O geólogo Marco Stefanini já passou por diversas crises desde que criou sua empresa de serviços de tecnologia há 30 anos. Portanto, não pode dizer que não esteja acostumado com os solavancos da economia brasileira. Agora, ele e seus pares do setor estão empenhados em uma nova batalha: evitar que o governo volte a onerar a folha de pagamento das empresas de TI. Pelos cálculos do setor, isso seria trágico. Até 80 mil empregos seriam perdidos nos próximos três anos. “Essa medida não tem sentido econômico algum”, afirma o empresário. A Stefanini é uma das mais internacionalizadas empresas brasileiras. Ela está presente em 41 países, conta com 21 mil funcionários e teve faturamento bruto de R$ 2,6 bilhões, em 2016. Nesta entrevista, Stefanini avalia ainda a lei de terceirização, a reforma trabalhista e avisa que quer aumentar ainda mais sua presença internacional. Confira:

DINHEIRO – A Stefanini, a Totvs, a Resource e a BRQ se uniram para lutar contra o fim da desoneração da folha de pagamento, anunciada pelo governo federal. Qual será o impacto para o setor?

MARCO STEFANINI – Na verdade, trata-se de um movimento de todo o setor de tecnologia, incluindo a Brasscom (entidade que representa as empresas de tecnologia) e outras associações. A grande pergunta é por que vamos ficar de fora das desonerações. É preciso resgatar a história das desonerações, que veio para ajudar a formalização do mercado de trabalho no mundo de TI. Era um mecanismo para melhorar o mercado. E deu certo. Em vez de as empresas terem uma parte de pessoas jurídicas (PJ), poderiam ter 100% contratados pela CLT. Isso aconteceu em boa parte do mercado. Nesses cinco anos, tivemos um acréscimo de mais de 100 mil empregos. Quais setores contrataram nesses anos difíceis? Pouquíssimos. Depois, as desonerações se alastraram para muitos setores e viraram uma coisa feia. Mas, na nossa área, os objetivos foram atingidos. Esse é o primeiro motivo porque não concordamos com o fim das desonerações.

DINHEIRO – Quais os outros?

STEFANINI – O segundo ponto é uma questão financeira. Por que o governo tem de acabar com as desonerações? A razão é que ele está perdendo com a arrecadação de tributos. Mas, no setor de tecnologia, não é verdade. Se compararmos o que pagamos de imposto hoje e há cinco anos, o valor aumentou em 50%. Isso aconteceu porque houve um acréscimo de número de funcionários no regime de CLT. Essa medida não tem sentido econômico algum. O fim das desonerações no setor de TI é uma injustiça e uma medida incorreta que vai criar um modelo perde-perde.

DINHEIRO – Por que será um modelo perde-perde?

STEFANINI – Na teoria, o governo vai arrecadar mais. Na prática, grande parte do mercado vai voltar para a PJ. E, nesse caso, o governo arrecada muito menos imposto. O governo não vai conseguir controlar a reação das pequenas e médias empresas. E nós, as grandes empresas, vamos perder duas vezes: com uma carga tributária absurda e não vamos conseguir ser competitivos, porque teremos concorrentes com PJ. É uma medida, em médio e longo prazo, que só está agindo contra.

DINHEIRO – As empresas vão cortar funcionários?

STEFANINI – A Brasscom divulgou uma estimativa que serão perdidos 80 mil empregos nos próximos três anos. Acredito que serão mais. A migração será bem maior. Serão, na minha opinião, de 100 mil a 120 mil empregos. Em um total de 800 mil empregos, acredito que é bastante gente. Lembre também que o Brasil não é uma ilha e faz parte do mundo. Não temos uma estimativa, mas boa parte dos empregos pode ir para o exterior. As tarefas de tecnologia podem ser executadas em qualquer lugar do mundo. Por que não fazer em um país com um custo competitivo melhor do que o Brasil?

DINHEIRO – A Stefanini, que é uma das empresas mais internacionalizadas do Brasil, pensa em fazer essa transferência de funcionários para outros países?

STEFANINI – Acredito que, como negócio, precisamos avaliar todas as alternativas. Estamos falando de uma questão de sobrevivência. O acréscimo tributário é mais do que o dobro do lucro das empresas de serviços de TI. Então, elas não têm como comportar esse aumento tributário absurdo. Como estamos em um mercado fragmentado e competitivo, não conseguimos repassar para os custos.

DINHEIRO – O que o sr. chama de aumento tributário absurdo?

STEFANINI – Estamos falando da ordem de 6% a 8% de impostos em cima do faturamento. Em um setor que tem de 3% a 4% de lucro líquido, vamos ficar no vermelho.

DINHEIRO – O governo está falando em mudar a lei de informática, que dá incentivos apenas quem fabrica hardware. Faz sentido?

STEFANINI – Não consigo entender a lei de informática, que só dá incentivos ao hardware. O valor agregado é produzido no software e nos serviços. Ela é uma lei antiga. A questão dos direitos adquiridos é um grande problema do Brasil. O mundo muda e não é possível manter os mesmo direitos. Ninguém gosta de perder direitos, mas chega uma hora que ou se perde alguma coisa ou se perde tudo. Esse é o caso. Por que não adequar a lei para incluir software e serviço? Vejo todo governante falar que tecnologia é importante. Mas, na prática, eles adotam regras e modelos que não ajudam. Diria até que prejudicam o desenvolvimento tecnológico do País.

Fábrica de semicondutores em Porto Alegre
Fábrica de semicondutores em Porto Alegre (Crédito:Neco Varella)

DINHEIRO – O Brasil acaba de aprovar uma lei de terceirização. Na sua visão, isso é positivo para o seu negócio? A lei não vai legalizar os PJs?

STEFANINI – Há muito mal-entendido nessa questão. A lei de terceirização não tem nada a ver com a “pejotização”. O governo está sim incentivando a “pejotização” através da reoneração. A lei de terceirização regulamenta a relação entre as empresas de serviços de TI e nossos clientes. O que regulamenta as relações entre nós e os nossos funcionários é a CLT. Um dos grandes problema do Brasil é a insegurança jurídica. A lei esclarece essas questões. Terceirização faz parte de um modelo em que a complexidade da cadeia produtiva é cada vez maior e exige empresas especializadas em cada item. Ela procura encerrar essa insegurança jurídica e, em médio e longo prazo, vai melhorar o mercado. Mas não é uma lei que vai incrementar o mercado em seis meses.

DINHEIRO – Quer dizer que nada muda para a Stefanini com a lei de terceirização?

STEFANINI – Não, todos os meus funcionários são contratados em regime
da CLT.

DINHEIRO – O governo federal tenta aprovar também uma reforma trabalhista, flexibilizando as relações de trabalho. Isso é, realmente, necessário?

STEFANINI – A lei CLT é dos anos 40. Como uma lei pode ser atual com 70 anos de defasagem?

DINHEIRO – Mas ela foi atualizada ao longo do tempo…

STEFANINI – Ela praticamente não foi atualizada e existe uma série de jurisprudências que foi tornando-a mais inflexível, mais rígida e mais distante do trabalho atual. Para nós, que somos do mercado de tecnologia, é pior ainda. São normas que procuram regulamentar tudo e isso engessa a economia e o mercado de trabalho. Os dois lados perdem. Se analisar as reformas trabalhistas que estão sendo discutidas, as medidas são muito periféricas. Elas não mexem em nada na essência da lei e em nenhum direito do trabalhador.

DINHEIRO – Quais os pontos que o senhor considera essencial serem alterados?

STEFANINI – Vou dar um exemplo simples. Por que você não pode tirar férias em períodos quebrados? O funcionário não tem senioridade para optar por quatro vezes? Pior, você sabia que, com mais de 50 anos, o empregado tem de tirar um mês de férias seguido? Será que depois dos 50 anos, ele não tem ideia de por qual férias ele quer optar? A lei quer regulamentar até as férias do indivíduo. É demais. É preciso acabar com o conceito de hipossuficiência da Justiça do Trabalho. Você assina um contrato e depois não vale. Em qualquer lugar do mundo, na Argentina ou no México, quando se assina um contrato, ele é válido. O arcabouço legal, em vários aspectos, não tem mais sentido. E ninguém está mexendo no direito do trabalhador: não se reduz o período do férias ou de licença. São uma série de ações periféricas que são importantes para dar o tom de que o Brasil precisa mudar.

O prefeito de São Paulo, João Doria, vestido como lixeiro, em ação nas ruas da capital paulista
O prefeito de São Paulo, João Doria, vestido como lixeiro,
em ação nas ruas da capital paulista (Crédito:Nelson Antoine)

DINHEIRO – O que é essencial para retomada o crescimento?

STEFANINI – As reformas são essenciais. Se a reforma da Previdência não for aprovada, a retomada da economia será impactada. A situação brasileira atual é ruim. Mas daqui a 15 anos será muito pior. Em 15 anos, o Brasil é um dos países que vai envelhecer mais rápido no mundo. Hoje, temos um aposentado para cada nove trabalhando. Daqui a 40 anos, será um para dois. É impossível manter as bases atuais.

DINHEIRO – Diante desse cenário de tributos altos e dificuldade para retomar o crescimento, por que a Stefanini não aumenta sua presença internacional?

STEFANINI – Estamos fazendo isso. Mas não se avança rapidamente. Não vamos tirar o Brasil do foco, que é nossa maior operação, mas, sem dúvida, temos de acelerar a expansão internacional. Essa já era nossa estratégia há muitos anos. Sempre tivemos o objetivo de ter mais faturamento fora do Brasil do que por aqui. Hoje, está 50% a 50%. Nossa próxima meta é ter 75% do faturamento fora do Brasil, sem diminuir o tamanho do Brasil. Vai demorar pelo menos mais do que cinco anos.

DINHEIRO – Como fazer isso?

STEFANINI – Para atingir essa meta e preciso aquisições. Caso contrário, não será possível.

DINHEIRO – Qual o papel dos empresários neste momento de crise política, econômica e moral no Brasil?

STEFANINI – É um papel de cidadão. Precisamos nos posicionar de maneira equilibrada. Em geral, o empresariado brasileiro é balanceado. Mas nossa participação não é política, mas sim econômica. Não podemos ser otimistas demais, porque temos responsabilidades com milhares de empregos. Mas também não podemos ser tão negativos. Temos um papel de liderança importante e deveríamos participar um pouco mais. O João Doria (prefeito de São Paulo) é um bom exemplo. Ele é um empresário que veio do mercado privado e está mostrando claramente uma forma de trabalhar e de resultado muito superior. É uma contribuição.

DINHEIRO – As ferramentas de inteligência artificial estão cada vez mais poderosas. O sr. acredita que elas podem causar um caos social, como disse recentemente o CEO do Alibaba, Jack Ma, ao automatizar uma série de empregos, inclusive os cognitivos?

STEFANINI – Concordo parcialmente. Mas não está muito longe da verdade. Toda revolução industrial causa, no início, mais perdas do que ganhos. Acredito firmemente que, no médio prazo, os ganhos superem as perdas. Essas ferramentas devem afetar mais os países desenvolvidos do que os em desenvolvimento, que têm uma quantidade de empregos com uma boa remuneração.