Realizado anualmente em maio, o encontro anual dos acionistas da Berkshire Hathaway, empresa presidida pelo bilionário Warren Buffett, de 86 anos, é apelidado de “Woodstock do capitalismo”. Depois de apresentar, em poucos minutos, o resultado da Berkshire no ano anterior, Buffett, sempre ao lado de seu sócio, Charles Munger, responde perguntas da plateia por várias horas. Nas respostas, oferece dicas valiosas para os acionistas.

A participação é grande: na edição mais recente, realizada no dia 6 de maio, havia 40 mil presentes ansiosos por ouvir bilionário dedilhar seu virtuosismo financeiro. Porém, para surpresa de todos, a principal canção da tarde foi melancólica. Mesmo podendo comemorar uma valorização de US$ 16 bilhões em seu portfólio no ano passado, Buffett optou por fazer uma autocrítica. Ele comentou seu maior erro em investimentos, ter deixado de apostar no Google, empresa hoje chamada Alphabet.

Hoje, o valor de mercado da dona do Google supera US$ 640 bilhões (R$ 2,02 trilhões), muito mais que os US$ 400 bilhões (R$ 1,23 trilhão) da própria Berkshire, empresa de participações que concentra os investimentos de Buffett. De maneira quase constrangida, o bilionário contou que, em 2004, ele foi visitado por Sergey Brin e por Larry Page, fundadores do Google, logo após a abertura de capital.

Ambos traziam um prospecto da empresa e, claro, buscavam capital. Saíram de mãos vazias. Ao contar o caso aos acionistas, 12 anos depois, Buffett lamentou ter perdido uma excelente oportunidade de aprender com os dois empreendedores sobre seu negócio, deixando de fazer perguntas. Segundo ele, o que torna o caso mais doloroso é que uma das principais empresas de Buffett, a seguradora Geico, já era anunciante do Google. “Eu poderia ter investido logo após o IPO, mas fui muito estúpido para perceber o valor da companhia.”

“Eu poderia ter investido logo após o IPO do Google, mas fui muito estúpido para perceber o valor da companhia”, disse Buffett
“Eu poderia ter investido logo após o IPO do Google, mas fui muito estúpido para perceber o valor da companhia”, disse Buffett (Crédito:Divulgação)

Os comentários representam uma guinada radical na filosofia de investimentos da Berkshire. Durante décadas, Buffett fugiu de investimentos em tecnologia. Ele se justificava dizendo que tecnologia é algo que muda rapidamente e é sujeito a riscos complicados de medir. Ou seja, investimentos difíceis de entender, e que não garantem a chamada margem de segurança – a capacidade de continuar gerando bons retornos mesmo em momentos ruins de mercado, um dos mantras do bilionário.

Sensatas, suas justificativas foram ficando cada vez menos plausíveis à medida que as décadas avançavam. No sábado, ao responder uma pergunta, o bilionário comentou que um dos pilares dos investimentos havia mudado. Em sua trajetória como investidor, explicou, seu trabalho sempre havia sido procurar empresas com muito capital, que o investiam de maneira sábia e rentável.

Agora, disse ele, é possível perceber a mudança olhando as líderes do setor – Apple, Google, Microsoft, Amazon e Facebook. “Combinadas, as cinco maiores empresas de tecnologia do mundo valem US$ 2,5 trilhões e quase não precisam de capital para operar, o que é inédito”, disse ele. “Se você comprar essas cinco empresas poderá operá-las sem capital, e esse é um mundo muito diferente do que existia quando eu comecei a investir.”

“Hoje, a Apple é muito mais uma empresa de bens de consumo do que uma empresa de tecnologia”, disse Buffett
“Hoje, a Apple é muito mais uma empresa de bens de consumo do que uma empresa de tecnologia”, disse Buffett (Crédito:Lukas Barth)

As mudanças já começaram. Buffett surpreendeu ao divulgar sua famosa carta aos acionistas, em fevereiro deste ano, quando anunciou que havia multiplicado por seis os investimentos na Apple. Hoje, a Berkshire é a maior acionista individual da companhia fundada por Steve Jobs, com 72 milhões de ações, avaliadas em
US$ 11 bilhões. Sua explicação foi singela: “eu gosto da companhia”, disse ele. E acrescentou. “Hoje, a Apple é muito mais uma empresa de bens de consumo do que de tecnologia, e possui uma base muito fiel de consumidores.”

Ao mesmo tempo, Buffett fez as ações da IBM caírem quase 4%, ao anunciar, na véspera do evento, que havia reduzido sua participação em 33%. Antes das vendas, a Berkshire possuía 81 milhões de ações, mas essa fatia encolheu para cerca de 55 milhões ao longo do primeiro semestre. “Eu refiz as contas e não avalio a IBM da maneira que fazia quando comecei a investir, há seis anos”, disse ele. “Hoje ela vale bem menos.” Em abril, a IBM anunciou sua vigésima queda trimestral consecutiva nas receitas.

Ela está demorando muito para ganhar competitividade no negócio de computação em nuvem, e enfrentando concorrentes mais ágeis, como a Amazon, de Jeff Bezos. Em 2011, quando Buffett investiu, a IBM mantinha uma estratégia de fazer recompras periódicas de ações para elevar as cotações. Essa filosofia mudou, em 2012, com a nova presidente, Ginni Rometty. Ela passou a privilegiar aquisições em mercados emergentes, para acelerar o crescimento. Buffett não se convenceu.

O mercado também não. As ações estão hoje a US$ 153, 25% abaixo do seu pico de 2013. O revés não desestimula Buffett. Mesmo que venda toda sua participação na IBM, ele deverá fazer novas apostas em tecnologia. Aos 93 anos e ainda na ativa, Munger concorda. “Acho que você ter comprado as ações da Apple é um bom sinal”, disse ele ao sócio e amigo durante a apresentação. “De duas, uma: ou você ficou doido, ou você está aprendendo. Eu prefiro a segunda alternativa.”