A cena se repete todos os anos e, por incrível que pareça, sempre chama a atenção pela simplicidade. Em meio aos imponentes carros e limusines que estacionam no Grand Palais, onde acontece a badalada semana de moda de Paris, um senhor calvo, elegantemente vestido em um terno bem cortado, desce de sua motoneta Vespa disputando os flashes com as celebridades, que desfilam do alto de seus saltos Louboutin. É ali, no Olimpo da alta costura, no ápice do mundo fashion, que a criatura não se deixa confundir pela sua cria. Eis Christian Louboutin, 54 anos, conhecido como o mago dos sapatos, autor de objetos de desejo de dez entre dez celebridades femininas ao redor do globo.

“Elegância é um jeito de ser e a forma que a pessoa se conecta com as outras”, diz Louboutin à DINHEIRO. Pois foi, assim, sem a mínima afetação, que ele fundou, a partir do zero, um império. A Christian Louboutin é uma empresa que fatura cerca de US$ 1 bilhão, vende por ano mais de 600 mil pares – que podem custar R$ 3,5 mil cada – e possui 131 lojas espalhadas por 32 países, sendo três delas no Brasil. “Com apenas 25 de existência, a Christian Louboutin conseguiu alcançar o nível similar ao de grifes que já são centenárias”, afirma Carlos Ferreirinha, dono da MCF Consultoria, especializada em luxo.

Mais do que um homem de sucesso, Louboutin é responsável pela criação de um ícone da moda e seu caso serve de lição para outras marcas. Os seus sapatos são identificados pela sola vermelha, uma marca registrada de sua grife. “Criei produtos para as mulheres se empoderarem”, diz ele. “E quando elas veem o próprio corpo num sapato Louboutin, se sentem mais poderosas.” Mas, afinal, qual é o segredo dele para calçar os pés de algumas das mulheres mais influentes do mundo como a atriz Sarah Jessica Parker, a apresentadora Oprah Winfrey, a cantora Madonna e a modelo britânica Kate Moss?

loja em brasília: uma das cidades preferidas de Louboutin, a capital federal recebeu a segunda loja da marca no Brasil em 2011. As outras duas estão localizadas em São Paulo
Loja em Brasília: uma das cidades preferidas de Louboutin, a capital federal recebeu a segunda loja da marca no Brasil em 2011. As outras duas estão localizadas em São Paulo

Em 1992, logo depois de criar um sapato, sentia que ainda faltava algo na peça. Foi nessa hora que o designer observou uma de suas assistentes fazendo as unhas. Naquele momento, sentiu um clique. Ele tomou emprestado o esmalte e pintou a sola de seu protótipo de vermelho. Louboutin percebeu ali que havia criado uma obra-prima do mundo fashion. Não demorou muito para sua criação o colocar no Panteão de grandes nomes da moda, como os italianos Giorgio Armani e Salvatore Ferragamo.

Curiosamente, o talento de um brasileiro foi a fonte de grande inspiração. O arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012) era uma referência desde a infância de Louboutin. “Enquanto meus amigos desejavam ir para o Rio de Janeiro, eu queria ir para Brasília conhecer as criações de Niemeyer”, diz o artista. Além das inspirações de Niemeyer, o Brasil é um destino frequente de Louboutin, onde continua garimpando ideias para seus traços. O estilista diz ter predileção por lugares quentes para criar coleções de verão. Logo, o País sempre está no topo da lista. Cidades como Rio de Janeiro, Brasília, Ouro Preto e Manaus ajudaram, segundo ele, a inspirá-lo em suas criações. “O Brasil tem uma forte identidade da liberdade da mulher”, diz ele. “Isso é muito simbólico e impactante.”

Segundo especialistas, ele deu vida à sola do sapato, antes uma parte totalmente ignorada. “O formato do calçado, somando-se à cor vermelha, deu um toque de fetiche ao produto”, diz Gabí Souza, diretora da Boucle Consultoria de Imagem. “A mulher que calça o sapato quer ser notada e desejada.” Então, o segredo do negócio não é apenas o design, mas a aura criada em torno da marca. A cantora Jennifer Lopez até compôs uma canção em homenagem aos sapatos. Batizada de “Louboutins”, ela traz versos que dizem “Eu estou seguindo em frente / Eu estou calçando meus Louboutins.”

Essa propaganda espontânea é, inclusive, uma das estratégias de negócios de Louboutin. Aparições não patrocinadas de suas criações no tapete vermelho do Oscar ou em eventos mundialmente televisionados o fazem abdicar de grandes investimentos em ações de marketing. Outra forma de capitalizar a imagem da marca é através de parcerias. A empresa já realizou trabalhos com companhias do porte da Disney, ao desenhar o sapato da personagem Malévola, interpretada pela atriz americana Angelina Jolie; e Louis Vuitton, quando desenvolveu bolsas com a centenária grife. Na Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro, vestiu a delegação cubana para as principais cerimônias. Estas conexões foram preponderantes para a empresa se tornar um fenômeno também nas finanças.

Domínio do tapete vermelho: Os sapatos criados por Louboutin são presença garantida nos pés das celebridades e mulheres mais influentes do mundo. Esta, aliás, é a estratégia da marca para se tornar cada vez mais desejada por seus consumidores. Nas fotos acima: Marina Ruy Barbosa, Sarah Jessica Parker, Oprah Winfrey, Jennifer Lopez, princesa Caroline de Mônaco e Madonna
Domínio do tapete vermelho: Os sapatos criados por Louboutin são presença garantida nos pés das celebridades e mulheres mais influentes do mundo. Esta, aliás, é a estratégia da marca para se tornar cada vez mais desejada por seus consumidores. Nas fotos acima: Marina Ruy Barbosa, Sarah Jessica Parker, Oprah Winfrey, Jennifer Lopez, princesa Caroline de Mônaco e Madonna

Como a companhia não divulga faturamento, o último dado financeiro divulgado foi levantado pela consultoria americana Deloitte. Segundo a consultoria, a empresa teria alcançado um faturamento de US$ 611 milhões em 2013. O mesmo documento a colocava como a sétima grife que mais crescia no mercado de luxo, a taxas de 23,8% ao ano. Indagado sobre o poder financeiro da marca, o diretor geral Alexis Mourot é lacônico. “Não divulgamos nossos resultados e o que posso dizer é que somos muito lucrativos e estamos crescendo como nunca”, diz Mourot.

Especialistas de diversos países ouvidos pela DINHEIRO afirmam que pela quantidade de sapatos vendidos, o número de lojas e o preço dos sapatos, este número está acima de US$ 1 bilhão. Atualmente, os sapatos femininos são responsáveis por 70% das vendas da grife, os masculinos respondem por 20%, os acessórios, 7%, e os 3% restantes para a linha de beleza, muito focada em batons, esmaltes e tatuagens feitas em algumas lojas da marca. A questão de diversificação sempre foi um assunto delicado para Louboutin. O início deste processo ocorreu em 2003, época em que foram lançadas as primeiras bolsas femininas.

Alvos: para Mourot, diretor geral, o objetivo é crescer em mercados como China e México
Alvos: para Mourot, diretor geral, o objetivo é crescer em mercados como China e México (Crédito:Mireya Acierto/Getty Images/AFP)

Dois anos mais tarde, também passou a se aventurar no mundo masculino e até abriu lojas totalmente direcionadas aos homens. Tudo isso, segundo o estilista, realizado com muito cuidado. Para Louboutin, não faz sentido expandir seus produtos sem que eles tenham todo o requinte necessário e, principalmente, sem que seja possível reconhecer a proposta da marca. “Se não for para refletir os desejos dos consumidores, eu não diversificaria”, diz o estilista. “Quero que as pessoas vejam e gostem dos produtos, mas também os sintam.”

Por isso, as atenções de Louboutin também estão nos produtos personalizados. Um par de sapatos customizado pode chegar a custar US$ 4 mil (cerca de R$ 12,5 mil). Uma das criações encomendadas por uma empresária do ramo da mineração foi um exemplar adornado com rubis e, claro, a cobiçada sola vermelha. Os calçados sob medida são produzidos por Louboutin em seu ateliê em Paris e podem levar até um ano para serem entregues. Já a produção em escala fica na região de Nápoles, na Itália, na fábrica que abastece os mercados em todo o planeta.

A expansão global tem se tornado uma obsessão para Louboutin. A maior oportunidade, segundo Mourot, está na Ásia – mais precisamente na China. No ano passado, a região representou apenas 20% do faturamento da grife, enquanto Américas e Europa foram responsáveis por 40% cada. A meta é que, em três anos, esse número salte para 30%. Apesar da vontade dos executivos, o cenário não está animador no país asiático. Diversos fatores vêm afetando, e muito, o mercado. Nos últimos anos, tem aumentado a prática da ação “anti-gifting”, que desestimula o recebimento de presentes luxuosos por executivos e membros do governo.

Segundo a consultoria Bain & Company, somente em 2015, principalmente por conta disso, o mercado chinês encolheu 2%, uma perda equivalente a US$ 17,2 bilhões. Outro fator que pode atrapalhar os planos de Louboutin é a chegada tardia à Ásia. Somente em 2007 foi aberta a primeira unidade, em Hong Kong. Agora, são 39 lojas espalhadas por nove países. “A queda do mercado chinês vem sendo um problema sério no mercado de luxo”, diz Craig Allen, diretor da consultoria inglesa Luxury Branding. “Mas creio que a grife tem espaço para crescer em outros mercados.”

A aposta de Louboutin é exatamente essa. De acordo com Mourot, o plano é começar uma incursão pela América Latina, iniciando por duas lojas que serão inauguradas no México até 2018. Até então, o único país da região a receber lojas da grife tinha sido o Brasil – a primeira unidade foi inaugurada em 2009, no shopping Iguatemi, em São Paulo, e em seguida vieram mais uma loja na capital paulista e outra em Brasília, em 2011. O México aparece como um alento no mercado de luxo latino, que vem sofrendo com a retração das economias de Brasil e Argentina.

Em seu ateliê, o estilista participa da criação de todos os produtos da grife, inclusive com empresas parceiras como Louis Vuitton e Disney. Na Olimpíada de 2016, ele vestiu a delegação cubana para as principais cerimônias
Em seu ateliê, o estilista participa da criação de todos os produtos da grife, inclusive com empresas parceiras como Louis Vuitton e Disney. Na Olimpíada de 2016, ele vestiu a delegação cubana para as principais cerimônias

De acordo com números da consultoria Euromonitor, o mercado de luxo mexicano movimentou US$ 3,56 bilhões no ano passado. Por aqui, esse número não passou de US$ 3,37 bilhões. A estimativa da empresa de pesquisas é que essa distância continue aumentando. Em 2021, o mercado mexicano atingirá US$ 4,7 bilhões, enquanto o brasileiro não passará de US$ 3,7 bilhões. “Possuímos um grande interesse na América do Sul, mas é uma região muito difícil de operar”, afirma Mourot. “Especialmente quando você não tem a escala de um grupo.”

Esta é a grande dúvida dos analistas de luxo: como se dará a expansão da grife Christian Louboutin. Ela é uma das poucas desse segmento que não está nas mãos de conglomerados como os gigantes LVMH, Richemont e Kering, que continuam capitalizados e de olho em novas aquisições. Nos últimos quatro anos, o LVMH, por exemplo, comprou a fabricante alemã de malas Rimowa, a grife italiana Loro Piana e tentou investidas em marcas como Hermès e Tiffany. “Indiscutivelmente, a Christian Louboutin é um ativo interessante para esses grupos e possivelmente houve conversas”, afirma Thierry Nataf, CEO da The Luxury Consulting Company e ex-executivo do LVMH.

DIN1007_louboutin7Caso não haja uma parceria ou até mesmo aquisição, especialistas enxergam a abertura de capital como outra alternativa para a empresa se capitalizar. “Em determinado momento irá precisar”, diz Ferreirinha, da MCF. “É um negócio muito oneroso para investir com capital próprio.” Sobre as possibilidades, Mourot afirma que nenhuma das duas opções, nem a venda e nem o IPO, estão sendo cogitadas no momento. “O plano é continuar agindo de forma independente”, diz ele. Enquanto planeja sua expansão, Louboutin continua atento à concorrência.

Não apenas para entender os próximos lançamentos dos competidores, mas para evitar plágio. Esta é uma das maiores preocupações do designer. Não por acaso, a empresa já entrou com vários processos na Justiça contra grandes rivais para evitar que a sola vermelha fosse copiada. O caso mais emblemático foi contra a Yves Saint Laurent, controlada pelo grupo francês Kering. Em 2012, Louboutin ganhou, em segunda instância, a disputa após a concorrente lançar produtos com as mesmas características dos criados por ele.

O resultado foi visto como um marco, que inaugurou a área de direito da moda, responsável por cuidar de marcas e patentes no setor. “Tenho uma grande admiração pelo estilista Yves Saint Laurent, mas não pela companhia”, diz Louboutin. “Eu que criei o solado vermelho e se você tira minha identidade, você tira a essência da minha grife e a minha própria.” E a história de Louboutin é, de fato, única. Nascido em Paris, no ano de 1963, ele é filho de um marceneiro e uma dona de casa franceses. Por ser mais moreno do que o resto da família, pensava ser adotado. A verdade, no entanto, é que a mãe teve um caso fora do casamento com um egípcio e Louboutin foi fruto dessa escapada – uma história que veio à tona recentemente.

Desde pequeno, passou a se interessar pelo mundo da moda, mais precisamente pelos sapatos. Em uma visita ao Museu de Arte Africana, em Paris, quando tinha 13 anos, ficou encantado por um desenho que proibia a entrada de pessoas com sapatos de salto alto no espaço. A partir daí, começou a rascunhar os seus protótipos e vendia sapatos na rua. As primeiras clientes eram as dançarinas de cabarés do Moulin Rouge, que, segundo ele, tiravam as roupas e continuavam com os seus sapatos intocados. O primeiro estilista a dar uma chance ao jovem talento foi o designer Charles Jourdan. Depois, Louboutin passou por Roger Vivier, Christian Dior, Chanel e, quem diria, a sua atual rival Yves Saint Laurent. Mas ele queria alçar voo solo. Assim nascia sua marca em 1992.

Após algum período buscando calçar os pés da elite parisiense e com o dinheiro para investimento cada vez mais minguado, uma personagem da realeza entrou em sua loja encantada pelas peças. Era a princesa Caroline de Mônaco, a sua primeira cliente célebre. A monarca foi vista por jornalistas na loja de Louboutin, que logo passou a ser cobiçado mundialmente. Hoje, ele é proprietário de um castelo do século XV na França e costuma viajar para destinos fora da rota turística tradicional, como o Uzbequistão e a Índia. Mas ainda pilota uma pequena Vespa pela capital francesa para não deixar que o criador se confunda com a imagem da cria.