Realizado anualmente, o Congresso e Exposição de Tecnologia da Informação das Instituições Financeiras (Ciab) reúne os maiores vendedores de tecnologia – computadores, sistemas e equipamentos diversos – e seus principais clientes, os bancos. Todos os anos, a conta de investimentos do sistema financeiro com tecnologia chega aos onze dígitos. Esta edição não foi exceção. Tradicionalmente anunciada no Ciab, a cifra referente a 2016 foi de R$ 18,6 bilhões, leve queda antes os R$ 19 bilhões de 2015.

A retração, de 2,1%, foi menos severa que o encolhimento de 3,8% no Produto Interno Bruto. No entanto, mesmo em queda, os bancos são, isoladamente, responsáveis por 14% dos gastos com tecnologia no Brasil, todos os anos. Na próxima edição, em 2018, porém, haverá uma nova variável nesta equação. Os executivos não revelam números específicos, mas uma parcela crescente desse dispêndio dos bancos vai se destinar a uma tarefa insólita: destruir o próprio negócio.

Quem melhor resume a mudança na estratégia é Maurício Machado de Minas, vice-presidente do Bradesco responsável pela área de tecnologia. Machado aproveitou o Ciab para anunciar o lançamento do Bradesco Next. Simplificando muito, é um aplicativo. Porém, o executivo é o primeiro a chamar a atenção para a guinada na estratégia. Para explicar, ele compara a prestação de serviços bancários com táxis. “Até agora”, diz ele, “nós vínhamos produzindo algo como o 99Taxis, um aplicativo para tornar o que já existe mais eficiente.

Jamie Dimon, do JP Morgan Chase: meta é ser tão disruptivo como o Google, antes que alguma fintech o faça
Jamie Dimon, do JP Morgan Chase: meta é ser tão disruptivo como o Google, antes que alguma fintech o faça (Crédito:Mario Tama/Getty Images/AFP)

Agora, estamos lançando um Uber, algo que será disruptivo para nosso modelo de negócios.” Isso decorre da mudança na clientela. Grandes bancos, como Bradesco, Banco do Brasil e Itaú, já contabilizam há tempos mais de 70% de suas transações por meio de computadores e celulares. No entanto, nos últimos cinco anos, o uso por meio do celular cresceu exponencialmente. Dos 10% a 20% em 2012, as transações móveis já se aproximam dos 50%. E Machado de Minas não se acanha em considerar essa mudança um risco.

“A geração mais jovem é hiperconectada, e já resolve boa parte de sua vida pelo celular”, diz. “Esse cliente já se alimenta usando um aplicativo de comida, se desloca usando um Uber, e tem baixíssima lealdade às marcas.” Ou seja, não é preciso muito para que esse jovem, estudante ou no início de sua vida profissional, troque o aplicativo sério do Bradesco – ou de qualquer outro banco – pelo serviço mais ágil, barato e descolado de uma fintech. Para combater essa ameaça, os bancos estão pensando e agindo como fintechs.

O caso do Bradesco Next é emblemático. Com um investimento não revelado, e após dois anos de preparação, ao ser lançado, o sistema já vem com plataformas digitais que não têm nada a ver com bancos: livrarias e aplicativos de transporte. A partir da venda de uma experiência para o usuário – comer, comprar um livro, reservar uma viagem – o banco vai oferecer um produto para a realização de desejos. Um crédito, um investimento, ou um pagamento. “Eventualmente, esse serviço vai canibalizar algo do sistema anterior”, diz Machado de Minas. “Mas permite que a população hiperconectada, um em cada três usuários, que usa o banco aquém do que poderia, interaja mais conosco.”

Essa nova maneira de trabalhar ocorre em várias frentes. No caso do Banco do Brasil, a destruição criadora é menos visível para os clientes. “Estamos mudando a maneira de fazer as coisas”, diz Marco Mastroeni, Diretor de Negócios Digitais do BB. Um bom exemplo foi um aplicativo de gestão de despesas e receitas para pessoas físicas, chamado Minhas Finanças. Lançado experimentalmente em abril do ano passado, o novo sistema foi testado por 50 clientes. “A reação foi unânime, todos detestaram e jogaram fora”, diz Mastroeni.

Marco Mastroeni, do BB: reduzindo o tempo de lançamento de produtos de três meses para 47 horas
Marco Mastroeni, do BB: reduzindo o tempo de lançamento de produtos de três meses para 47 horas (Crédito:Divulgação)

Três meses depois, uma nova versão foi lançada. Mais três meses, e ela foi testada pelos 100 mil funcionários do banco. Hoje, atende 2,2 milhões de clientes, e o número só cresce. “O desenvolvimento desse produto ocorreu como se houvesse sido feito por uma fintech, só que operando dentro do banco, em um ambiente seguro e controlado”, diz ele. É possível explicar essa evolução com um exemplo. Os empréstimos pagam impostos – são sujeitos ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

Pelo sistema antigo, uma mudança na alíquota obrigaria os programadores a reescrever a mesma linha de programação 38 vezes, uma para cada um dos empréstimos existentes. Pela nova maneira de trabalhar, essa alteração só ocorre uma vez, e os 38 sistemas consultam a versão alterada. Algo típico de fintechs, que precisam otimizar o tempo dos programadores. Pode parecer etéreo demais, mas Mastroeni explica o impacto com dois números. “Desenvolvemos um produto para capital de giro de pequenas empresas”, diz ele. “Na maneira tradicional, seriam precisos três meses para lançar, mas reduzimos o prazo para 47 horas.”

Agora, os bancos se inspiram em nomes como NuBank, Viva Real ou Guia Bolso, algumas das fintechs mais bem-sucedidas do Brasil, segundo um estudo da consultoria KPMG, ou as americanas Sofi, de crédito, e Kensho, que antecipa movimentos de mercado, para atualizar sua forma de trabalhar. Os bancos brasileiros não estão isolados nesse movimento. Investimento em tecnologias disruptivas para o próprio negócio é algo que vem sendo testado há quase uma década no gigante americano JP Morgan Chase. O banco não apenas sobreviveu à crise imobiliária americana de 2008, como vem exibindo retornos patrimoniais ao redor de 15% ao ano.

No início de 2017, Jamie Dimon, CEO do banco, autorizou um investimento de US$ 50 milhões em tecnologias que substituiriam uma das maiores forças do banco, suas mesas de operadores de câmbio e derivativos, consideradas as melhores do mercado americano. Dimon não tem desapreço por seus funcionários. No entanto, há dez anos, uma fintech americana precisaria, em média, de US$ 50 milhões para colocar um produto em pé. Agora, as novas técnicas baixaram esse custo para US$ 3 milhões. Ou seja, com pouco dinheiro, uma empresa pode roubar uma fatia do mercado do JP Morgan Chase. O que o banco está fazendo é destruir o sistema velho antes que um concorrente mais novo o faça. Lição que os bancos brasileiros não demoraram para aprender.

DIN1022-bancosdigitais4