De 2013 a janeiro de 2017, Sir Ivan Rogers foi o representante permanente do Reino Unido na União Europeia. Ele não se surpreendeu com a chocante decisão do Reino Unido de sair da União Europeia, movimento apelidado de Brexit. “Foi um longo processo.” Ele falou à DINHEIRO em seis de julho, em Madri, no XVI Encontro Santander América Latina.

Outros estados-membros da União Europeia seguirão o Reino Unido?
Acho que não. O Reino Unido sempre teve uma concepção diferente dos demais estados sobre sua participação na União Europeia. Só nós tínhamos uma opção de saída da união monetária. Não aderimos a diversos instrumentos jurídicos e regulações. Somos uma ilha e temos uma concepção diferente sobre como lidar com fronteiras. Temos necessidades diferentes. Aderimos à União Europeia, principalmente, por questões econômicas e de mercado.

Não há outros membros descontentes que podem pular fora?
É muito mais difícil para os pequenos estados pularem fora. O Reino Unido é a quinta maior economia do mundo, é grande e suficientemente corajoso para sair. Se isso é sábio ou não, é outra questão. Vamos sobreviver e definir nossos rumos. Isso é muito mais difícil para a Suécia, a Dinamarca, para outros eurocéticos.

Como o Brexit impactou a União Europeia, na prática?
Meu instinto diz que o choque do Brexit e o choque da ascensão de Donald Trump nos Estados Unidos aumentaram a união, a solidez e a solidariedade entre os outros 27 estados-membros. Num futuro visível, seremos os únicos a sair.

O que garante que o Reino Unido não irá se tornar protecionista?
Existe uma poderosa e orgulhosa tradição em favor do livre comércio no Reino Unido. Isso atravessa a linha que separa os apoiadores e os opositores do Brexit. Os dois lados têm ideias diferentes sobre livre comércio e como promovê-lo melhor, mas há, em todo o espectro político britânico, uma união muito grande sobre o nosso desejo de permanecermos liberais, abertos ao livre comércio e a favor da competição. O Reino Unido não se tornará protecionista.

Não há risco de isolamento?
É muito importante entender que os defensores do Brexit não querem se fechar numa ilha e mandar todo mundo embora. Eles têm uma visão muito diferente do que significa livre comércio, é uma visão diferente do que enxergam na União Europeia. Eles acreditam que seremos uma força global ainda maior no comércio mundial após a saída. Claro que todos os que querem permanecer no bloco comum discordam profundamente disso, acham que daremos um passo atrás se deixarmos o mercado comum e a união aduaneira. Mas as motivações originais que levaram ao Brexit não são protecionistas.

São motivações mais políticas, talvez mais ideológicas?
Sim.

O senhor vê algum resultado positivo para aos britânicos após o Brexit?
O tema que sempre me preocupou quando estava no cargo e me preocupa agora é a transição, a complexidade da transição. São as enormes dificuldades de retirar-se de algo que penetrou cada área da vida econômica e social do país. Não será um processo fácil. Quando um país se candidata a entrar na União Europeia, passa por um processo de adesão que leva muitos e muitos anos. Agora é um processo inverso, em que precisamos desatar nós e aparar arestas.

Como terminará esse divórcio?
Ao final do processo, o Reino Unido irá se dar bem, irá seguir seu próprio caminho, descobrir novos rumos. A economia sempre se adapta bem mais do que dizem os políticos. A saída do mercado comum irá, sem dúvida, reformatar a economia, terá impacto em vários setores. Muitos vão sofrer e outros irão crescer. O problema não é o longo prazo, é o curto e o médio prazo.

E o sistema financeiro? Haverá um impacto grande no fluxo de capitais?
Há impactos, mas eles dependem de onde e como você faz negócios, onde é a sede da sua empresa. Há questões muito complexas para resolvermos, que envolvem passaportes e regulações. Defendo um período de transição para dar tempo para o setor privado e as instituições se estabilizarem e olharem para onde irão, e se prepararem para isso. Mais tempo iria minimizar o impacto desse processo na população. Se fizer rápido demais, de maneira desordenada, há o risco de as instituições sofrerem muito com o processo de ajuste. Dar mais prazo ajudaria bancos, empresas de seguros e gestores de ativos a fazerem as preparações necessárias para encarar o novo regime.

A City of London terá sua importância reduzida enquanto centro financeiro?
A City of London é uma complexa, enorme e extraordinária aglomeração de negócios. Alguns deles passarão incólumes, outros serão claramente afetados, como bancos e gestoras de ativos. Mesmo nesses casos, o grosso dos negócios está fora da União Europeia. A questão para eles é como ficará a regulação nos outros estados-membros, se serão obrigados a tomar outro rumo. Não se pode generalizar as consequências.