Conhecido por seu humor cáustico, o banqueiro Pedro Moreira Salles, atual copresidente do Conselho de Administração do Itaú Unibanco, foi claro sobre o que os acionistas esperam do novo presidente executivo do banco. Durante a entrevista coletiva, convocada em novembro de 2016, para anunciar que Candido Bracher seria o sucessor de Roberto Setubal, Salles disse que o Conselho sabia como motivar Bracher. “Nas apresentações para investidores há um quadro com as realizações do Roberto nesses 23 anos na presidência”, disse ele. “Vamos ampliar, emoldurar e pendurar perto da mesa do Candido.”

Cirurgicamente precisa, a frase mostra o desafio à frente de Bracher, que tomou posse na terça-feira 2. É possível resumir os 23 anos de gestão de Setubal em dois números. Nesse período, o valor de mercado do Itaú Unibanco subiu 2.200% em dólares, de US$ 3,1 bilhões para US$ 73,5 bilhões. Para comparar, a capitalização da Berkshire Hathaway, empresa de Warren Buffett, avançou pouco mais de 1.100% no mesmo intervalo. Setubal, que agora divide com Moreira Salles a presidência do Conselho de Administração, transformou uma empresa que disputava o segundo lugar entre os bancos privados no maior banco em valor de mercado da América Latina.

A transição agradou os analistas, que enxergam continuidade na estratégia. Segundo Adeodato Volpi Netto, estrategista-chefe da Eleven Financial, o processo foi bem conduzido. “A saída de Setubal foi bem preparada, a sucessão foi transparente e, no momento, acreditamos na valorização das ações”, diz ele. Apesar do otimismo, a tarefa de Bracher não será simples. Além da comparação com Setubal, ele terá um desafio adicional. Nunca os bancos enfrentaram tantos concorrentes com potencial de provocar mudanças disruptivas, e isso vai além da queda estrutural dos juros brasileiros, que sempre renderam ganhos polpudos aos banqueiros.

Quando Setubal assumiu, banco de varejo era baseado em presença física e em transações: milhões de clientes pagando contas nas agências. Hoje, a atividade bancária tornou-se virtual, migrando para a internet e para aplicativos de celular. No fim de 2016, 73% das transações processadas pelos computadores do Itaú eram realizadas por meio de canais eletrônicos. Mais da metade delas envolvem celulares. “E ainda estamos apenas arranhando a superfície desse negócio”, disse Setubal em agosto de 2016, quando o banco foi escolhido a empresa do ano pelo anuário AS MELHORES DA DINHEIRO.

Melhor que Buffett  em seus 23 anos como presidente, Roberto Setubal transformou o segundo maior banco privado do Brasil na instituição financeira com maior valor de mercado da América latina
Melhor que Buffett: em seus 23 anos como presidente, Roberto Setubal transformou o segundo maior banco privado do Brasil na instituição financeira com maior valor de mercado da América latina (Crédito:Bruno Poletti/Folhapress)

Em fevereiro ao comentar os resultados anuais pela última vez, Setubal disse que, até dezembro, todas as operações realizadas nos caixas automáticos estarão disponíveis no celular. Os gastos com tecnologia podem chegar a US$ 2 bilhões. Isso representa uma guinada radical na atividade bancária. Quando Setubal tomou posse, agência era uma vantagem. Agora é uma dor de cabeça. Segundo dados do Banco Central (BC), no fim de 1995, o então Itaú tinha 1.022 agências. No fim de 2014, esse número havia avançado para 3.885, mas retrocedeu 10% no fim de 2016, encolhendo para 3.494 agências.

Essa tendência vai continuar. Em sua primeira teleconferência com analistas, na quarta-feira 3, Bracher disse que o banco deve fechar 180 pontos de venda até dezembro. E essa é apenas uma das mudanças. Em tempos de fintechs, bitcoins, mercados virtuais e cartões de crédito sem tarifas, dois indivíduos que não se conhecem, falam línguas diferentes e moram em hemisférios opostos podem fazer negócios instantâneos de maneira segura. É questão de tempo para eles começarem a questionar se precisam de um banco para intermediar essas transações.

Tudo isso está no topo da agenda de Bracher. “Ele é um super executivo”, disse Setubal em fevereiro. Nos seis meses entre sua indicação e a posse, Bracher – que fez carreira em bancos de investimento e que liderava o Itaú BBA, cuidando das operações de atacado – aproveitou para se inteirar da tecnologia e dos macetes do varejo. “Estamos aproveitando a transição para discutir temas sobre as diversas áreas”, disse Setubal.

Seu sucessor é um banqueiro no sentido clássico. Filho do banqueiro Fernão Bracher, ex-presidente do BC, casado, com três filhos, o discretíssimo Candido, 58 anos, é administrador de empresas. Exigente, atento aos detalhes e trabalhador infatigável, é um negociador duro e minucioso, mas cordial. Só eleva a voz nos gols do Santos, time do seu coração e também do de Setubal. Quando o assunto é futebol, os dois concordam. Na gestão do Itaú Unibanco, só o tempo dirá. Procurados, os executivos não concederam entrevista.

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