O jovem estudante de administração de empresas paulistano Victor Fiss, de 21 anos, descobriu, no início do ano, que o empresário e filantropo Elie Horn, fundador da incorporadora Cyrela e dono de uma fortuna estimada em R$ 6 bilhões, era o anfitrião de um evento beneficente em São Paulo. Deu um jeito de participar. Durante o jantar, sentou-se ao seu lado, apresentou-se e contou o projeto de negócio que estava desenvolvendo: uma rede de clínicas médicas populares, focada em atender pessoas que buscam consultas por um valor em torno de R$ 100, menos da metade da média praticada pelo mercado atualmente. “Fui na cara de pau”, diz. Horn parece ter gostado da ousadia e também do que ouviu.

Naquele momento, a discreta Cia. da Consulta ganhava um sócio bilionário (o valor do investimento não foi revelado). O pulo do gato, que, no mundo dos negócios, costuma levar tempo, surgiu mais rápido do que se podia imaginar para uma empresa que não tinha sequer um ano de vida. Em 2016, o jovem empreendedor iniciara as operações aproveitando a capacidade ociosa da Faculdade de Medicina do ABC, em Santo André (SP). Para este ano, a empresa, mais madura, foi em busca de investidores-anjo e abriu uma clínica própria na Praça da Sé, cartão-postal da capital paulista, que vai ser o modelo para o negócio. No médio prazo, planeja ter 100 unidades, todas em São Paulo. “Não vejo muito limite para o nosso crescimento”, afirma Fiss, que também preside a empresa. “As clínicas vão ser a solução para o problema da saúde no Brasil.”

A mesma percepção é compartilhada por outros grandes empresários. “O mercado de saúde traz grande potencial para se ganhar dinheiro”, disse Horn à DINHEIRO, em entrevista em maio deste ano. O empresário de 72 anos de idade, nascido na Síria e radicado no Brasil desde 1955, é apenas um dos célebres investidores na Cia. da Consulta. Antes de chegar até Horn, Fiss convenceu outros nomes de peso do mercado quanto ao potencial do seu negócio. Claudio Haddad, economista e presidente do conselho do Insper, também gostou da ideia de seu aluno e entrou como sócio. Somam-se a ele o executivo Eduardo Alcalay, ex-GP Investimentos e atual presidente do Bank of America Merrill Lynch (BofA) no Brasil, ao qual Fiss considera o seu mentor; e Jose Victor Oliva, conhecido empresário da noite e dono da Holding Clube, que realiza eventos. “Eu fui atrás de cada um deles”, conta Fiss.

Foto: Andre Lessa/Istoe

Todos esses grandes nomes fazem parte de uma nova leva de investimentos em clínicas particulares com preços populares, que estão surgindo nos últimos anos com planos ambiciosos para revolucionar o atendimento médico no País, e desenvolver um setor que promete ser bilionário em poucos anos. Além de todos eles, há outras grandes reuniões de empresários reconhecidos. O publicitário e apresentador de tevê Roberto Justus e o investidor Felipe Prata, da Nest Investimentos, se aliaram à família de Ruy Marco Antonio, ex-dono do Hospital São Luiz, para criar a Megamed. J

ustus, que vendeu o seu grupo de comunicação Newcomm para a holding britânica WPP, em 2015, antecipou a sua saída da operação para novembro deste ano e vai dedicar parte do seu tempo ao setor de saúde. “Nunca havia feito nada fora de comunicação, nem participado de conselhos de administração, para não perder o foco”, diz o empresário. “Mas agora temos um negócio de grande potencial, infelizmente, por problemas do País. Temos um déficit histórico de saúde, e não acho que vá ser resolvido nas próximas duas décadas.” Essas clínicas, então, se posicionam para atender quem não pode esperar chegar a sua vez para ser atendido pelo sistema público, ou quem tem dinheiro para pagar por consultas e exames simples, mas não contam com planos de saúde. Essa porção da população cresce à medida que a crise econômica provoca demissões em massa e corte de custos por parte de empresas.

Em dois anos, o número de beneficiários de planos diminuiu de 51 milhões para 47 milhões de pessoas, segundo o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS). O Sistema Único de Saúde sofre com filas de meses para atendimentos em muitas especialidades e os repasses aos hospitais, que reclamam que a tabela de preços pagos não é reajustada desde 2010, diminuíram com a crise. Mesmo precisando atender 150 milhões de brasileiros, a oferta de médicos na saúde pública é bem menor. Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), o setor privado tem uma oferta de médicos três vezes maior do que o SUS. Para atender toda essa população má assistida, o modelo que vem sendo criado nas clínicas envolve consultas que custam entre R$ 80 e R$ 200 para especialidades diversas, como ortopedia, fisioterapia e gástrica, além, é claro, de clínicos gerais.

Foto: Gabriel Reis

Várias delas possuem centros de exames ou parcerias com grandes laboratórios. Em geral, em exames simples. Mas, em algumas, podem ser encontradas máquinas de tomografia e ressonância magnética. O modelo de contratação dos médicos varia em cada clínica. Mas as novas redes costumam atrair bons profissionais, que desejam substituir os atendimentos prestados para planos de saúde, que pagam menos e obrigam muitos médicos a fazerem longas séries de consultas apressadas. O objetivo é recuperar um pouco da medicina mais humanizada e ter filas de espera pequenas.

O que chama ainda mais atenção é que muitos dos investidores que buscam aproveitar essa oportunidade trilharam carreiras de sucesso em outros negócios. Eles agora buscam replicar a experiência no setor de saúde. É o caso de Rodrigo Galindo, que consolidou a empresa de educação Kroton, e se tornou um dos investidores, na Clínica SiM, de Fortaleza. A rede agora pretende dominar o mercado do Nordeste. Galindo se associou aos “rivais” Carlos Degas Filgueira, presidente do grupo educacional DeVry Brasil, Ari de Sá, fundador do sistema de ensino SAS, e Rafaela Villela, sócia do fundo de investimento voltado à educação Gera Venture Capital, do empresário Jorge Paulo Lemann.

Os outros participantes do grupo de investimento são Joaquim Ribeiro, ex-presidente da Technos, e o advogado Rodrigo Piva, sócio do escritório Motta, Fernandes Rocha. Em conjunto, eles adquiriram 45% da empresa, por um valor não revelado, entre 2013 e 2015. O projeto começou com o médico cearense Denis Cruz, que conheceu o conterrâneo Degas Filgueira quando cursavam um MBA na Universidade Stanford, na Califórnia. Ele foi o primeiro dos investidores externos da SiM, e atraiu os outros nomes do setor de educação ao negócio. “Se, no Brasil, 25% das pessoas são cobertas por planos, no Nordeste são apenas 15%”, afirma Cruz. “O nosso maior concorrente é o não tratamento.”

Foto: Claudio Gatti / Ag. Istoe

A rede já conta com seis unidades, todas na capital cearense. Mas uma nova rodada de investimentos trouxe o apoio do fundo de venture capital Monashees, que vai permitir abrir mais nove unidades até o fim do ano. Para 2018, a meta é ir para o interior dos Estados, além de chegar a Maceió, João Pessoa, Salvador e Belém, atingindo um número entre 35 e 40 clínicas. Mas, talvez nenhum plano seja mais agressivo do que o esboçado pela Megamed. A meta é ser a maior rede do País em poucos anos. Até o fim da década, poderá atingir um número de 300 unidades, por meio de uma rede de franquias. A ideia foi apresentada a Justus, que foi o primeiro controlador, pelo financista Felipe Prata.

O projeto, no entanto, só decolou com a entrada de Ruy Marco Antonio, que estava saindo de um período de cinco anos de não competição assinado por conta da venda da rede de hospitais São Luiz, em 2010. A sua família adquiriu o controle da Megamed e o seu filho, Ruy Marco Antonio Filho, assumiu como CEO do negócio. Por enquanto, são duas clínicas na Zona Leste de São Paulo, com 30 médicos. “Não queremos ter megaclínicas. Senão, vira SUS”, diz Marco Antonio. “Elas serão menores, para atender a comunidade próxima.” Os franqueados vão garantir a expansão. Onze estão próximas de começarem a operar.

A clínica de referência custou R$ 5 milhões, no bairro do Tatuapé, e as franquias precisarão de R$ 2 milhões cada. “Logo, de cara, chegaremos a 100 clínicas, mas existe um potencial muito maior. Cidades como Curitiba, Maringá e São José do Rio Preto podem ter mais de uma”, diz o empresário. “Mas o mercado já está poluído. Não poderemos esperar para crescer devagar e com dinheiro próprio.” Por isso, o objetivo é se posicionar rapidamente. “O boom das clínicas vai ser quase como o boom da internet”, diz Prata. “Vai entrar gente boa e ruim no negócio, até que, quem construir um modelo sobre bons alicerces e criar padrões técnicos, vai sobreviver.”

Foto: Felipe Gabriel

Os novos investidores que chegam a esse setor vão encontrar um pioneiro que também pretende aproveitar a tendência atual. O médico Adiel Fares é filho do fundador da loja de móveis Marabraz. E, com a morte do seu pai, em 1978, foi um dos grandes responsáveis pelo crescimento da rede. Mas, nos últimos tempos, passou a se dedicar quase que integralmente ao seu segundo negócio, a Clínica Fares, fundada timidamente há 29 anos. Agora, acaba de inaugurar o seu terceiro endereço, em Osasco (SP), com investimentos de R$ 20 milhões. Até 2018, planeja ter oito unidades, todas com investimento próprio e linhas do Finame e do BNDES. O objetivo é dobrar de tamanho a cada ano, até 2019. As unidades da empresa são de maior porte do que as das rivais. Uma das próximas a ser inaugurada, em Itaquera, numa das regiões mais populosas de São Paulo, terá 13 mil metros quadrados. “Muitas pessoas das classes A e B, moradoras de bairros nobres, têm vindo às nossas clínicas porque perceberam que o custo da saúde ficou muito caro”, afirma Fares. Em comum a todos os empresários que entraram no negócio está o discurso de que o investimento, além de prometer ser um bom negócio, trará benefícios ao País.

“Pela visão macro, o surgimento dessas empresas é interessante, porque muita gente sem acesso a consultas vai começar a ter”, diz o consultor Charles Lopes, professor da Ibmec-RJ e sócio-diretor da B2Saúde Consultoria, especializada no setor. “A grande preocupação disso é se, depois de ser atendida e fazer exames, a pessoa precisar de uma cirurgia complexa ou de internação, por ter um quadro grave. Fica um hiato, se ela não tiver um plano de saúde.” As clínicas podem resolver uma parte do problema, mas, quem terá capacidade de pagar um hospital particular do próprio bolso? “O modelo como um todo precisa mudar, e vai mudar nos próximos dois anos”, diz. Nessa reconfiguração, essas novas clínicas populares devem ter um papel essencial no novo mapa da saúde que vai se formar no Brasil. E, com a presença de empresários experientes e de sucesso em outros setores à frente do investimento, não deverá demorar muito para isso acontecer.