O entendimento sobre as razões que transformaram o Vale do Silício, na Califórnia, no principal polo de inovação do mundo passa por uma série de fatores, mas uma coisa está na origem de tudo: a Universidade Stanford.

E como essa instituição atingiu o nível de excelência que tem hoje e, principalmente, qual seu papel na formação e desenvolvimento do Vale? O livro “Os Segredos do Vale do Silício”, de Deborah Perry Piscione (Editora HSM), explica como tudo aconteceu e nos traz bons ensinamentos sobre a importância do diálogo entre academia e o mercado.

Leland Stanford, o empreendedor

Leland Stanford fundou a Universidade de Stanford em 1891
Leland Stanford fundou a Universidade de Stanford em 1891

Para entender como Stanford se transformou no cérebro do Vale, é preciso relembrar um personagem chamado Leland Stanford, um filho de fazendeiro que se tornou empresário, político (foi governador da Califórnia) e depois ele próprio um dono de terras e criador de cavalos nos EUA.

Trata-se de um empreendedor visionário que, em 1852, em plena corrida do ouro, mudou-se do estado de Nova York para o condado de Eldorado, na Califórnia, onde seus cinco irmãos já tinham montado uma promissora empresa de equipamentos para mineração de ouro.

Nos anos seguintes, Leland se transformou num empreendedor de grande porte – foi construtor de ferrovias – e com sede de conhecimento. Era muito interessado por máquinas, história e natureza e estudou idiomas e matemática com professores particulares.

A universidade Stanford é responsável direta pela formação do Vale do Silício

Mais de duas décadas depois, em 1876, Leland e sua esposa, Jane, buscavam um retiro no campo para criar cavalos e também para que o filho, Leland Stanford Jr, fosse criado ao ar livre. Compraram então 650 acres no Rancho San Francisco e montaram a Fazenda de Gado Palo Alto. Depois adquiriam outros terrenos e levavam um estilo de vida glamouroso, o que levava os jornais e a comunidade a considerar o casal “a realeza de seu tempo”.

A história tomou um rumo inesperado quando o pequeno Leland Stanford Jr morreu, em 1884, vítima de febre tifoide. Arrasados, os pais decidiram levar adiante um plano antigo de usar parte de sua fortuna em projetos filantrópicos.

O presidente da Universidade Harvard, Charles Eliot, sugeriu a criação de uma universidade do oeste, e os Stanford investiram US$ 5 milhões na iniciativa. Dessa forma, a Leland Stanford Jr, gratuita, abriu as portas em 1º de outubro de 1891 para 555 alunos e 15 professores. Nos anos seguintes, a instituição conseguiu atrair docentes de renome mundial, o que por sua vez atraiu outros acadêmicos de destaque.

Aproximação entre universidades e as empresas

Os anos se passaram até que, em 1925, um homem chamado Frederick Terman se tornou diretor da Escola de Engenharia. Em 1955, ele foi nomeado reitor e exerceu papel central no fortalecimento de uma cultura empreendedora e do ecossistema de negócios e inovação que está na base da formação do Vale do Silício.
Isso porque Terman estimulava alunos e professores a montar suas próprias empresas.

Antes mesmo de se tornar reitor, ele criou, em 1946, o Parque Industrial Stanford, que foi a base para a aproximação entre a universidade e a indústria. “Nenhuma outra universidade alocou ou manteve essa quantidade de terra para o crescimento industrial”, escreve Deborah no livro. “Ela arrendou terras para empresas em desenvolvimento, como a Hewlett-Packard, General Eletric e Lockheed, e hoje o Parque de Pesquisas Stanford, como é conhecido, abriga cerca de 150 empresas”.

Ambiente de colaboração

Além disso, Terman incentivou os professores a atuar como consultores pagos para corporações, num outro impulso de aproximação entre academia e o setor privado. Sua visão era a de que isso não apenas ajudaria os docentes a se manterem atualizados sobre as necessidades das empresas como também seria um instrumento para facilitar o financiamento de pesquisas e parcerias para os alunos. Essa estratégia é vista hoje pelo corpo docente de Stanford como a contribuição mais importante para o “ambiente acadêmico-empreendedor” de Stanford e do Vale.

O resultado disso é que a universidade é hoje o “bastião da inovação, ajudando a criar quase seis mil empresas altamente inovadoras”, segundo Deborah.

Entre as companhias cuja tecnologia ou plano de negócios foi desenvolvido em função de pesquisas em Stanford estão Cisco, eBay, Eletronic Arts, Linkedin, HP, Google, Netflix, Nvidia, Logitech, Sun e Tesla Motors, entre outras.

E o Brasil?

Como se vê, contar em sua origem com um mecenas ilustrado foi determinante para a criação de uma universidade de ponta, o que por sua vez foi o alicerce para a formação do polo de tecnologia mais importante do mundo.
Escrita numa realidade bem diferente da brasileira, a história de Stanford se passa num país em que a cultura empreendedora e a inovação são dados estabelecidos. Isso não nos impede de tirar algumas lições disso, que podem perfeitamente ser aplicadas ao contexto brasileiro.

Uma delas é de que o mecenato, se usado como ferramenta para construir e desenvolver, faz a diferença. Que bom seria se no Brasil surgissem um, dois, dez homens com a visão de Leland Stanford. Nós tivemos pelo menos um: o visionário Luiz Vicente de Souza Queiroz, descendente de uma família tradicional de São Paulo e que cursou a Escola de Agricultura de Grignon, na França, e a de Zurique, na Suíça Alemã.

Assim como Stanford, ele tinha um sonho de fundar uma escola de ciências agrárias de primeiro nível. E conseguiu: é a nossa Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz, a Esalq, em Piracicaba (em breve vou escrever mais sobre ele, aguardem).

Outra é nos relembrar que a aliança entre a academia e a indústria é o ponto de partida e chegada para o fomento de um ambiente de inovação. Se feita a partir de uma visão de desenvolvimento – acadêmico, econômico e social -, essa aproximação beneficia a todos.

O poder público também é essencial nesse processo, mas isso também já é papo para outro post.