Polêmica, a reforma trabalhista, aprovada há duas semanas, ainda deve ser alvo de muita discussão nos próximos meses – especialmente no que se refere ao fim do imposto sindical obrigatório. Entre apoiadores e detratores, há quem preste mais atenção aos detalhes da legislação e enxergue oportunidades ainda pouco exploradas. “Existe um lado da reforma trabalhista que não está sendo considerado pela mídia ou pelas empresas”, afirma Raul Moreira, presidente da Alelo, maior empresa brasileira de administração de benefícios, como vale-refeição e transporte.

O executivo se refere à alteração de dois artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o 457 e o 458, que tratam da definição do que constitui salário, e o que constitui prêmios e benefícios, na remuneração do trabalhador. Segundo Moreira, com a reforma, ficou tudo mais claro. “Antes, se uma empresa concedia um prêmio ao funcionário, ela corria o risco do valor ser considerado parte do salário e ter de pagar os encargos”, afirma. “Agora não.” Isso abre um novo leque de oportunidades para companhias como a Alelo, em um setor, o de benefícios, que deve movimentar cerca de R$ 140 bilhões, neste ano.

Atualmente, 90% dos negócios da companhia estão ligados ao Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), que completou 40 anos no ano passado. O programa federal concede incentivo fiscal a empresas que oferecem vale-refeição aos funcionários. Cerca de 20 milhões de trabalhadores contam com o benefício, no Brasil. A Alelo, uma joint venture entre os bancos Bradesco e Banco do Brasil, no entanto, vem há mais de um ano tentando diversificar sua atuação para além dos almoços.

Bilhetagem: a Alelo considera participar da licitação para assumir a gestão do Bilhete Único, da prefeitura de São Paulo (Crédito:Paulo Liebert)

A ideia é oferecer aos clientes – atualmente são mais de 100 mil – o serviço de gestão de benefícios. Ele prevê uma alocação mais eficiente dos recursos, levando em consideração o perfil do empregado. Além dos tradicionais vale-refeição e vale-transporte, a Alelo tem em seu portfólio produtos como vale-cultura, para ser usado em cinemas, teatro e afins; vale-saúde, para a compra de remédios e pagamento de consultas; e pode até oferecer soluções como “vale-Uber”, ou qualquer outra companhia de compartilhamento de carros. “A economia do compartilhamento é uma tendência e nós queremos fazer parte desse processo”, afirma Moreira. “Com a reforma trabalhista, tudo fica mais fácil.”

Nos próximos três anos, a meta é fazer com que a área de alimentação passe a representar 70% dos negócios, e não mais 90%. Ao mesmo tempo, a previsão de crescimento está na casa dos 10% ao ano (a companhia não divulga dados de faturamento). Ou seja, grande parte desse avanço virá das novas áreas. Especialistas em direito trabalhista consultados por DINHEIRO afirmam que, de fato, ficará mais fácil para os empregadores oferecerem benefícios. “A nova legislação deixa mais claro o que é e o que não é salário”, diz Gisela Freire, sócia do escritório Souza Cescon.

Uma mudança significativa está no entendimento do que é premiação. A nova redação esclarece que, mesmo se for recorrente, o pagamento de prêmios não constitui salário, desde que esteja vinculado a um desempenho extraordinário. “É uma forma importante de incentivo da produtividade”, diz Moreira, da Alelo, que tem soluções para esse tipo de remuneração. Há o risco de fraude, obviamente. Mas a empresa que tentar maquiar o pagamento de salários por meio de benefícios, para evitar os encargos, por exemplo, estará sofrendo o mesmo risco jurídico anterior à reforma.

“No direito trabalhista, vale o princípio da primazia da realidade”, afirma Osvaldo Kusano, sócio do escritório Brasil Salomão e Matthes. Ou seja, se o empregado provar que recebe salário em forma de benefício, vale a realidade dos fatos, e não o que está escrito. Para a Alelo, é a chance de avançar na estratégia de diversificação, uma decisão que foi tomada há algum tempo, mas esbarrava nesse “limbo jurídico”. Uma nova frente de atuação pode estar, inclusive, no setor público. Moreira não descarta participar da licitação para assumir a gestão do Bilhete Único de São Paulo, que a gestão do prefeito João Dória pretende privatizar. A empresa já teve reuniões com a prefeitura paulista.

Agora, a Alelo não está sozinha nessa corrida. Dona de cerca de um terço do mercado, a companhia é líder no segmento, mas enfrenta forte concorrência das francesas Ticket e Sodexo. No ano passado, a Edenred, dona da Ticket, anunciou que estava ampliando seus serviços de gestão de despesas no Brasil, como parte de uma estratégia para dobrar o volume mundial de emissões. A empresa também comprou a brasileira Embratec, especializada em gestão de frotas, por R$ 790 milhões. Em parte, esses movimentos são incentivados pela expectativa da volta do crescimento do emprego. Se Brasília não atrapalhar, empregados e empregadores poderão dividir muitos benefícios. E a Alelo poderá lucrar com esses privilégios.