Na década de 1990, fazia parte da rotina de um grande empresário paulista visitar a Suíça com a família a cada três anos. Antes de rumar para Klosters, uma das estações de esqui mais exclusivas do mundo, ele passava pela capital, Berna, para dar uma olhada no dinheiro depositado em um banco local. O tempo passou. O empresário comprou uma casa em Miami para as férias. Em 2016, ele resolveu aproveitar o programa de repatriação de recursos promovido pelo governo. Ao organizar os documentos que enviaria a seu advogado, o empresário encontrou um post-it amarelecido entre os extratos bancários.

Em três linhas, estavam escritos o nome de um executivo no banco suíço, um número de telefone, os dados de uma conta e uma cifra: US$ 20 milhões. Muito dinheiro, mesmo para quem regularizou mais de US$ 200 milhões. Abismado, o empresário percebeu que simplesmente havia esquecido uma das dezenas de contas que tinha na Suíça. Verídica, essa história mostra o que deve mobilizar advogados tributaristas e bancos de investimento neste ano: o que fazer com o dinheiro que estava no Exterior, e que agora se tornou visível. O chamado programa de repatriação de recursos comprovou legalmente a existência de R$ 169,9 bilhões.

A regularização custou 30% em impostos e multas, e permitiu à Receita Federal arrecadar R$ 50,9 bilhões. No entanto, o dinheiro que ficava incógnito não se animou a voltar ao Brasil. “Esses recursos não devem retornar, pois não há vantagens para isso, como alíquotas de imposto menores que as internacionais”, afirma George Wachsmann, sócio da gestora de patrimônio GPS, que é controlada pelo grupo suíço Julius Baer. “O que deve ocorrer é uma troca de bancos, como aconteceu nos países onde houve programas semelhantes de regularização de recursos.”

Ou seja, regularizado, o dinheiro deve sair da Suíça, onde as tarifas são mais altas e a rentabilidade é menor, e migrar para destinos com menos impostos, ganhos maiores e custo de administração menor. Os destinos mais prováveis são paraísos fiscais como Bahamas e Ilhas Cayman, e alguns estados americanos. Os bancos daqui já se mobilizam. Dias antes do Natal de 2016, os clientes do private bank do Itaú Unibanco participaram de uma palestra. O mesmo deve ocorrer, antes do carnaval, no Santander e no JP Morgan. Procurados, os bancos não comentaram.

CUIDADOS: José Henrique Longo, do PLKC: “Tributação e sucessão são as primeiras preocupações de quem regulariza os recursos”
CUIDADOS: José Henrique Longo, do PLKC: “Tributação e sucessão são as primeiras preocupações de quem regulariza os recursos” (Crédito:Felipe Gabriel)

O advogado tributarista José Henrique Longo, sócio do escritório PLKC, avalia que agora é a hora de reunir esses recursos espalhados em um veículo de investimento mais eficiente. Por exemplo, um fundo proprietário, companhias offshore, fundações ou mesmo trusts no Exterior. Longo comandou a regularização dos recursos de 250 famílias que, juntas, somaram 5% do valor arrecadado com a repatriação. Encerrado o processo, em 31 de outubro, Longo constatou que o movimento em seu escritório não diminuiu. Nos meses após a repatriação – que ele prefere chamar de regularização – seus clientes o procuraram para reorganizar a dinheirama, ganhando mais, pagando menos impostos e, se possível, acertando a sucessão. “Tributação e sucessão são as primeiras preocupações de quem regulariza os recursos”, diz.

Para começar, tudo depende da quantia. Quem tem de US$ 2 milhões a US$ 5 milhões pode optar por uma companhia offshore. Sua vantagem é que só é preciso pagar imposto quando houver distribuição de lucros aos acionistas. Se não houver resgate, não se paga imposto, cuja alíquota é progressiva e pode chegar a 27,5%. É preciso publicar balanços e o custo, segundo Longo, costuma ser de cerca de US$ 1.500 ao ano.
Já os fundos são empresas, que podem ter ações ordinárias e preferenciais, e são capazes de abrigar vários investidores.

Os mais simples custam ao redor de US$ 10 mil por ano. Caso o fundo seja proprietário, parecido com um fundo exclusivo no Brasil, as exigências dos reguladores são maiores. Isso eleva os custos, que partem de US$ 50 mil por ano. Há casos em que a remuneração é um percentual dos recursos. Sempre que houver ganho de capital acima de R$ 35.000, haverá a incidência de imposto no Brasil. A alíquota varia entre 15% e 22,5%. O próximo degrau é o das fundações, muito usadas por famílias bilionárias no Brasil. Uma fundação é uma estrutura jurídica.

Tem conselho e diretoria executiva, e administra e distribui o patrimônio, ou sua renda, entre os beneficiários. Ela pode ser dona de uma companhia offshore. Sua maior vantagem é que o fundador de uma empresa, por exemplo, pode determinar o destino do patrimônio. Essa opção é recomendada para quem tem a partir de US$ 10 milhões, uma vez que ela custa entre US$ 5 mil e US$ 10 mil por ano. Entre suas vantagens estão a dispensa de testamento no exterior e de trâmites burocráticos para a transferência de patrimônio em caso de morte. A desvantagem é que é preciso cuidar do dinheiro.

Se os conselheiros ou diretores forem descuidados, os recursos poderão ser mal geridos. “A fundação é muito usada por quem tem filhos pequenos, ou inabilitados para gerir os bens, porque pode pagar quantias determinadas ao longo do tempo, inclusive por mais de uma geração”, diz Márcia Setti, advogada do PLKC. Também indicado para quem tem mais de US$ 10 milhões, o trust não é reconhecido pela Receita Federal nem pelo Banco Central, mas vem ganhando adeptos entre os endinheirados brasileiros. Sua popularização, porém, esbarra em uma questão cultural. Ao montar o trust, é preciso transferir os bens para outra pessoa, o chamado trustee, um administrador que passa a deter a propriedade fiduciária dos recursos. Há ainda a figura do protector, cuja função é vigiar o trustee.

O trust é regido por dois contratos: a escritura, com as regras básicas, e a carta de desejos, que define a preservação e a distribuição dos bens. Seu custo varia entre US$ 5 mil e US$ 10 mil ao ano. Como não é reconhecido no Brasil, o trust abre espaço para que a Receita Federal cobre Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), cujas alíquotas variam entre 2% e 8%, dependendo do Estado da Federação, mesmo que os beneficiários não recebam os bens, que estão em nome do trustee. Já nos Estados Unidos ele dispensa o testamento e inventário e evita o imposto sobre herança, cuja alíquota começa em 40%.

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