As modas vão e voltam ao longo dos anos, e isso vale também para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Criado em 1952 para sustentar o desenvolvimento econômico do País, o BNDES já desempenhou inúmeros papéis na economia brasileira. Já foi um financiador a fundo perdido de empresas que queriam abrir capital nos anos 1970. Operou um ambicioso e controverso programa de privatização no início da década de 1990 e, mais recentemente, foi o grande fornecedor de capital para os chamados campeões nacionais.

DIN1013-bnds2Agora, sob o comando da executiva Maria Sílvia Bastos Marques desde junho de 2016, o BNDES tenta voltar às suas origens. “Ampliamos a governança e melhoramos a transparência do banco”, disse Maria Sílvia na terça-feira 4, durante um evento do BBI, banco de investimentos do Bradesco. “O BNDES vinha sendo criticado pelos critérios de financiamento dos setores, e agora estamos revisando essas condutas”, diz ela. O efeito já foi sentido no início de fevereiro, quando o banco divulgou que havia desembolsado R$ 88,2 bilhões em 2016. É bastante dinheiro em qualquer latitude.

Porém, representa um encolhimento de 35,1% ante os desembolsos de 2015, e é muito menos do que os R$ 190,4 bilhões concedidos em 2013, auge da política de campeões nacionais. Para Maria Sílvia, a retração faz parte do negócio. “O banco não gera projetos, ele financia projetos, e hoje quase todos os setores da economia têm capacidade ociosa, exceto infraestrutura, agricultura e óleo e gás”, disse ela à DINHEIRO. A redução do tamanho não a preocupa, afirma. “Estamos preocupados com a efetividade da atuação do banco, o tamanho é decorrência.”

As mudanças não pararam no encolhimento do banco. A mais recente delas ocorreu no dia 30 de março, quando o Conselho Monetário Nacional (CMN) alterou a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que serve para calcular o custo dos financiamentos altamente subsidiados concedidos pelo BNDES. Agora, ao longo de cinco anos, a TJLP será substituída pela Taxa de Longo Prazo (TLP). A simples perda de uma letra pode levar à percepção de que a mudança é irrelevante. Longe disso. A nova taxa será composta pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), somada a um percentual prefixado de juros.

Ela será definida mensalmente, e vai variar de acordo com o rendimento real das Notas do Tesouro Nacional – Série B (NTN-B). “Vamos fazer a TLP convergir para perto dos juros de mercado, mas de maneira gradual, sem solavancos”, diz Maria Sílvia. “Poderíamos fazer isso depressa, no curto prazo geraríamos mais resultados para o banco, mas nossa ideia é evitar turbulências no mercado.” Na prática, isso significa aumentar em 50% o custo do dinheiro concedido pelo banco. A decisão causou controvérsia, e iniciou um debate sobre o papel do BNDES. Explica-se.

José Velloso, presidente-executivo da Abimaq: “Não existem linhas de crédito de dez anos no Brasil, exceto no BNDES, e isso inibe o investimento produtivo.”
José Velloso, presidente-executivo da Abimaq: “Não existem linhas de crédito de dez anos no Brasil, exceto no BNDES, e isso inibe o investimento produtivo.” (Crédito:Divulgação)

A TJLP nasceu em 1994, junto com o Plano Real, para balizar o custo do dinheiro do BNDES. Desde então, empréstimos corrigidos pela TJLP têm sido objeto de desejo de onze em cada dez empresários. É fácil entender o porquê. Eles custam 7% ao ano. Esse percentual sobe para 14% ao ano somando-se as tarifas e custos dos bancos repassadores. É bem menos que os 21,3% ao ano cobrados, em média, nas linhas empresariais mais comuns, como o capital de giro. Além de barata, essa carteira é grande. Apesar da redução dos desembolsos, no fim de 2016 o estoque de contratos indexados à TJLP era de R$ 664 bilhões.

Isso representa 43% do R$ 1,544 trilhão contratado pelas empresas brasileiras nessa mesma data. Apenas em uma linha de crédito, a do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), o banco empresta R$ 133 bilhões. Em pelo menos um caso isso gerou distorções. Durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff, o presidente de uma companhia aberta ligada a um grupo financeiro extremamente capitalizado disse à DINHEIRO que captou dinheiro do banco mesmo sem precisar. “Estavam cobrando menos do que os juros de mercado”, disse ele na ocasião. “Eu não precisava do dinheiro, mas a proposta era irrecusável e contratamos o crédito.”

Casos como esse fazem parte do passado, mas é devido a eles que Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central (BC), tem dito reiteradas vezes que a situação precisa mudar. “O crédito brasileiro vive uma situação de meia entrada: metade dos empréstimos é subsidiada e a outra metade custa caro para financiar esse subsídio”, disse ele em um seminário no BC, no início de março. Acabar com essa distorção está no topo da agenda. Segundo Mansueto Almeida, secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, o governo gastou mais de R$ 100 bilhões para subsidiar a TJLP apenas em 2016. “A nova taxa vai trazer uma enorme economia”, disse ele à DINHEIRO. “Quanto mais o governo economizar, menor será a dívida pública e os juros.”

Não é apenas o lado fiscal que deve se beneficiar. A expectativa do governo e dos analistas é de que a convergência entre a TLP e a Selic amplie a eficácia da política monetária. Hoje, alterações na Selic não afetam a TJLP. “Essa medida tornará a política monetária mais potente, o Banco Central não vai precisar elevar muito a taxa de juros para fazer efeito”, diz o economista Manoel Pires, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/IBRE). O fim da TJLP é, até agora, a etapa mais visível da reforma do BNDES. Desde o fim do segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, e durante toda a gestão Dilma Rousseff, a instituição ganhou musculatura para assumir papel relevante no crescimento da economia e no financiamento à expansão das empresas.

Isso ocorreu por meio da distribuição de recursos de forma generosa para alguns setores escolhidos. A política defendida pelo economista Luciano Coutinho, que presidiu o banco de maio de 2007 a maio de 2016, privilegiava os chamados campeões nacionais. A tese subjacente a essa estratégia era que, anabolizando companhias de setores nos quais o Brasil oferece vantagens competitivas, seria possível ampliar a internacionalização da economia. Os resultados foram irregulares. Há casos de sucesso como o do frigorífico JBS. E há os R$ 10,4 bilhões emprestados ao grupo EBX, do hoje encarcerado empresário Eike Batista.

Zeina Latif, economista-chefe da XP investimentos: “É ingenuidade achar que a chave para resolver nossos problemas de financiamento está no BNDES.”
Zeina Latif, economista-chefe da XP investimentos: “É ingenuidade achar que a chave para resolver nossos problemas de financiamento está no BNDES.” (Crédito:Samir Baptista / Ag. Istoe)

Agora, diz Maria Sílvia, o banco vai agir em momentos pontuais, corrigindo deficiências do mercado e atuando onde a iniciativa privada está ausente. “Nossa intenção é trabalhar junto com o mercado de capitais, e não no lugar dele”, diz ela. A decisão dividiu a torcida. Para a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, crítica da postura anterior do banco, o resultado deve ser uma instituição mais enxuta e transparente, com regras claras para a concessão de crédito. “O BNDES precisa direcionar seus recursos para pequenas e médias empresas, que realmente precisam de ajuda e não têm acesso ao mercado, pois o custo do crédito é proibitivo”, diz ela.

Segundo Maria Sílvia, a nova estratégia do banco limita a aplicação da TJLP a, no máximo, 80% do total emprestado. E esse percentual estará disponível apenas para poucos e selecionados casos, como investimentos em saneamento básico, melhorias na administração pública e desenvolvimento de tecnologias menos agressivas ao meio ambiente. Na maioria dos casos, o percentual máximo corrigido pela TJLP será de 30%. Já o setor produtivo não se entusiasmou. Os críticos dizem que a vinda da TLP vai encarecer o crédito em um momento em que a economia ainda apresenta sinais débeis de recuperação. Um dos setores mais preocupados é o de máquinas.

Segundo cálculos da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), a TLP encarecerá o custo de financiamento do setor dos atuais 14% para 18% ao ano. “Se o investidor desapareceu com os juros a 14%, imagina com 18%”, diz José Velloso, presidente executivo da Abimaq. Ele reclama que faltam linhas de financiamento adequadas aos projetos de longo prazo. “Não existem linhas de crédito de dez anos no Brasil, exceto no BNDES, e isso inibe o investimento produtivo.”

Já Alcides Braga, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Implementos Rodoviários (Anfir), defende mudanças mais graduais. “Mudamos de uma política de concessão atabalhoada de empréstimos para uma política de ausência do BNDES nos investimentos”, diz ele. “O banco deveria assumir uma postura intermediária.”
O governo avalia que, com o tempo, a situação se resolve. Mansueto Almeida diz que a queda da taxa de juros deve levar o mercado de capitais a tornar-se capaz de financiar projetos de longo prazo. “Estamos em uma trajetória de reformas, e as consequências naturais serão a queda dos juros e o alongamento da dívida”, afirma.

“O que não é correto, o que não pode, é todo o setor produtivo ficar dependente do BNDES, porque o governo não tem condições de atender a todos.” O mais importante, afirmam os defensores da mudança, é ter um BNDES adaptado às novas condições da economia brasileira, em que o setor privado ganha mais protagonismo e o governo diminui o seu tamanho. “Não é fácil ser empresário no Brasil, mas o tipo de agenda que o País precisa é uma que seja horizontal”, afirma Latif. “É ingenuidade achar que a chave para resolver nossos problemas de financiamento está no BNDES.”

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