As obras do paulista Claudio Tozzi estão entre as mais valorizadas dentre os artistas brasileiros contemporâneos, caso do óleo sobre tela “Dança”. Desde agosto de 2015, as cores da peça podem ser apreciadas no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba. A tela está em boa companhia, ao lado de cerca de 200 outras peças. São quadros de Di Cavalcanti, Alfredo Volpi, Manabu Mabe e Cícero Dias, só para ficar nos brasileiros. Sua origem é a mesma: a Operação Lava Jato. A Polícia Federal apreendeu as obras ao longo das 37 fases da operação, e decidiu guardá-las em um local adequado, onde pudessem ser apreciadas pelo público.

“Dança”, do paulista Claudio Tozzi: agora exposto em Curitiba, ao lado de outras 200 obras apreendidas pela Operação Lava Jato
“Dança”, do paulista Claudio Tozzi: agora exposto em Curitiba, ao lado de outras 200 obras apreendidas pela Operação Lava Jato (Crédito:Paulo Lisboa / Parceiro / Agência O Globo)

Isso não só tornou o museu curitibano conhecido nacionalmente. Também lançou luz sobre um dos desvios desse mercado: o uso de obras de arte para atos ilícitos como a sonegação de impostos, a lavagem de dinheiro e a evasão de divisas. Sofisticado e sigiloso, o universo das galerias e leilões de arte agora está sob uma fiscalização mais intensa. Em abril, entra em vigor uma portaria do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) destinada a tornar esse mercado mais transparente.

Lina Santin: “A Receita agora estará mais atenta, porque ela consegue cruzar mais dados e, a partir das declarações para o Coaf, ela terá mais subsídios para a fiscalização”
Lina Santin: “A Receita agora estará mais atenta, porque ela consegue cruzar mais dados e, a partir das declarações para o Coaf, ela terá mais subsídios para a fiscalização” (Crédito:Potyra Tamoyos)

“O Iphan vai atuar em parceria com outros órgãos de fiscalização para prevenir atos ilícitos”, diz Fábio Rolim, coordenador-geral do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização da autarquia. “Haverá mais compliance (aderência às regras) de agora em diante.” A partir de abril, os profissionais do setor – galeristas, marchands, leiloeiros e mesmo negociantes de antiguidades – serão punidos se não se registrarem no Cadastro de Negociantes de Antiguidades e Obras de Arte (CNart), mantido pelo Iphan.

Também haverá punições, como multas, para quem deixar de manter registros precisos e atualizados das transações que intermediou. E, principalmente, haverá multas que podem chegar a 25% do valor total do negócio para quem deixar de informar o Instituto sobre qualquer transação paga em dinheiro cujo valor supere R$ 10 mil. As informações prestadas pelos comerciantes serão repassadas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), encarregado de verificar indícios de malfeitorias no sistema financeiro. “Isso permitirá que as autoridades tenham mais visibilidade do que ocorre nesse mercado, será mais fácil detectar o mau uso dos negócios com obras de arte”, diz Rolim.

Pierre Moreau: “O colecionador que comprar ou vender uma obra de arte tem de saber que as transações serão reportadas às autoridades”
Pierre Moreau: “O colecionador que comprar ou vender uma obra de arte tem de saber que as transações serão reportadas às autoridades” (Crédito:Francio De Holanda)

Para o investidor em arte, as mudanças serão profundas, embora pouco visíveis. “O colecionador que comprar ou vender uma obra de arte tem de saber que as transações serão reportadas às autoridades”, diz o advogado Pierre Moreau. “É algo parecido com o que já ocorre nos cartórios de notas ou nas imobiliárias, que automaticamente informam a Receita Federal.” Para ele, as mudanças podem pressionar ainda mais um mercado que está em baixa. “Isso cria novos custos, embora pequenos, para os negociantes”, diz. Na hora de comprar e vender, os amantes da arte precisam conferir com cuidado se os documentos que comprovam a origem do quadro e do dinheiro estão em dia. Embora a intenção declarada do Iphan seja coibir a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo, quem negociar obras de arte deve ter em mente que Coaf e o Leão trocam informações de maneira sistemática.

“A intenção é impedir a atuação de criminosos, mas o Fisco vai se aproveitar da maior visibilidade”, diz a advogada Lina Santin: sócia do Santi, Estevão, Simão e Cabrera. “A Receita agora estará mais atenta, porque ela consegue cruzar mais dados e, a partir das declarações para o Coaf, ela terá mais subsídios para a fiscalização.” Por exemplo, o colecionador que deixar de recolher o imposto de 15% sobre ganhos de capital na hora da venda, mesmo que sobre uma obra adquirida no Exterior, com certeza receberá uma visita dos fiscais da Receita. E não será para contemplar as peças remanescentes da coleção.

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