Aos 77 anos, o economista Affonso Celso Pastore não abre mão de uma rotina agitada de trabalho, que mescla viagens nacionais e internacionais com reuniões no escritório de sua consultoria, em São Paulo. A agenda atribulada faz com que ele otimize seu tempo. Após uma entrevista de uma hora à DINHEIRO, na quarta-feira 1º, Pastore aproveitou a sessão de fotos para perguntar à sua equipe sobre o resultado da produção industrial que havia sido divulgado naquela manhã.

Essa disposição juvenil para trabalhar ajuda a explicar por que ele considera fundamental aumentar a idade mínima para aposentadoria. “Hoje, aos 65 anos, o indivíduo tem saúde e energia muito maiores do que as pessoas dessa idade há 40 anos”, afirma o economista, que foi presidente do Banco Central entre 1983 e 1985, no governo de João Figueiredo.

Naquele período, ele sentiu a reação feroz dos gaúchos a uma de suas decisões. “Eu promovi uma intervenção no Banrisul e me lembro da pressão que veio de lá”, afirma Pastore, ao enfatizar que os Estados quebrados precisam vender ativos.

DINHEIRO – Qual será o impacto do governo Donald Trump no Brasil?

AFFONSO CELSO PASTORE – O mercado financeiro espera de Trump um processo de desregulação da economia, redução de impostos, aumento dos gastos públicos em infraestrutura e um maior protecionismo comercial. Se executado, esse programa gera inflação, o que obriga o Fed (Banco Central dos EUA) a ter um ciclo mais longo de alta de juros, atraindo capital e valorizando o dólar no mundo.

DINHEIRO – Mas no caso do real, após uma desvalorização inicial, aos poucos a moeda vem ganhando força…

PASTORE– Exatamente. Esse movimento decorre de uma percepção de queda de risco do Brasil. Esse movimento interno (valorização cambial) tem sido mais forte do que o externo (desvalorização cambial), o que resultou num patamar de dólar se aproximando dos R$ 3,10. Portanto, a arrumação interna, que gera apreciação do câmbio, tende a ser preponderante, ajudando a derrubar a inflação e a taxa de juros.

DINHEIRO – A arrumação doméstica passa necessariamente pela aprovação da reforma da Previdência Social?

PASTORE – Como não há espaço para aumento de carga tributária, o que reduziria a eficiência da economia, a reforma da Previdência é fundamental nesta tarefa fiscal. Mas o argumento para mexer na previdência não é apenas fiscal. Não é justo para a sociedade que um indivíduo se aposente no auge da sua vida produtiva. Hoje, aos 65 anos, o indivíduo tem saúde e energia muito maiores do que as pessoas dessa idade há 40 anos. A sociedade precisa da contribuição desse indivíduo para aumentar a produtividade e fazer o País crescer.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (à esq.), se encontra com o presidente Michel Temer, em Brasília
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (à esq.), se encontra com o presidente Michel Temer, em Brasília (Crédito:Andressa Anholete / AFP)

DINHEIRO – Em quais outros itens o governo precisa avançar?

PASTORE– Precisamos de reforma trabalhista, mudar o ICMS, resolver o problema dos Estados, dentre várias medidas. E tem de eliminar as desonerações tributárias concedidas. No começo dos anos 2000, o Brasil deixava de arrecadar 1,5% do PIB em desonerações. Em 2006, esse percentual dobrou. Em 2015, subiu para 4,8% do PIB. Essas desonerações só favorecem os grupos de pressão que vão a Brasília pedir ajuda.

DINHEIRO – Foi um lobby equivocado?

PASTORE – Os empresários foram a Brasília e convenceram a presidente Dilma de que as renúncias fiscais aumentariam o caixa das empresas, permitindo um maior investimento. O resultado foi a queda de receita e, nem assim, o investimento cresceu. São os mesmos empresários que pediam um BNDES maior. O BNDES aumentou os financiamentos e os investimentos caíram. A política econômica não pode ser feita ao sabor dos interesses dos grupos.

DINHEIRO – O protagonismo do BNDES nas concessões de infraestrutura foi exagerado?

PASTORE– O problema é que a presidente Dilma interveio em diversas regras, piorou o risco regulatório do País e colocou o BNDES para emprestar a taxas subsidiadas para compensar esses riscos. Ao oferecer taxas subsidiadas, o BNDES inibiu o mercado de capitais de longo prazo, as chamadas debêntures de infraestrutura. Portanto, a hiperatividade do BNDES nos subsídios produziu a morte do mercado de capitais. Agora, o BNDES está puxando a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) e tem o alvo de chegar ao patamar da NTN-B (título público que paga IPCA mais juros prefixados).

DINHEIRO – A maior participação dos bancos públicos no crédito é preocupante?

PASTORE – Após a crise de 2009, a participação dos bancos públicos cresceu muito e ultrapassou a dos bancos privados. No começo era reação contracíclica, mas depois houve exagero, principalmente da Caixa e do Banco do Brasil. A Caixa cresceu em financiamento imobiliário? Não. Ela cresceu em empréstimos pessoais, ou seja, crédito para estimular o consumo. Com as famílias endividadas, a inadimplência cresceu. Essa tentativa de estatização do crédito atrapalhou a agenda do Banco Central, que era de redução do spread bancário. Agora essa agenda está voltando.

DINHEIRO – Por que os spreads são elevados?

PASTORE – Não tenho uma resposta plena. Um pedaço é o risco jurídico. É a execução de garantias. Mas há ações que o Banco Central pode tomar para ajudar. Uma delas já foi anunciada e envolve o limite de 30 dias para o crédito rotativo dos cartões de crédito. É uma medida correta que reduz o spread. A simplificação dos depósitos compulsórios é outra medida.

DINHEIRO – O cenário econômico é promissor?

PASTORE– Olhe o Brasil há um ano e olhe agora. Houve muitos avanços. O prêmio de risco está muito mais baixo, o câmbio valorizou, a taxa de juros começou a cair e tem uma perspectiva de queda grande. Há um ano a previsão era de retração de 3,5% do PIB. Agora, estamos pensando em um pequeno crescimento, que depois se acelera. Isso é apenas o começo. Havia um trem atolado no pântano, por erro de política econômica crasso, que foi a nova matriz econômica. Esse trem econômico já voltou aos trilhos. Falta consertar a máquina para colocá-lo em movimento. Cada roda do trem que se ajusta é uma reforma microeconômica.

DINHEIRO – Quais fatores propiciaram o retorno deste trem aos trilhos?

PASTORE – Dois fatores. O diagnóstico correto feito por um time econômico competente, e um presidente com baixa popularidade, mas com interlocução e apoio no Congresso. O governo conseguiu, por exemplo, mudar a lei do petróleo, aliviando a Petrobras. Aprovou o teto fiscal. Tem grande chance de aprovar a reforma da Previdência. Isso transforma o País. O governo juntou competência econômica com competência política para formular e aprovar as reformas. O único problema é que o crescimento econômico não é imediato. O desemprego ainda vai piorar antes de melhorar. Estamos cruzando a linha do zero para voltar ao positivo.

DINHEIRO – Existe algum coelho na cartola para acelerar o PIB no curto prazo?

PASTORE – Depende da medida. Se há um grupo de famílias num bolso de pobreza, endividadas, que pode sacar o FGTS para sobreviver, tome essa medida. Agora, não pode pegar o BNDES e emprestar para todo mundo. Isso é outra história.

Eike Batista (à esq.) e o ex-governador do RJ Sérgio Cabral, presos por suspeitas de corrupção investigadas pela Lava Jato
Eike Batista (à esq.) e o ex-governador do RJ Sérgio Cabral, presos por suspeitas de corrupção investigadas pela Lava Jato (Crédito:Fabio Lima)

DINHEIRO – As empresas endividadas clamam por um socorro do governo nos moldes do Refis. É uma medida correta ou o Refis acaba premiando os maus pagadores?

PASTORE – Na medida em que se faz um Refis, o sujeito está esperando o segundo Refis. E ele tem poder político de pressionar. Dessa vez, o governo foi mais seletivo (no dia 5 de janeiro, uma Medida Provisória criou o Programa de Regularização Tributária, sem abatimento de juros e multa). A equipe econômica sabe que o Refis tem o efeito de beneficiar os maus pagadores.

DINHEIRO – Mas o Refis não tem o mérito de resgatar empresas que estão fora do jogo?

PASTORE – Não precisa desse grau de artificialismo. As empresas começam a ter alívio com queda do custo de capital (juros menores). Na hora em que se vislumbra a retomada do PIB, as empresas aumentam o investimento, aumentam o estoque de insumos e os bancos observam um risco menor para emprestar. O Refis é um tipo de concessão que, no fundo, prejudica a arrecadação de impostos adiante.

DINHEIRO – O socorro da União aos Estados é fundamental?

PASTORE – Cada Estado é um caso. Eu fiquei louco da vida ao saber que o governo de Minas Gerais concedeu aumento de salário para os servidores, em janeiro. Tem de consertar os Estados que têm folhas de pagamentos insustentáveis, inclusive com inativos. Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul têm de dar garantias e privatizar os ativos. O Rio de Janeiro tem a Cedae. O Rio Grande do Sul vai ter de pegar o Banrisul. Não sei qual será a reação dos gaúchos ao perder a joia da Coroa. Quando eu estava no Banco Central, eu promovi uma intervenção no Banrisul e me lembro da pressão que veio de lá. Esses governadores terão de seguir o exemplo do Espírito Santo. Cortar gastos, encolher a folha, reduzir a jornada de trabalho, aumentar a contribuição da Previdência e vender ativos. A forma correta é a União impor as contrapartidas. O Ministério da Fazenda tem de ter a mesma postura rigorosa do Fundo Monetário Internacional. Cada Estado que criou o problema terá de pagar o seu custo político.

DINHEIRO – Em entrevista à DINHEIRO, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, defendeu a independência formal do BC. O sr. apoia?

PASTORE – Eu estou com ele. Sem dúvida, a independência do Banco Central reduz imediatamente o risco Brasil.

DINHEIRO – Na mesma entrevista, o presidente Ilan mencionou a busca por uma meta de inflação menor nos próximos anos. Algo em torno de 3% é o caminho natural?

PASTORE – O Brasil vai ter de ajustar a sua meta de inflação no devido tempo para uma média dos emergentes disciplinados. Isso, com certeza, é menos do que 4,5%. A questão é: quando fazer isso? Pode ser que uma meta menor em 2019 faça sentido.

DINHEIRO – O volume de reservas internacionais em US$ 370 bilhões é excessivo? Vale a pena sustentar esse custo? E a ideia de usar uma parte em infraestrutura?

PASTORE – Usar reservas para investir em infraestrutura é uma bobagem do tamanho do mundo. Seria o equivalente a emitir moeda. No dia em que o nível de reservas for reduzido, o caminho é recomprar a dívida pública. Quanto ao tamanho ideal da reserva, é difícil calcular. É claro que quanto maior for a reserva, maior será o custo. Superamos a crise de 2008 com US$ 200 bilhões em reservas. O nível ótimo de reserva é um assunto controverso, mas é cedo para mexer nisso.

DINHEIRO – Nas suas previsões, qual é o risco de a Operação Lava Jato inviabilizar o
governo Temer e, por tabela, abortar a retomada do PIB?

PASTORE – A minha posição sobre o que está sendo feito na Lava Jato é altamente favorável. Eu tenho coceira com corrupção. Olha o que aconteceu com o Rio de Janeiro e a Petrobras, para citar apenas dois exemplos. Eles pegaram os empresários e acho que vão pegar os políticos. O presidente Temer tem adotado a postura de tirar os ministros que são pegos. Isso é positivo. Quem for pego, tem de sair. Ninguém é insubstituível. O risco é de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassar a chapa Dilma-Temer, o que geraria uma eleição indireta. No meu cenário, essa hipótese é remota. Na minha distribuição de probabilidades, esse cenário não está na curva dos 95% mais prováveis. É um risco pequeno.

DINHEIRO – E o risco de a eleição de 2018 resultar em um presidente que não concorde com o atual rumo econômico? Pode surgir um Trump?

PASTORE – O Trump é um populista que representa os excluídos da globalização. Os excluídos também podem eleger um populista aqui no Brasil. Imagino que uma economia em crescimento reduzirá um apelo populista. O risco existe, mas é pequeno.

DINHEIRO – E a esquerda? Lula estará no jogo?

PASTORE – Se o Lula entrar no jogo, todo o estrago que ele fez irá aparecer no debate eleitoral. O Lula não está na minha conta.