Sexta-feira, 24 de fevereiro. Dia de sol e calor no Rio de Janeiro. Cidade lotada. Os primeiros blocos de Carnaval tomam conta das ruas e os Carnavalescos se apressam para finalizar os últimos detalhes das escolas de samba que desfilariam no domingo. Nesse cenário bem carioca, um folião tardio, mas muito animado, se prepara para apreciar os desfiles na Marquês de Sapucaí. “Adoro o Carnaval”, diz Mark Mobius, presidente executivo do Grupo de Mercados Emergentes da gestora de recursos americana Franklin Templeton. Mobius considera a folia uma excelente demonstração do potencial do Brasil e dos brasileiros.

“Uma das coisas que me impressiona no Carnaval no Rio é a maneira como o povo consegue fazer um show tão grande de maneira organizada”, diz ele. A animação de Mobius, que supervisiona a gestão de uma fortuna estimada em R$ 100 bilhões em países em desenvolvimento, da China ao Brasil, não se limita DIN1008-mobius2à maior festa popular tupiniquim. O veterano gestor de 80 anos, na Franklin Templeton desde 1987 e referência global em investimentos em mercados emergentes, está convencido de que agora é a hora certa de investir no País. De novo.

Como sempre faz há quase uma década, Mobius vem ao Brasil em fevereiro. Além de cair no samba – comportadamente, é claro –, ele aproveita para sentir o pulso da economia, passar em revista as tropas da filial brasileira e encontrar-se com quem interessa. Logo ao chegar, no dia 17 de fevereiro, esteve reunido com o presidente Michel Temer em Brasília, onde o primeiro escalão do governo apresentou a ele as novas propostas para atrair investimentos na infraestrutura. Mobius gostou do que viu. “Se os projetos forem bem encaminhados, não haverá falta de dinheiro”, diz ele.

Pode parecer apenas uma frase protocolar de um gestor de recursos que não quer melindrar seus anfitriões. No entanto, suas palavras têm um peso enorme. Mobius influencia investidores no mundo todo. Tem um nome equivalente ao de Warren Buffett quando se fala em ações, ou George Soros, para fundos de hedge. Ou mesmo Mohamed El-Erian, gestor de recursos da americana Pimco, que ganhou bilhões com a dívida externa brasileira em 2002. Na Franklin Templeton, ele nunca deixou de apostar no Brasil.

A empresa não divulga informações específicas de cada país. Porém, segundo documentos apresentados à Securities and Exchange Commission (SEC), o órgão regulador do mercado de capitais americano, em setembro de 2016 a companhia possuía US$ 733 bilhões em ativos sob administração. Desse total, US$ 32,1 bilhões, cerca de R$ 100 bilhões, estavam destinados a mercados emergentes. Dividem-se entre US$ 17,5 milhões para a renda fixa e US$ 14,6 bilhões para ações. Esses recursos estão espalhados por cerca de 70 países, sem considerar Japão e Europa.

Sem medo da Lava Jato: para Mobius, boa parte dos efeitos da operação lava jato sobre o mercado já foram superados. segundo ele, as investigações fizeram com que as empresas avançassem muito rapidamente na melhora de sua governança corporativa
Sem medo da Lava Jato: para Mobius, boa parte dos efeitos da operação Lava Jato sobre o mercado já foram superados. Segundo ele, as investigações fizeram com que as empresas avançassem muito rapidamente na melhora de sua governança corporativa (Crédito:Marcelo D. Sants/Framephoto)

“Quando comecei na Templeton, em 1987, investíamos US$ 100 milhões em apenas seis países, e isso mostra como o mercado se diversificou ao longo desse período”, diz ele. Mobius estima a fatia investida no Brasil em US$ 1,2 bilhão. Ao longo das últimas décadas, ele enviou alguns bilhões de dólares para cá, e retirou outros tantos para realizar lucros. Nas carteiras de Mobius, hoje não faltam papéis de companhias como Itaú Unibanco, Itaúsa, Bradesco, BM&FBovespa e Lojas Americanas.

Nos 40 primeiros pregões de 2017, o fluxo de capital estrangeiro na bolsa brasileira foi de R$ 152,1 bilhões. Nesse período, o Ibovespa acumula alta de 11,27%, sendo 3,08% em fevereiro. Mobius, um investidor fundamentalista e de longo prazo, foi um dos motores dessa movimentação. O compromisso de Mobius com o Brasil vem desde 1990, quando comprou as primeiras ações da holding estatal Telebrás, que seria privatizada em 1998. Naquela época, ele se espantava com as condições precárias em que a economia brasileira funcionava.

DIN1008-mobius5Em seus livros, descreveu como tinha de sair dos hotéis em que estava hospedado e trocar dinheiro com doleiros nas ruas para poder pagar as contas, visto que o País não permitia que os comerciantes aceitassem cartões de crédito internacionais. A economia era fechada, os riscos eram altos, e os lucros também. “Em quatro anos, nosso investimento em Telebrás nos proporcionou um lucro de cerca de 60.” Mobius diz que seus fundos elevaram a participação em empresas brasileiras em cerca de 20% desde novembro passado, mas não divulga os próximos passos.

No entanto, sua avaliação para a economia está bastante mais otimista que a média. Para este ano, ele aposta em um crescimento de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Já para 2018, acha possível um crescimento de “mais que o dobro” dos 2,3% previstos pela média dos analistas de mercado. Como chegar a um avanço de 5%? “É uma estimativa um pouco maluca, mas não podemos nos esquecer que a base de comparação será muito baixa”, diz ele. Nos últimos tempos, Mobius tem mudado sua estratégia por aqui. Sua avaliação do encontro com Temer foi muito positiva.

Segundo ele, a adoção de medidas simples nas concessões de infraestrutura deve aumentar muito o rol dos interessados. Dentre elas, ele cita a ampliação do prazo de análise das propostas para 100 dias, em vez dos 30 habituais, e a publicação de todos os documentos na internet, traduzidos para o inglês. “Não há escassez de dinheiro para investir por aqui”, diz. Mobius considera a infraestrutura um negócio interessante, ainda mais agora com as melhorias na governança corporativa das empresas brasileiras decorrentes da Operação Lava Jato. “O efeito da Lava Jato está praticamente superado”, diz ele.

Os meandros de empresas como a Construtora Odebrecht não o assustam. O executivo é pragmático. “Em todo mundo, construção é um negócio sujo”, diz ele. Para Mobius, a Odebrecht é uma empresa com enorme capacidade técnica, que foi prejudicada pela falta de governança. “Ela realizou obras dificílimas na América Latina e na África, sabe operar em países emergentes e tem muita capacidade”, diz. E vai além: “Se a Odebrecht lançar ações na Bolsa, certamente irei avaliar a compra”. Relativamente baixo para os padrões americanos, o elegante Joseph Bernard Mark Mobius frequentemente dispensa a gravata, mas não abre mão dos paletós estilosos, quase sempre brancos ou de cor clara.

Ponte da Odebrecht na capital do Panamá para Mobius, apesar dos problemas com a Lava Jato, a companhia possui uma enorme capacidade técnica
Ponte da Odebrecht na capital do Panamá. Para Mobius, apesar dos problemas com a Lava Jato, a companhia possui uma enorme capacidade técnica (Crédito:Sergi Reboredo)

Nascido em 1936, filho de pai alemão e mãe porto-riquenha, ele é formado em comunicações e possui um PhD em Economia pelo Massachusetts Institute of Technology. A formação em comunicações faz com que ele seja muito menos avesso à mídia que a maioria de seus pares. Usuário freqüente do Twitter, blogueiro dedicado e entrevistado compulsivo, Mobius chegou a ter sua carreira registrada em uma história em quadrinhos em 2007. Não por acaso.

Antes de juntar-se à Templeton, aos 49 anos, ele trabalhou em diversas instituições financeiras, quase sempre na Ásia, e fundou uma empresa de consultoria em marketing que promovia, entre outros, o licenciamento de produtos ligados à personagem de quadrinhos Snoopy, do cartunista americano Charles Schulz. Sua base são os escritórios da Templeton em Cingapura, mas passa mais de 200 dias por ano voando, quase sempre em aviões de carreira. Se você quiser ver Mobius contrariado, inclua a palavra “aposentadoria” em alguma pergunta. “Não me aposento nem tiro férias porque eu não trabalho, só faço o que gosto”, diz ele.

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As estratégias de investimento de Mark Mobius

Especialista em mercados emergentes e com mais de quatro décadas de experiência na administração de recursos, Mark Mobius é um gestor avesso a grandes tacadas. Uma análise da carteira do Templeton Latin American Fund mostra bem isso. O fundo tinha um patrimônio de US$ 1,14 bilhão no fim de 2016. Desse total, quase metade correspondia a ações brasileiras.

As preferidas de Mobius são do setor bancário. As maiores participações, com quase US$ 90 milhões cada uma, são Itaú Unibanco PN e Itaúsa PN, holding que controla o banco. Em terceiro lugar aparecem os papéis do Bradesco, seguidos por BM&FBovespa, Lojas Americanas, AmBev e Brasil Foods (BRF).

Uma análise da carteira do fundo mostra que ele prefere se concentrar em grandes empresas. Nenhum dos papéis brasileiros está fora da carteira teórica do Índice Bovespa. Há poucas ações de tecnologia, com exceção da Totvs, e nenhuma das grandes estatais, como Petrobras, Banco do Brasil ou Eletrobras. “É uma carteira bastante conservadora, de empresas sólidas e em geral boas pagadoras de dividendos”, diz o analista financeiro Rafael Carneiro.

A estratégia de Mobius não se alterou muito ao longo das últimas quatro décadas. Sua abordagem evita grandes tacadas e muita concentração em poucos papéis. Isso garante bons retornos no longo prazo, e evita grandes solavancos. No ano passado, os fundos geridos por Mobius superaram as médias do mercado. Nos 12 meses até 31 de dezembro, o Templeton Latin American Fund rendeu 38,97% em dólares, aproveitando bastante da recuperação das ações brasileiras no ano passado. Toda a região apresentou um bom desempenho. O índice MSCI Latin America, calculado pelo banco de investimentos Morgan Stanley, rendeu 48,7% nesse período.