Mercado. Podemos defini-lo como esse ser anômalo, mas paradoxalmente tangível. Ele finge ter medo de Lula para poder moldar o candidato mais à sua imagem e semelhança. E isso se traduz em meros dois pontos: alta responsabilidade fiscal e baixo intervencionismo. Não é nada diferente do que Lula fez por oito anos, tendo à frente do Banco Central o então tucano Henrique Meirelles e um fiador oriundo do setor produtivo, o vice José Alencar. E já foi muito mais do que Paulo Guedes conseguiu na inglória luta que travou sendo um liberal solitário em um governo pouco dado ao liberalismo real. No governo do petista o Brasil cresceu em média 4,1% ao ano, melhor resultado médio em quatro décadas. Foi nele que a renda teve a maior alta média desde os anos 1970, chegando a 38,2% ao final de 2010.

A inflação também foi domada. Lula recebeu o País com uma taxa de 12,75% e entregou com 5,9%. O desemprego foi de 10,5% para 5,6%. As reservas cambiais, de US$ 370 bilhões, amorteceram a oscilação do dólar na crise de 2008 e ajudam até hoje o Tesouro. Ao contrário do que se prega nesta eleição, contra fatos não há argumentos. O que o mercado teme é que Lula se aproxime do intervencionismo de Dilma Rousseff. Ao estilo Jair Bolsonaro, diga-se.

Para os liberais mais letrados e iluministas, Lula é a melhor alternativa contra alguém antidemocrático e que, nas últimas duas semanas, tem forçado o discurso de mudar o Supremo Tribunal Federal, como fazem as nações autocratas. Por esse motivo nomes consagrados do campo econômico, e que nunca foram pró-Lula, escolheram o petista. “O mais importante neste momento é aprimorar a política e garantir o básico que é a democracia”, afirmou Edmar Bacha, um dos cérebros por trás do Real. Para Lula, o apoio reflete os dias atuais. “Há momentos na história em que os valores civilizatórios e democráticos devem estar acima de qualquer divergência. E é isso.” Exatamente.

Na prática Lula não pôs na mesa as cartas do que fará na economia, tal qual em 2002. E assim como na virada do século, ele libera pistas. DINHEIRO juntou tudo, reuniu os nove pilares que sustentam a visão econômica e ouviu Lula, Geraldo Alckmin, dois dos quatro pais do Plano Real, políticos e especialistas para decifrar esse mapa para o caso dele vencer as eleições do dia 30. Com isso em mãos, DINHEIRO avalia qual o potencial de impacto de cada um deles na tração econômica. “Para a gente consertar o Brasil hoje é preciso três ingredientes: credibilidade, estabilidade e previsibilidade”, disse Lula.

Reforma Tributária

OS TRÊS PODERES Aprovar as mudanças estruturais que Lula promete exigirá um grande esforço. Negocição com o Congresso e Judicialização ficarão em voga em caso de vitória do ex-presidente. (Crédito: Charles Sholl)

E o ansiolítico para o mercado no quesito tributação tem nome, sobrenome e um passado de oposição ao PT: Geraldo Alckmin. Candidato a vice-presidente, o ex-tucano e agora filiado ao PSB ganhou status de fiador de Lula para o eleitorado liberal que não se identificou com Bolsonaro. O ex-governador de São Paulo garante que essa aliança democrática irá “priorizar a geração de emprego e renda por meio de uma reforma tributária que simplifique e promova mais investimentos”. Uma guinada de Lula mais ao centro que foi visível nesta segunda etapa eleitoral, e atraiu aprovação de nomes importantes do universo do liberalismo. A isenção de Imposto de Renda de Pessoas Físicas para quem recebe até cinco salários mínimos e a possibilidade de taxação de grandes fortunas foram igualmente bem recebidas. A questão dos lucros e dividendos ainda não está completamente exposta, mas até ela tem sido digerida com mais facilidade, caso a contrapartida seja uma revisão efetiva da burocrática teia de impostos, tributos e taxas que assolam o Brasil. Para colocar o plano em prática, Lula pretende criar um texto novo, diferente do que tramita no Congresso, o que não seria fácil de aprovar. Para Renata Mendes, porta-voz do movimento Para Ser Justo, que reúne instituições, empresários, empreendedores, especialistas e acadêmicos, a reforma tributária é essencial. “O foco precisa ser na reforma dos impostos cobrados sobre o consumo, pois eles são 44% de tudo o que é arrecadado no Brasil e sua cobrança é injusta e complexa”, disse. Estudo da Universidade Federal de Minas Gerais indica que, em um cenário tributário reformado pelo consumo, o crescimento adicional do PIB pode chegar a 12% em 15 anos.

Reforma Administrativa

Por algum tempo o assunto reforma administrativa não tinha vida dentro do PT. Isso mudou nesta campanha. Lula parece mais aberto para discutir não apenas o tamanho, mas a eficiência do serviço público. Seu plano de campanha possui a seção “defesa da democracia e reconstrução do Estado e da soberania”, que entra nessa seara. O objetivo é valorizar os servidores, mas criar métricas de avaliação. Ele garante que não irá mexer na estabilidade, mas admite que é preciso que os cidadãos possam avaliar o serviço e o servidor públicos. Suas propostas, no entanto, ainda são comedidas e não atingem de modo frontal o peso do Estado de modo amplo e com efeito cascata para estados e municípios. Para o professor de macroeconomia e doutor em administração pública pela UnB Carlos Martinez, a capacidade de redução de gastos da União é baixa. O professor, que atua na comissão de Orçamento e Finanças Públicas da Câmara, entende que dificilmente Lula irá além desse ponto. Lula diz que haverá espaço para revisões salariais dos servidores em seu mandato. Só não diz de onde virá o dinheiro.

Combate à Fome

Principal bandeira do PT desde a campanha de 1989, a questão da fome é urgente. Dentro das políticas e diretrizes está a manutenção dos programas de transferência de renda. Também há um desejo de fortalecimento do poder de compra do salário mínimo. Do ponto de vista social, a medida é essencial para um País que já soma mais de 33 milhões de pessoas em situações precárias de alimentação diária. No ponto de vista da economia, as medidas também são bastante positivas. Isso porque o fortalecimento da transferência direta de renda joga o dinheiro quase integralmente na economia real. Segundo Lula, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) voltará a ter um papel de estocadora de alimentos. “É preciso recuperar a Conab”, disse. Esse movimento ajuda a controlar a inflação dos alimentos.

HÁ VAGAS A campanha de Lula sabe que o emprego é fundamental para ativação da economia, então suporte para indústria tem sido prometido para alavancar a mão de obra. (Crédito: Eduardo Knapp)

Controle de Preços

Lula, por saber da fragilidade do tema, tem pisado em ovos. O que temos até aqui é que haverá uma nova forma de métrica de paridade para os preços dos combustíveis. Mas nas palavras do próprio ex-presidente, “sem cometer erros passados”. Isso significa desviar de congelamentos arbitrários, a exemplo dos promovidos por Dilma na energia e nos combustíveis. No programa de governo, Lula afirma que irá reforçar o refino do combustível no Brasil. Outra sinalização sobre o tema é que não há planos do PT de mudar o teto do ICMS dos combustíveis. Para o petista, é natural que se a Petrobras faz a prospecção de petróleo em real, refina em real, “ela precisa, então, que o preço seja em real”. O economista Maílson da Nobrega é um dos que pensam que o programa precisa ser ajustado. Ele, que apoiou Simone Tebet no primeiro turno, diz que não irá votar em Bolsonaro, mas não se decidiu pelo petista. Uma das razões para isso, é justamente esse plano de abrasileirar os preços da Petrobras. “Ele vai ter de abandonar essa ideia”, afirmou. “Como fez em 2002. Logo que assumiu ele viu que parte do programa não era adequado, rasgou o que não servia e deu sequência no plano macroeconômico de Fernando Henrique Cardoso.”

Indústria, Comércio e Serviços

MÃO NA MASSA Para reduzir preços do petróleo, mais refinarias da Petrobras. É assim que o petista promete domar a flutação da Paridade Internacional que incide no combustível. (Crédito:Divulgação)

As diretrizes econômicas que envolvem a indústria, o comércio e os serviços têm sido uma das apostas da campanha de Lula. Há alguns discursos já conhecidos, como o fortalecimento da produção nacional, investimento em tecnologia e, mais recentemente, a recriação do Ministério da Indústria e do Comércio Exterior. Pasta que sempre funcionou como um balcão de demandas para os empresários. Tanto Lula quanto Bolsonaro já sinalizaram que a estrutura voltará a existir em 2023. A extensão do pleito para o segundo turno é para que o petista coloque mais cartas na mesa. Lula se mantém impassível sobre formalizar nomes de sua equipe econômica – e analistas políticos dizem que ele faz bem. Mas outros sinais já começaram a aparecer. Para a indústria, proteção de um lado e incentivo para a competição internacional. Para o comércio e os serviços, duas frentes: a renegociação de dívidas, que liberaria o crédito de boa parte dos 63 milhões de brasileiros com o nome sujo, segundo o Serasa Experian. Também há uma espécie de Refis para os empreendedores menores. Com essas medidas, os economistas ouvidos pela reportagem estimam uma alta conversão em tração econômica, principalmente se for iniciado já no primeiro semestre de 2023.

Responsabilidade Fiscal

Lula e Bolsonaro já disseram que não existirá teto de gastos. O mercado precificou isso e pede que não seja porteira aberta. É preciso algum indicador para que o País não volte a ser a orgia fiscal que é lança-chamas na inflação. O PT, para acalmar o mercado, começou a dar sinais. Há pelo menos duas propostas sob avaliação. A primeira é fortalecer as métricas na meta de superávit primário. Isso significa instar balizadores que levam em conta o ciclo econômico para que o superávit possa mostrar com mais clareza do que hoje como anda a saúde fiscal do governo. A outra trata de uma regra de reajuste do limite das despesas por outros indicadores. Tudo que superasse esse indicador seria tratado como “despesa nobre” ou de “alto valor”, precisando se enquadrar em uma lista de prioridades como infraestrutura, educação ou saúde, por exemplo, o que significa uma regra que nasce para ser burlada. Para Geraldo Alckmin, que sempre foi defensor da responsabilidade fiscal, o governo que ele e Lula se propõem a construir é comprometido com a saúde fiscal e o controle do endividamento público. “Após a ascensão de um primeiro-ministro antidemocrático na Hungria, a dívida subiu para 80% e agora o governo obriga empresas privadas a darem parte de seus lucros para sustentar a máquina pública”, disse Alckmin.

Educação

Na educação o objetivo de Lula é dar continuidade a seu programa de fortalecimento do acesso ao ensino superior. O plano ajudou no ingresso de jovens a universidades, mas gerou também algumas distorções, enriquecendo instituições de ensino superior alimentadas por um alto índice de inadimplência, que ficou nas costas do governo federal. Eliana Dias, professora da Universidade de São Paulo e ex-secretária adjunta de educação superior do Ministério da Educação entre 2004 e 2011, diz que o efeito econômico do ingresso desses jovens também foi alto. “Estudo da FGV mostrava aumento de 10,5% [acima da inflação] do salário médio de um jovem da periferia”, disse. Lula diz que agora irá olhar com mais atenção também para as crianças e adolescentes.

E nesse aspecto as coisas ficam mais turvas. Ainda restam dúvidas sobre como se dará a gestão do Fundeb, um lugar com assombrosos vazamentos de recursos públicos. Para empresários e políticos, o discurso de que a educação nos salva é unanimidade. Mas o problema gigantesco ainda não encontrou no âmbito federal uma resposta adequada e eficiente.

GRANA NA PRAÇA Revisão das dívidas de pessoas físicas vai ajudar a liberar o consumo e ativar a economia. (Crédito:Divulgação)

Infraestrutura

Quando o assunto é infraestrutura, Lula quer resolver dois problemas. Atualizar o setor no Brasil e estimular empregos. E esse caminho já é conhecido do PT. Lula deve repaginar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da gestão Dilma Rousseff e que foi importante vetor de emprego a partir de 2010, quando a crise internacional de 2008 começava a ameaçar a atividade brasileira. Agora, o plano é fazer um pente fino nas obras paradas, inacabadas ou atrasadas e dar “um choque de atividade”. Lula afirmou que obras de infraesturura para a internet também irão aquecer esse ambiente. Do ponto de vista econômico, a medida tem eficiência alta. O Minha Casa, Minha Vida deve ganhar vida nova e também terá um efeito multiplicador de empregos. Para Cibele Ferreira, economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um dos nomes por trás da implementação do PAC no governo Dilma, esse tipo de programa possui uma eficiência e retorno rápidos. “Mas para isso o governo tem que gastar”, disse.

Comércio Exterior e Diplomacia

Se o Brasil mudou muito desde a última gestão de Lula, o mundo se transformou ainda mais. As premissas da diplomacia, ainda que se mantenham, exigem agora compromissos cada vez mais claros. Para angariar novos acordos comerciais, o Brasil precisará dar mais sinais de boa vontade, em especial com o meio ambiente. Segundo Lula, em seu primeiro ano de governo haverá esse recomeço na caminhada internacional. “Iremos encontrar presidentes e primeiros-ministros que deixaram de respeitar o Brasil nesses últimos quatro anos”, disse Lula, na quinta-feira (6). Ele contou que em oito anos de mandato visitou 85 países, e quer manter essa proximidade. Um alerta importante do tamanho do problema foi revelado pela ex-senadora e líder ruralista Kátia Abreu. Ela, que também decidiu abrir seu voto em Lula, citou a decisão tomada em 13 de setembro pelo Parlamento Europeu, que aprovou uma nova lei ambiental proibindo a importação de produtos oriundos de áreas desmatadas. “Os principais alvos são a soja e carne bovina, nossos dois principais produtos de exportação”, disse a senadora. O Brasil responderá por 51,7% do total de soja adquirido pela UE na safra 2022-23.