A melhor imagem para explicar a situação do Banco Original hoje é uma comparação esportiva. Suponha que o velocista tricampeão olímpico Usain Bolt, que foi garoto-propaganda do banco no lançamento de sua conta-corrente digital, estivesse participando de uma corrida e visse um buraco na pista à sua frente. Sua capacidade como atleta não mudou, mas as condições pioraram. O Original não foi envolvido nas delações de Joesley Batista, CEO da holding J&F, que o controla. Mesmo assim, os problemas do grupo, decorrentes das delações, tornaram a situação do banco mais difícil.

Antes dessa crise, o Original vinha enfrentando um cenário adverso, que agora tornou-se ainda mais desafiador. Mas sem pânico. DINHEIRO conversou com cinco executivos do mercado financeiro que já analisaram a situação do Original. Eles são unânimes em dizer que o banco não corre riscos de liquidez e não é preciso sair correndo para resgatar as aplicações. Mesmo assim, a capacidade de o Original tornar rentáveis os cerca de R$ 600 milhões investidos pelo grupo J&F diminuiu. Isso aumenta as probabilidades de a J&F decidir fazer dinheiro vendendo o negócio (leia ao final da reportagem). E o maior interessado seria o Banco Santander.

Com R$ 8,2 bilhões em ativos, o Original é pequeno. Mesmo assim, possui dois trunfos. Um deles é sua presença no agronegócio, mais especificamente na pecuária de corte. O então Banco JBS nasceu em 2007 como um complemento às atividades do frigorífico. A estratégia era financiar os pecuaristas que abatiam seu gado nas instalações da JBS, que conhecia em profundidade a situação financeira de seus clientes. Isso permitia oferecer empréstimos com segurança. O agronegócio está no topo da agenda de Sérgio Rial, CEO do Santander.

Sérgio Rial, presidente do Santander: crédito rural na estratégia (Crédito:Felipe Gabriel)

O banco espanhol possui uma vantagem comparativa, os relacionamentos do velho Banespa. Comprado no ano 2000, ele só perdia para o Banco do Brasil quando o assunto eram empréstimos ao campo. Rial conta com um trunfo adicional: em 2013, quando estava na Marfrig, foi ele quem vendeu os ativos da Seara para a JBS, recentemente repassados à Minerva. O segundo trunfo foi lançado no início de 2016. Com investimentos pesados – só para contratar Bolt foram R$ 150 milhões – o banco colocou no ar uma plataforma digital que oferecia uma conta-corrente isenta de tarifas, investimentos e cartões de crédito de primeira linha sem exigir contrapartidas de renda.

A estratégia era similar à de outros bancos de varejo e à de algumas fintechs e, na avaliação de um executivo bastante familiarizado com o processo, até agora não trouxe grandes lucros ao banco. “Eles fizeram tudo certo, mas gastaram demais no lançamento”, diz o executivo. Atualmente, o Original tem 230 mil clientes ativos. Essa plataforma poderia ser um bom acréscimo às iniciativas digitais do Santander. Na ponta do lápis, o Original ainda não dá dinheiro. Segundo dados do Banco Central (BC), no primeiro trimestre, antes portanto da delação dos Batista, ele amargou um prejuízo líquido de R$ 144 milhões.

Em 2016, o lucro foi de R$ 43 milhões, mas boa parte desse resultado veio de um evento não-recorrente, a marota venda da marca Original para a J&F, por R$ 422 milhões. Considerando o resultado operacional, as perdas foram de R$ 278 milhões no ano passado. Há outro problema. Em 2011, o JBS adquiriu o combalido banco gaúcho Matone, mudando seu nome para Original. Para isso, o banco contraiu um empréstimo de R$ 1,85 bilhão do Fundo Garantidor de Crédito, concedido em condições muito especiais. Os juros são de 100% do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI), o prazo é de 15 anos e, até o vencimento, o devedor tem de pagar apenas os juros.

O principal, só em 2026. Esse é um dos maiores entraves à venda. A dívida, hoje estimada em R$ 3,5 bilhões, está garantida por ações da JBS, cujo comportamento futuro é imprevisível. “O empréstimo representa um risco para o FGC, que veria com bons olhos se um banco mais sólido comprasse o Original”, diz um executivo que conhece os meandros da questão. Agora, é esperar que os banqueiros façam suas contas. Procurados, o Santander informou que não comenta rumores de mercado, o FGC não concedeu entrevista e o Original não respondeu às questões da DINHEIRO.


Joesley vende tudo?

Ao longo dos anos em que construíam seu império, os irmãos Joesley e Wesley Batista amealharam alguns dos nomes mais conhecidos do cenário corporativo brasileiro, como Alpargatas, Vigor Alimentos e Seara. A turbulência provocada pelas delações premiadas de Joesley deu início ao desmonte dessa estrutura. No começo de junho, a Minerva Foods adquiriu unidades da JBS no Paraguai, Uruguai e Argentina por R$ 975 milhões. Agora, a holding J&F, que concentra as atividades do grupo, deve começar a fase de vendas.

O principal dilema é fazer caixa – muito caixa – para quitar dívidas de curto prazo que, apenas na JBS, somam R$ 17,9 bilhões. Esse dinheiro deve, agora, ficar mais escasso e caro. Na quarta-feira 14, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) rebaixou as notas da JBS e da JBA USA de BB para B+ por conta de “governança mais fraca e menor flexibilidade financeira”. A S&P, citando declarações dos administradores da empresa, informou que a holding tem como meta desinvestir R$ 8 bilhões no curto prazo e já colocou à venda partes do seu portfólio, estimado em R$ 18 bilhões.

Alguns nomes já são públicos, como a Vigor e os investimentos no setor elétrico, ainda em construção: linhas de transmissão de eletricidade e parques eólicos no Ceará e no Rio Grande do Norte. Outros são dados como certos. A Eldorado Celulose, avaliada em até R$ 4 bilhões, pode interessar a concorrentes como a chilena Arauco, Suzano e Fibria. Alpargatas, a companhia de higiene e limpeza Flora e o Banco Original são outros itens da lista de vendas. No entanto, a S&P avalia que esse movimento ainda é incerto em termos de prazo e montante. Mesmo assim, seria uma saída para Joesley. Não apenas de sua complicada situação legal, mas também do País. Com dívidas pagas, Joesley poderia “picar a mula” para os Estados Unidos.