Dois importantes acontecimentos econômicos na última semana endossam a percepção de que a crise de confiança no País começa, gradualmente, a ser superada. O primeiro sinal partiu da gigante americana de classificação de risco Moody’s, na quarta-feira 15, que manteve a nota de crédito do Brasil em “Ba2” e elevou a perspectiva do rating dos títulos da dívida de “negativa” para “estável”. Em outras palavras, a agência avalia que o horizonte é mais promissor. “A expectativa da Moody’s de que os riscos de deterioração estão diminuindo e as condições macroeconômicas se estabilizando, enquanto a economia apresenta sinais de recuperação, a inflação está em queda e o cenário fiscal está mais claro”, justificou a agência, em nota.

Retrato da ineficiência: sob administração da Infraero, o aeroporto de Florianópolis era considerado o de pior situação
Retrato da ineficiência: sob administração da Infraero, o aeroporto de Florianópolis era considerado o de pior situação (Crédito:Karime Xavier/Folhapress)

O segundo indício de que a página da crise está sendo virada surgiu no dia seguinte, na BM&FBovespa. O bem-sucedido leilão de quatro grandes aeroportos nacionais – Porto Alegre, Florianópolis, Salvador e Fortaleza –, com vitória de um grupo alemão (Fraport AG Frankfurt Airport Services), um francês (Vinci Airports) e outro suíço (Zurich Airport AG), arrecadou R$ 1,5 bilhão aos cofres do governo e teve ágio superior a 90% do lance mínimo inicial. O negócio irá superar R$ 10 bilhões: considerando-se as outorgas, a arrecadação prevista é de R$ 3,72 bilhões e serão investidos R$ 6,6 bilhões nos terminais.

Dou-lhe uma: o ministro Moreira Franco (no centro, à esq.) comandou o leilão na BM&FBovespa
Dou-lhe uma: o ministro Moreira Franco (no centro, à esq.) comandou o leilão na BM&FBovespa (Crédito:Charles Sholl/Futura Press/Folhapress)

“A concessão desses quatro aeroportos resulta na gestão privada de terminais que representam 12% do total de passageiros atendidos no País”, disse José Ricardo Botelho, presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Para o ministro Moreira Franco, que comanda o Programa de Parceria de Investimentos (PPI), a concessão trará grande melhoria na qualidade dos serviços. “São todas empresas com tradição no exterior e presença em aeroportos que são muito bem avaliados”, disse ele. A maior tacada partiu da Fraport, que levou os aeroportos de Porto Alegre com uma oferta de R$ 290,5 milhões, valor 852% superior ao lance mínimo – e o de Fortaleza, por R$ 425 milhões, com ágio de 18%.

Foram arrematados os aeroportos de Salvador (1), Florianópolis (2), Porto Alegre (3) e Fortaleza (4) por R$ 1,5 bilhão e ágio de mais de 90%
Foram arrematados os aeroportos de Salvador (1), Florianópolis (2), Porto Alegre (3) e Fortaleza (4) por R$ 1,5 bilhão e ágio de mais de 90%

A Vinci arrematou o aeroporto de Salvador por R$ 660,9 milhões (ágio de 113%), enquanto a Zurich levou o terminal de Florianópolis, o mais sucateado e problemático de todos, com oferta de R$ 83 milhões e ágio de 58%. “O porte acanhado do atual aeroporto em nada reflete a pujança da economia catarinense”, disse Ivan Tauffer, especialista em infraestrutura e presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Estado. “A concessão trará outros benefícios, como a injeção de dinheiro, mais empregos e até a possibilidade de atrair investimentos com a ampliação das rotas.”

Ministro dos transportes: Quintella afirma que um plano de resgate da Infraero será apresentado nos próximos dias
Ministro dos transportes: Quintella afirma que um plano de resgate da Infraero será apresentado nos próximos dias

O sucesso da rodada de concessões se tornou ainda mais surpreendente por, dias antes, ter havido a desistência de grandes nomes do setor aeroportuário, como a espanhola OHL, a argentina Inframérica, a italiana AB Concessões, além dos brasileiros Pátria e CCR. O leilão da semana passada representou também a estreia do governo de Michel Temer em seu plano de “privatizar o que for possível” e serviu como uma espécie de laboratório para seu modelo de privatizações, com regras mais favoráveis aos investidores – entre elas, prazos mais flexíveis para análise dos projetos, formas mais claras para pagamentos das outorgas e sistemas mais seguros de proteção ao estrangeiro em caso de oscilações do real frente ao dólar.

Outra mudança importante, e talvez a mais positiva de todas, foi a decisão de acabar com a obrigatoriedade de participação da ineficiente e deficitária estatal Infraero no capital dos aeroportos concedidos, modelo fracassado elaborado no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, no período pré-Copa. “O que afugentava os investidores era o fato de ter a Infraero como sócia”, afirma o advogado especialista em concessões Fernando Villela, sócio do setor regulatório do escritório Siqueira Castro Advogados. “Este leilão mostra que bons ativos e regras claras aguçam o apetite dos investidores em apostar no Brasil.” Em paralelo ao programa de concessões do setor aéreo, o governo prepara um amplo plano de reestruturação da Infraero.

Presidente da infraero: Claret diz que a concessão vai gerar redução de 20% na receita e que um socorro é inevitável
Presidente da infraero: Claret diz que a concessão vai gerar redução de 20% na receita e que um socorro é inevitável (Crédito:Ruy Baron Valor/DF)

Pela primeira vez na história, a estatal passa de protagonista a coadjuvante na gestão dos aeroportos brasileiros. Antes do leilão da semana passada, a Infraero comandava 53,3% dos terminais nacionais, enquanto grupos privados administravam 46,7%. Agora, as posições se inverteram: 59,1% para a iniciativa privada e 40,9% para o governo. “A perda dos quatro aeroportos vai fazer com que a receita caia mais 20%, o que agrava a situação da empresa do ponto de vista financeiro”, disse o presidente da Infraero, Antônio Claret. Segundo ele, será necessária uma ajuda do governo federal para manter compromissos e os investimentos já estabelecidos. Em 2015, a Infraero teve prejuízo de R$ 3 bilhões. Em 2016, o resultado ficou negativo em R$ 767 milhões.

O ministro dos Trans-portes, Maurício Quintella, no entanto, disse que já está em fase final a elaboração de um projeto de reestruturação da Infraero. O plano, antes de ser divulgado, será enviado para avaliação do Tribunal de Contas da União (TCU). Sabe-se, porém, que a ideia é abrir o capital e repartir a Infraero em quatro operações distintas, uma para se dedicar à operação de controle aéreo, uma focada em prestação de serviços aeroportuários, para cuidar da participação da estatal nas concessões dos aeroportos de Guarulhos, Campinas, Brasília, Galeão e Confins e, por último, outra que administrará os demais terminais, entre eles Congonhas, Santos Dumont, Curitiba, Pernambuco, Manaus, Goiânia e Vitória.

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