As novas regras para o setor elétrico, colocadas em consulta pública pelo Ministério de Minas e Energia, tendem a travar o crescimento do ambiente de contratação livre de energia no curto prazo, muito embora uma das propostas seja de liberalização do mercado, avaliam comercializadores de energia. Isso porque, embora proponha a redução dos limites para acesso ao mercado livre, o texto em discussão sugere uma abertura gradual a novos consumidores, entre 2020 e 2028, mas ao mesmo tempo acaba com a chamada “comunhão de cargas”, isto é, com a possibilidade que consumidores de áreas contíguas, ou com diferentes unidades de consumo para um mesmo CNPJ, possam somar cargas para viabilizar a migração. Além disso, determina que, a partir de janeiro de 2018, consumidores com carga inferior a 1 MW sejam representados por um agente de comercialização perante a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), o chamado comercializador varejista.

“Em vez de ampliar o mercado livre, essa proposta diminui o conjunto de consumidores que pode migrar”, disse o presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), Reginaldo Medeiros. Ele argumenta que, pelos critérios estabelecidos na proposta, em um primeiro momento um grupo significativo de consumidores, da ordem de até 10 mil unidades, deixa de ter acesso ao mercado livre, e só voltará a poder realizar a migração em cinco anos ou mais.

Atualmente, podem migrar para o mercado livre consumidores com carga superior a 3 MW. Para aqueles entre 3 MW e 500 KW, a migração é possível, desde que o consumidor adquira energia das chamadas fontes incentivadas (parque eólicos, usinas solares, pequenas centrais hidrelétricas-PCHs ou usinas a biomassa). Este último segmento é o responsável pelo forte movimento de migrações observado desde o ano passado, beneficiado pelo desconto nas tarifas de transmissão e distribuição que essa energia proporciona.

Boa parte das migrações nesse segmento é de unidades consumidoras que isoladamente não chegam a uma carga de 500 KW, mas se associam a outras unidades para chegar a esse volume. Tratam-se de redes varejistas, hotéis, universidades, ou pequenas unidades produtivas de um mesmo grupo. Segundo Medeiros, esse segmento de consumidores chega a representar 65% da carteira de clientes de algumas comercializadoras associadas à Abraceel. “Não temos um número para Brasil, ainda estamos estudando isso, mas essa mostra é relevante”, disse.

O governo, ao mesmo tempo em que quer ampliar o mercado livre – que hoje responde por 30% do consumo nacional -, pretende reduzir os subsídios setoriais, incluído aquele a fontes incentivadas no mercado livre. Ao mesmo tempo, procura encontrar um ritmo de abertura que não prejudique as distribuidoras de energia, que deverão ter sua base de clientes reduzida com o movimento.

Para isso, propõe que a partir de 2018 as migrações por esse modelo de “comunhão de interesses” não serão mais possíveis. E determina um cronograma de ampliação do mercado livre “convencional” (com livre escolha do fornecedor) gradual, reduzindo a carga dos atuais 3 MW para 2 MW a partir de 2020, até chegar aos 500 KW em 2022, e 75 KW em 2028.

“De imediato, a proposta retira o direito de migração de um conjunto de consumidores, com a promessa de devolver mais tarde”, resumiu Medeiros. “E são comércios e pequenas indústrias que estão se recuperando da crise e buscando meios de ampliar a competitividade e encontram na migração uma alternativa”, acrescentou.

O gerente de gestão de clientes do Grupo Delta, Reinaldo Ribas, acrescenta que a falta de detalhes de como serão tratados os consumidores que estão em processo de migração também gera dúvidas, porque não há detalhes de como fica a situação de quem já acertou contratos de compra de energia no mercado livre mas possivelmente não concluirá a operação até a virada do ano.

Ele também cita que para alguns consumidores com carga superior a 500 KW a migração pode não ser competitiva isoladamente, mas apenas com a inclusão de outras unidades de consumo menores pertencentes ao mesmo grupo econômico. “Para alguns consumidores, a migração faz mais sentido se há a junção com uma segunda unidade de carga menor. Se ele não puder juntar, pode não ser interessante”, comenta.

Ribas também critica a sinalização de que a partir de 2018 consumidores com carga inferior a 1 MW devem migrar necessariamente por meio do consumidor varejista. “Essa proposta pode ser um tiro no pé, esse modelo ainda enfrenta muita resistência”, diz, comentando que os agentes e a Câmara Comercializadora de Energia Elétrica (CCEE) ainda buscam aprimorar o modelo. Um dos principais questionamentos dos agentes é quanto à potencial inadimplência dos consumidores, mas a proposta governamental não dá respostas para essa preocupação.

A Abraceel deve apresentar na consulta pública sobre as propostas de novo marco legal uma contribuição sugerindo, entre outras coisas, o fim imediato do segmento de energia incentivada, mas concomitantemente com uma redução dos limites de acesso para 200 MW, contou Medeiros. Ele admite que, para isso, o governo também precisaria regulamentar a permissão para que distribuidoras vendam no mercado livre suas sobras de energia. Essa permissão já foi aprovada em lei, no ano passado, mas nunca foi regulamentada.