Os irmãos gêmeos Cameron e Tyler Winklevoss competiram na Olimpíada de Pequim, em 2008, no remo. Para a maioria dos mortais, isso já seria uma distinção e tanto. Mas a dupla Winklevoss ganhou notoriedade por outro motivo. Eles alegam que Mark Zuckerberg, quando estudava em Harvard, em 2004, roubou-lhes a ideia do Facebook. Depois de disputarem a paternidade da maior rede social do planeta na Justiça, os irmãos ganharam US$ 65 milhões em 2013. Com esse dinheiro, eles resolveram investir US$ 11 milhões na moeda virtual Bitcoin, que valia cerca de US$ 120 na época.

Na semana passada, os gêmeos voltaram às manchetes. Com a meteórica valorização da criptomoeda, eles se transformaram nos primeiros bilionários da Bitcoin – ao menos, os primeiros cujos rostos são conhecidos. Hoje, a fortuna da dupla em moeda virtual se aproxima de US$ 1,5 bilhão. “Você verá que a Bitcoin, na verdade, não é realmente diferente ou menos real do que qualquer outra forma de dinheiro”, disse Tyler, em uma entrevista à versão americana da revista GQ, em 2015. “Na verdade, a Bitcoin é uma evolução bastante inevitável do dinheiro.”

A fortuna dos irmãos Winklevoss só foi possível graças a espetacular valorização da Bitcoin. Na quinta-feira 7, ela estava cotada em US$ 16,5 mil. Desde o começo de dezembro, a criptomoeda valorizou-se mais de 50%. Em 2017, a alta ultrapassa os 1.570%. Quem tivesse comprado R$ 10 mil da moeda virtual em 1º de janeiro deste ano teria hoje R$ 165 mil em sua carteira. Nos últimos cincos anos, o número é ainda mais espetacular: 119.600%. Quem comprou R$ 10 mil naquela época teria hoje quase R$ 12 milhões. Com tanta exposição, o volume médio diário de negócios com a Bitcoin no Brasil chegou a US$ 90 milhões, segundo Fernando Ulrich, economista-chefe de criptomoedas da XP Investimentos. Parece pouco. E é. Comparado ao volume médio diária de negócios na B3, em novembro, representa menos de 1%. Mas, segundo Ulrich, é o dobro de 2016.

Essa excessiva valorização da Bitcoin num curto espaço de tempo está fazendo muitas pessoas gritarem: é bolha! Em uma definição simples, uma bolha é uma situação na qual o valor de um ativo se desvia fortemente do seu valor intrínseco. Com isso, o preço parece se basear em uma visão distorcida e inconsistente do futuro. Será esse o caso da Bitcoin, uma moeda sem lastro, não regulada por Bancos Centrais e sem qualquer tipo de controle? O diabo é que as bolhas só são reconhecidas quando estouram. Não é a primeira vez que a Bitcoin passa por um período de excessiva valorização. Entre agosto e dezembro de 2013, a criptomoeda subiu de US$ 100 a US$ 1.200. Em abril de 2014, caiu para menos de US$ 400 a unidade. A queda se deu pelo escândalo envolvendo problemas técnicos do banco japonês Mt.Gox, a principal porta de entrada para quem queria adquirir moedas.

Ouro digital: Rodrigo Batista, CEO do Mercado Bitcoin, maior corretora da criptomoeda da América Latina, com 520 mil clientes, acredita que não há uma bolha prestes a estourar (Crédito:Andre Lessa/Istoe)

Na época, ele não suportou o volume crescente de movimentação. Sem conseguir resolver os problemas, a instituição bloqueou os saques após um ataque hacker. Mas, em 24 de fevereiro de 2014, fechou as portas após um documento vazado revelar que o banco havia perdido 744 mil Bitcoins – pouco mais de US$ 400 milhões, naquele momento. “De jeito nenhum é uma bolha”, diz Rocelo Lopes, CEO da CoinBR, corretora brasileira com 80 mil clientes e que também possui operações de mineração da criptomoeda no Paraguai. “Ela vai chegar aos US$ 100 mil em 2019”. Rodrigo Batista, que comanda as operações do Mercado Bitcoin, a maior corretora da moeda virtual na América Latina com 520 mil clientes e que deve movimentar R$ 2 bilhões em 2017, é mais cauteloso. “Não acredito em uma bolha”, diz Batista. “O que pode acontecer é uma parada, ou até mesmo uma queda. Isso é inevitável.”

Uma pesquisa publicada pela consultoria Natixis Investment Managers mostrou que 64% dos investidores institucionais – bancos, seguradoras, fundos e outras entidades que investem no mercado de capitais, incluindo as estatais – acreditam que as altas sequenciais da cotação da Bitcoin sejam indícios de que o mercado vive uma bolha. O levantamento foi feito com 500 investidores globais, responsáveis por mais de US$ 19 trilhões em ativos. A opinião é compartilhada por economistas com vieses mais tradicionais.

Robert Shiller, prêmio Nobel de Economia de 2013, compara a euforia ao mercado de ações dos Estados Unidos em 1929, quando a valorização excessiva de ativos de companhias com capital aberto culminou no crash da bolsa. Joseph Stiglitz, ex-economista-chefe do Banco Mundial e também laureado com o Prêmio Nobel de Economia, em 2001, defende a proibição da Bitcoin. Para ele, a moeda “não tem nenhuma função social” e é uma alternativa para “atividades ilícitas, como lavagem de dinheiro e evasão fiscal”. Outro que está longe de ser um fã da Bitcoin é Jamie Dimon, CEO do banco americano J.P. Morgan. Em outubro, o executivo afirmou que “se você for estúpido o suficiente para comprar Bitcoin, você pagará o preço um dia”.

No Brasil, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, além de um de seus predecessores, Gustavo Franco, já se posicionaram contra a circulação da moeda virtual no País. Instituições privadas também estão preocupadas com os riscos que envolvem a Bitcoin. No ano passado, os bancos Bradesco e Itaú encerraram as contas correntes das corretoras Mercado Bitcoin e CoinBR sob a alegação de que “falta interesse comercial”. “Quando eles escutam a palavra ‘Bitcoin’, eles encerram a conta porque associam o termo a lavagem de dinheiro”, diz Lopes, da CoinBR. Em nota, o Bradesco disse que “cumpre integralmente as regulações vigentes e os procedimentos reconhecidos como boa prática e governança para iniciar e manter relacionamentos com os seus clientes e informa que não comenta casos específicos em respeito às regras que disciplinam o sigilo bancário”. O Itaú não quis comentar o caso.

Apesar das reservas de algumas instituições no Brasil e no exterior, o mundo tem abraçado cada vez mais essa nova tecnologia. Em 11 de dezembro, a bolsa americana Chicago Board Options Exchange (CBOE) passará a negociar contratos futuros de Bitcoins. Sete dias depois, será a vez da concorrente local Chicago Mercantile Exchange (CME), a maior bolsa de derivativos do mundo. A bolsa eletrônica Nasdaq, onde são comercializadas as principais ações de empresas de tecnologia e internet do planeta, tem planos semelhantes. Mas essas bolsas não terão vida tranquila.

Os maiores bancos de Wall Street, como Goldman Sachs, Morgan Stanley, J.P. Morgan e Citigroup, estão se organizando para barrar essas iniciativas. Em uma carta a qual o jornal britânico Financial Times teve acesso, eles alegam que a rapidez da introdução dos contratos futuros de Bitcoin “não permitem a adequada transparência pública e o envio de comentários”, segundo uma carta enviada à Comissão de Negociação de Futuros de Commodities (CFTC), que deu autorização à CBOE e a CME.

INÍCIO OBSCURO Criada em 2008, duas semanas após a quebra do banco americano Lehman Brothers, que marcou o estouro da bolha dos títulos podres hipotecários, chamados de subprime, nos Estados Unidos, a Bitcoin surgiu relacionado a transações ilícitas. Sua grande finalidade era permitir a compra de artigos ilegais, como drogas e armas, na Deep Web, a parte da internet que está escondida dos navegadores e que exige métodos diferentes de acesso. Aos poucos, algumas empresas passaram a adotar a moeda virtual. Em 2014, a Microsoft e a Dell foram as primeiras a aceitar a Bitcoin.

A plataforma de jogos Steam, a empresa de criação de blogs WordPress, agências de viagens online como Expedia e CheapAir também são outras companhias adeptas a nova forma de pagamento. A maior rede de restaurantes do mundo, o Subway, aceita a Bitcoin em algumas unidades da lanchonete nos Estados Unidos, na Rússia e na Argentina. No Brasil, a construtora Tecnisa já vendeu um apartamento e o pagamento foi feito com Bitcoin. Mas um estudo do banco de investimento americano Morgan Stanley, divulgado em outubro, mostra que apenas três das 500 maiores varejistas online do mundo aceitavam a moeda. Um ano antes, eram cinco.

Tão importante quanto as empresas é a aceitação por parte de governos. Em 2016, o Japão começou a abraçar a tecnologia. Na época, o primeiro-ministro Shinzo Abe passou a dar sinais à comunidade digital internacional de que o país poderia permitir o uso irrestrito da moeda em transações comerciais, tornando a Bitcoin um método de pagamento convencional, como o dinheiro em espécie e o cartão de crédito. Neste ano, o país asiático regulamentou a moeda. Realizada pela Agência de Serviços Financeiros do Japão, a regulamentação força as exchanges, como são chamadas as corretoras, a obedecerem a requisitos básicos de segurança financeira, como a implementação de medidas para evitar a lavagem de dinheiro. A Suíça, desde o final de 2016, passou a apoiar o desenvolvimento de novas moedas virtuais. Para isso criou uma regulamentação que reduz as exigências feitas aos bancos para startups financeiras com capital de até 1 milhão de francos suíços e criou uma associação chamada de Crypto Valley, que significa o Vale da Criptografia.

A China, em contraposição, passou a reprimir as exchanges e baniu as ofertas iniciais de criptomoeda – existem mais de mil moedas virtuais no mundo. A Bitcoin, a despeito de ser ou não uma bolha, é uma realidade. Mas quem quiser surfar nessa nova onda, principalmente com fins de investimentos, deve saber dos riscos, que são altos. Mas é quase consenso que a tecnologia não irá virar pó. “A estrutura está cada vez mais resiliente”, diz Carlos Gamboa, CEO da Fisher VB, desenvolvedora de soluções para fintechs, startups do setor financeiro. “Pode acontecer um grande problema? Pode. Mas é cada vez menos provável.” Quem se arriscar a investir na moeda pode virar um bilionário, como os irmãos Winklevoss, ou perder tudo. A sorte está lançada.