Uma das grandes questões do século XXI é como evoluir tecnologicamente, sem aumentar os índices de pobreza e impactar negativamente o mercado de trabalho. Como resposta aos avanços da globalização, o mundo assiste a fenômenos como a saída do Reino Unido da União Europeia, o chamado Brexit, e a proliferação de partidos nacionalistas e populistas ao redor do mundo. Em meio a esse cenário, Carl Voigt, especialista em negócios internacionais e professor do MBA da Marshall School of Business, que pertence à University of Southern California, propõe uma discussão sobre como garantir o avanço de economias regionais e, ao mesmo tempo, lidar com os reveses da globalização. Durante sua passagem pela América do Sul, onde esteve no Brasil e no Chile, Voigt visitou a redação da DINHEIRO. Em entrevista exclusiva, ele afirmou que as ondas populistas e nacionalistas estão ligadas, principalmente, às desigualdades provocadas pelo capitalismo, sobretudo no que diz respeito ao acesso de oportunidades.

DINHEIRO – O discurso de Donald Trump na ONU fez com que alguns especialistas dissessem que vivemos em uma “era da incerteza”. O sr. concorda?

CARL VOIGT – Sobre o discurso de Donald Trump, fiz algumas reflexões. O que temos visto desde que ele assumiu a presidência dos Estados Unidos é que estamos vivendo uma nova realidade. O que Trump diz é muito assustador, não apenas em termos econômicos, mas sociais. Ele não tem intenção alguma de se unir com o mundo. Ao contrário, ele quer criar barreiras. Esse sentimento populista e nacionalista traz consigo uma nova maneira de se fazer negócios. É como se houvesse um redesenho econômico, em que ele quer impor barreiras, taxas e dificultar tratados e negociações. Ele disse isso alto. O sentimento que isso causa é que as pessoas se sentam e se perguntam. O que acontecerá com a economia? Com o comércio? Com cadeia de suprimentos? Como os investimentos vão ocorrer daqui para frente? Ele está alterando as políticas e a maneira de se realizar as trocas. Isso é muito perigoso.

DINHEIRO – Assim como o discurso de Trump, existem outras evidências de que enfrentamos uma onda protecionista. Isso ficou bem claro com o Brexit, por exemplo. Como o sr. avalia esse cenário?

VOIGT – Acredito que a resposta é a nova era. A globalização é um fato e um fenômeno. Para falar sobre esse tema, você tem de avaliar o todo. É muito complexo afirmar que há a desglobalização. Você tem que avaliar os acordos comerciais, o comércio e os investimentos. A globalização envolve muitos pontos: troca de informação, pessoas e influências. Na universidade, fizemos uma pesquisa durante 15 anos que envolviam países da América, como Chile, Peru, México, EUA e Canadá. Antes das eleições dos EUA, em novembro do ano passado, haviam três pessoas para pesquisar e compreender o que está acontecendo com as trocas comerciais. Principalmente quando vimos o fenômeno do Brexit, ou o nacionalismo crescer nas Filipinas.

DINHEIRO – E ficou evidente o crescimento do protecionismo?

VOIGT – De certa forma. Quando tivemos o Brexit, paramos para analisar e percebemos que as rejeições vinham de fora. As pessoas passaram a acreditar que estavam sendo deixadas para trás, porque outras pessoas ocupariam seus lugares, tomariam seus empregos. Já nos Estados Unidos, com a eleição de Donald Trump, a questão é um pouco diferente. Embora haja a questão da classe média americana e do desemprego, não está tão claro se as pessoas votaram nas ideias do Trump, ou se não confiavam em Hillary Clinton e no legado deixado por seu ex-marido (Bill Clinton, presidente dos EUA entre 1993-2001). Então, por alguma razão houve uma rejeição a ela. Tivemos, também, as eleições na França. E o que eles fizeram no país? Os eleitores deixaram a esquerda e a direita de lado e elegeram uma figura considerada nova, um possível “outsider”. Agora teremos as eleições na Alemanha, mas os alemães são os alemães.

DINHEIRO – Quais os ensinamentos que podemos tirar desses exemplos?

VOIGT – Que devemos ficar atentos. No Reino Unido, a rejeição do modelo da União Europeia venceu. Nos Estados Unidos, vimos uma postura do presidente em querer mudar a maneira de se fazer comércio. Fala-se sobre aumentar impostos e taxas. O discurso de Trump foca isso. O que devemos levar em consideração é se isso afeta os acordos de comércio e se vamos mudar as maneiras de fazer os acordos. A tendência com o protecionismo e com um discurso mais populista-nacionalista é que o comércio e as relações passem do meio multilateral para uma negociação mais bilateral. Não podemos deixar de lado, também, uma China mais fortalecida e que faz acordos comerciais e trocas comerciais da maneira dela, que é bem diferente de outras economias. O país não está acostumado com esse jogo. O que precisamos ficar atentos é como as economias vão se desenhar para crescer de uma maneira mais igualitária e justa. Como vão se moldar a isso. Se pegarmos o Chile como exemplo, Michelle Bachelet sairá do governo com baixa popularidade. Porém, eles não culpam um povo em específico ou a abertura comercial pelos índices econômicos do país. Não é como os americanos, que culpam o México. Existem lideranças que usam as mídias sociais e escancaram um discurso populista para culpar o sistema econômico. É como se dessem um megafone para que as pessoas reclamassem muito alto de como elas vivem e agem.

Marcha contra os ataques terroristas, em Londres. Nacionalistas defendem o fechamento da fronteira e culpam a globalização (Crédito:Jay Shaw Baker )

DINHEIRO – O sr. falou sobre o descontentamento dos chilenos em relação à política econômica do país, assim como a dos americanos. Qual a diferença entre eles?

VOIGT – Inicialmente, quando os EUA se abriram há décadas, eles se beneficiaram de inúmeras maneiras. Passaram a produzir em países com baixo custo de mão de obra e a importar de países mais competitivos que eles. O retorno foi muito positivo. Porém, implicou no mercado de trabalho. A classe média da China surfou nesse meio tempo, mas a americana perdeu emprego e não conseguiu se realocar. Eles ficaram olhando como “o que restou para mim?”. Já no Chile, economicamente falando, eles reconheceram que não têm capacidade para fazer tudo sozinho. Para se suprirem economicamente, eles entenderam a necessidade da abertura econômica e o quão vantajoso isso seria. Então, se hoje eles estão insatisfeitos com os índices econômicos, a culpa não é da abertura comercial, mas da gestão.

DINHEIRO – Nesse sentido, quais os efeitos da globalização no mercado de trabalho?

VOIGT – Isso varia de acordo com o momento econômico de cada região. Quando as economias estão crescendo, os impactos são diferentes. A grande questão em si e o sofrimento trazido pela globalização é por meio das inovações. São inegáveis os ganhos que a tecnologia e as inovações trouxeram para as economias, porém, isso provoca o processo de realocação de mão de obra. Um trabalhador que antes atuava em uma fábrica fazendo uma determinada função, com os avanços tecnológicos, perde essa posição. Estamos assistindo a uma diminuição no número da atividade global de força de trabalho. Os números passaram a cair consideravelmente desde 2008 e isso continua em andamento. Isso significa que está cada vez mais difícil para as economias globais recolocarem a população que está sendo substituída pelos efeitos da globalização e pela abertura comercial. O que antes era investido em seu país, hoje pode ser comprado mais barato e com melhor qualidade em outro lugar. Além disso, há também a perda de emprego pelas novas tecnologias. O resultado é que as pessoas ficam muito tempo atrás de um novo emprego.

DINHEIRO – O sr. acredita que economias estão prontas para essa transformação?

VOIGT – A questão não é se elas estão preparadas ou não. Os países têm que reinventar suas economias. As tecnologias não vão parar de se atualizar. Temos que pensar em como vamos usar os benefícios das tecnologias. Como ajustaremos para que as pessoas parem de perder empregos? Como faremos com as que perderam o emprego? No final do dia, os líderes devem estar focados em criar oportunidades e acesso iguais para as pessoas. A mesma oportunidade e acesso para irem às melhores escolas, universidades. Assim, elas terão as mesmas oportunidades de empregos. E quando elas perderem o emprego, elas poderão falar “tenho oportunidade de me reinventar”. O acesso deve ser criado para que as pessoas consigam sair e se recolocar no mercado de trabalho. O que acontece em muitas sociedades é que elas não estão trabalhando a igualdade. O maior desafio para as economias hoje é a redistribuição, inibir o sentimento de que as pessoas estão sendo deixadas para trás e com oportunidades piores que seus vizinhos de continente, por exemplo. Essa redistribuição é o maior desafio para as economias e para os líderes.

Líderes globais na reunião do G20, em Hamburgo, na Alemanha (Crédito:Kay Nietfeld)

DINHEIRO – O que deve, então, ser feito para solucionar esse problema?

VOIGT – Precisamos criar oportunidades para que as pessoas se engajem e tenham mais acesso. O que vamos fazer: aumentar as taxas e dificultar a entrada de produtos? Não. Esse discurso é o caminho inverso. Para que haja mais negociações e mais desenvolvimento, deve-se pensar na reestruturação da sociedade, uma redistribuição de políticas melhores. Medidas essas que impulsionem oportunidades e trocas comerciais. Todas as vagas impactadas pela globalização devem ser repensadas por meio de políticas para que as pessoas se recoloquem no mercado de trabalho. A possibilidade de transitar em outras áreas e expertises. Para que as famílias não sintam os impactos da globalização. O que está acontecendo em muitas sociedades é que os líderes não conseguem analisar de maneira mais sensível os prejuízos da globalização e isso causa desigualdade.

DINHEIRO – A solução seria focar o investimento em educação?

VOIGT – O interessante é que não temos desenvolvimento sem a abertura comercial, mas essa abertura tem causado uma transformação no mercado de trabalho. Indústrias estão mudando, pessoas perdem empregos. E isso se transforma em violência e nacionalismo. É um paradoxo. O governo tem que fazer e promover pequenas políticas. Não só dar as pessoas a ilusão da perda do emprego. Deve desenvolver desde pequenas a grandes regiões. Pensar em práticas que tragam novas oportunidades de empregos. Vantagens para que fábricas e empresas se instalem no local. As sociedades precisam se renovar. E para isso, é preciso investir, sim, em educação. Em diferentes áreas de educação. O governo precisa entender que o que vai mudar e trazer mais oportunidades é isso. E não proteger o mercado, fechar a economia ou impor mais taxas, como o Brasil, a Argentina e, agora, os Estados Unidos querem fazer.

DINHEIRO – Para incentivar os negócios e trazer mais desenvolvimento é necessário que os líderes voltem a investir no modelo multilateral?

VOIGT – Em alguns níveis, sim. A ideia é a de que, de certa maneira, para que uma economia cresça, é essencial promover a tecnologia e apostar no e-commerce, por exemplo. E o e-commerce pode nascer das pequenas empresas. Para inserirmos pequenas e médias empresas nas trocas comerciais de maneira mais igualitária e justa, o modelo mais adequado é o multilateral. A abertura para o multilateralismo faz com que os pequenos negócios se envolvam na cadeia mundial, tenham as mesmas chances e consigam trabalhar nesse sentido. O avanço deve vir de todas as partes.