A reestruturação societária da Vale oferece uma boa oportunidade para os acionistas no longo prazo. Aprovada com ampla maioria no fim de junho, em uma assembleia com participação de 85% do capital, a proposta do CEO Fábio Schvartsman coloca a mineradora em condições de superar seu principal entrave: uma acentuada influência governamental, duas décadas após sua privatização. Transferida à iniciativa privada em maio de 1997, a Vale sempre sofreu com a mão pesada do Estado em suas decisões. Seu controle está nas mãos de uma holding, a Valepar, que tem a participação do BNDES, do Bradesco, de fundos de pensão de estatais e de uma corporação japonesa, a Mitsui.

A Valepar possui um terço do capital total, e 53,4% das ações ordinárias. Somando-se os 6,4% da BNDESPar, empresa de participação do BNDES, são quase 60% das ordinárias votando em bloco. Com isso, fica fácil ao governante de plantão servir-se da mineradora para reforçar políticas estatais, investindo em negócios alheios à mineração. Durante a gestão de Roger Agnelli, essa interferência levou a Vale a tomar algumas decisões controversas. Entre elas, o investimento em usinas siderúrgicas, que a afastou de sua atividade original. Ou apostas de risco, como a construção de três navios cargueiros com capacidade para 400 mil toneladas de minério.

Mina de ferro: o pico do consumo chinês já passou, porém, mais leve, a mineradora pode pagar mais dividendos (Crédito:Agencia Vale)

Em 2011, a Vale lançou ao mar o maior navio de transporte de minério do mundo, para baratear os custos de envio à China, seu principal mercado. No entanto, as autoridades chinesas, para boicotar a companhia, não concederam autorização de atracação aos navios, que acabariam sendo vendidos cinco anos depois. Com um controle pulverizado, decisões arriscadas desse tipo seriam mais difíceis de aprovar. A governança fica mais estrita e os investidores minoritários, mais seguros. Para isso, a proposta de Schvartsman é converter todas as ações preferenciais em ordinárias, e listar a empresa no Novo Mercado, segmento de governança corporativa mais estrito da B3.

A influência estatal será diluida. Mesmo que permaneçam como acionistas importantes, os fundos de pensão e o BNDES não ficarão obrigados a atuar em bloco. A reestruturação também impede que qualquer outro investidor assuma o controle, com a inclusão de uma cláusula que limita a participação individual a 25% do capital. O acionista que ultrapassar esse limite terá de fazer uma oferta de compra para os 75% restantes. A preços da quinta-feira 6, isso significaria ter de desembolsar R$ 108 bilhões – o valor de mercado da mineradora está em cerca de R$ 148 bilhões – o que torna esse ataque especulativo um negócio caro.

Ao defender a reorganização societária na assembleia, Schvartsman disse que será realizada outra reunião de acionistas para eleger os dois primeiros membros independentes no conselho de administração da mineradora. Com o tempo, disse ele, uma proporção maior dos conselheiros será independente. “Uma empresa é a soma de muitas coisas, mas a governança é um dos pilares mais importantes de valor de uma companhia”, disse ele ao comentar o resultado da assembleia. “E, isso acontecendo, a tendência é que o mercado valorize mais as ações do que valoriza hoje em dia.”

Fábio Schvartsman, CEO da Vale: “Uma empresa é a soma de muitas coisas, mas a governança é um dos pilares mais importantes de valor de uma companhia” (Crédito:Julio Bittencourt/Valor/Folhapress)

O que isso muda para o acionista hoje? A recomendação dos analistas é participar da conversão, até para facilitar a migração da empresa para o Novo Mercado, que tem de ter a aprovação de 100% dos possuidores de ações preferenciais remanescentes. A proposta de conversão é de trocar 0,9342 ação preferencial por uma ação ordinária, o que representa um deságio de pouco mais de 6%, e os acionistas terão até 11 de agosto para formalizar sua troca. “Essa é uma compensação adequada para quem já possui ações ordinárias e está abrindo mão do controle”, diz Vitor Mizumoto, analista da corretora Spinelli. “O controle é um ativo intangível, não está no balanço, mas tem valor, e é justo que os controladores sejam remunerados.” Na ponta do lápis, isso representará um prêmio de R$ 4,5 bilhões para os atuais controladores.

Para os analistas, os prognósticos para a empresa são bons. Depois de surfar na onda de alta das commodities na década passada, a Vale sofreu com a queda das cotações do minério de ferro ao longo dos últimos anos. “A China, que era o grande mercado de minério, está reduzindo seu consumo de aço e até mesmo fechando algumas das siderúrgicas”, diz ele. Agora, as cotações devem se estabilizar. A Vale é uma empresa eficiente, que tem custos baixos, e pode manter sua participação no mercado. “As ações não devem pagar dividendos muito grandes nos próximos anos, mas são uma boa alternativa para prazos longos”, diz ele. Pelo menos um veterano do mercado gostou da mudança. Falando a investidores em um evento em São Paulo, o megainvestidor Luiz Barsi, que construiu um patrimônio superior a R$ 1 bilhão ao longo de cinco décadas de investimentos em ações, disse estar animado.

Barsi disse que não investia na Vale, por considerar a companhia muito sujeita a ingerências políticas, mas passou a comprar papéis após a troca de comando. O investidor elogiou a proposta de Schvartsman de entrar em novos projetos. Para ele, isso é um sinal de que, menos endividada e mais leve, a Vale pode vir a melhorar o pagamento de dividendos. Barsi também disse apoiar a iniciativa da empresa de migrar para o Novo Mercado. “Os principais fundos soberanos só compram ações ordinárarias”, disse ele. “Acredito que possa ser uma boa aplicação inclusive para a aposentadoria”, defendeu. “Hoje a ação está cotada no valor patrimonial, não tem risco.”