento de uma grande potência mundial. Independentemente do poder político e do próximo presidente, o Brasil tem esse destino garantido.