Os moradores da cidade inglesa de Dover tiveram uma surpresa ao acordar na segunda-feira 8. Um mural do artista plástico Banksy, famoso por seus grafites, retratava a saída do Reino Unido da mais importante integração regional do globo, a União Europeia, no evento conhecido como Brexit. A obra passou a estampar a fachada do edifício Castle Amusements, ao lado da balsa que une o país com a França pelo Canal da Mancha. Nela, um trabalhador destrói uma das doze estrelas da bandeira europeia.

A data de finalização não podia fazer mais sentido. Um dia antes, os franceses haviam selado seu destino com a região, ao escolher nas urnas o candidato que apoiou a permanência da França na União Europeia. O centrista e pró-mercado Emmanuel Macron, do partido En Marche!, foi eleito com 66% dos votos. A vitória é um suspiro a favor da integração regional e da globalização, amplamente combatidas pela extrema-direita, personificada pela sua rival Marine Le Pen, ao longo da polêmica corrida presidencial.

Renovação: vitória do jovem Macron (acima) afasta o risco do extremismo de direita se espalhar pela Europa
Renovação: vitória do jovem Macron (acima) afasta o risco do extremismo de direita se espalhar pela Europa (Crédito:AFP Photo / Patrick Kovarik)

“A União Europeia agora respira aliviada e com certa credibilidade”, disse Patricia Krause, economista-chefe para a América Latina da seguradora de crédito Coface, em entrevista ao programa Dinheiro na Semana (confira a íntegra no site da revista). “Macron é uma figura pró-mercado e dará mais força às negociações do bloco.” Após o pleito com uma das maiores taxas de abstenção desde a eleição de 1969, Macron, o mais jovem presidente francês desde o Napoleão Bonaparte, terá o desafio de atenuar a polarização da campanha e conquistar os céticos. Em junho, buscará a governabilidade nas eleições legislativas.

O presidente, de um partido sem tradição como o dele, com apenas um ano de existência, terá de obter ao menos 290 cadeiras de um total de 577. “A eleição parlamentar será crucial para definir o futuro da França”, diz Lilian Furquim, professora da Escola de Economia de São Paulo (SP-FGV). “Sabemos das dificuldades de implementar reformas sem apoio do legislativo, passamos por isso no Brasil.” Na última semana, Macron ganhou um apoio de peso.

O ex-premiê Manuel Valls anunciou disposição para trocar o Partido Socialista pelo Em Marche!, na disputa parlamentar. Passada a eleição, o desafio será no campo econômico. Seu plano de governo prevê seis reformas, incluindo as polêmicas trabalhistas e de seguridade social. O objetivo é estimular investimentos e reduzir gastos públicos, drama pelo qual o Brasil também passa. Em outra frente, os impostos corporativos devem ser reduzidos de 33,3% para 25% e haverá incentivos fiscais para pequenas e médias empresas.

Protestos: as novas ideias, porém, fizeram parte da população francesa iniciar onda de manifestações
Protestos: as novas ideias, porém, fizeram parte da população francesa iniciar onda de manifestações (Crédito:Citizenside/Quentin Veuillet)

O centrista quer rever os regimes de contratação entre empregado e empregador, reduzir o gasto público em € 60 bilhões e enxugar a máquina de servidores públicos. O plano de investimentos para os próximos anos é de € 50 bilhões. “Ainda é difícil estimar a magnitude dessas propostas, mas elas parecem mexer mais nas bordas do que provocar mudanças radicais”, afirma Peter Nagle, economista do Institute of International Finance, de Washington. “A reforma no mercado de trabalho é desesperadamente necessária para reduzir a elevada taxa de desemprego do país.” O nível do desemprego ronda os 10% e chega a 25% entre os jovens de até 25 anos.

Assim como no Brasil, a economia francesa precisa modernizar os regimes de trabalho e o sistema social. O agravante no caso francês atende por União Europeia. Com a defasagem na mão de obra e perda de fôlego em inovações, o país é menos competitivo que os parceiros do bloco. A dívida pública francesa equivale a 121% do PIB, segundo dados da OCDE, um dos piores resultados da integração regional, atrás apenas de Portugal e Espanha.

O aumento do gasto tem relação com o inchado funcionalismo público, assim como uma maior demanda por benefícios da seguridade social. Para tentar correr atrás do prejuízo, o jovem presidente pretende estimular programas de educação e modernizar a economia com incentivos à inovação e projetos de proteção ambiental. Seu governo será um teste para a renovação política no continente. Se não obtiver sucesso, ele dará mais espaço para a crescente onda extremista e antiglobalização, liderada líderes como a francesa Marine Le Pen e o presidente americano, Donald Trump.

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