Com uma dívida de R$ 2,36 milhões com fornecedores e prestadores de serviços, a Prefeitura de São Luiz do Paraitinga cancelou o tradicional Carnaval de Marchinhas, que atrai milhares de pessoas todos os anos à estância turística no Vale do Paraíba, localizada a 175 quilômetros da capital paulista. Em tom de pesar, a nota oficial informa que “a realização do Carnaval desequilibraria ainda mais as contas públicas, afetando setores essenciais, como saúde, educação e transporte, não podendo a atual administração ficar indiferente à sua responsabilidade de gerir com sensatez e eficiência o município diante de uma grave crise financeira”.

A exemplo desta pequena cidade paulista de pouco mais de 10 mil habitantes, inúmeros municípios espalhados pelo País tiveram de cancelar ou encolher as festividades que dependiam de verba pública. Diante da caótica situação fiscal de Estados e municípios, o único caminho responsável para os governantes programarem um Carnaval menos austero, em 2018, passa necessariamente pelo corte de gastos e pela vendas de ativos. As privatizações são a espinha dorsal do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o programa da União que prevê contrapartidas dos Estados que receberem ajuda.

O RRF, que ainda será debatido e votado no Congresso Nacional, prevê a venda de ativos estaduais nos setores financeiro, de energia e de saneamento. O primeiro passo foi dado justamente por quem está no topo da lista de dificuldades financeiras: o Rio de Janeiro. Na segunda-feira 20, a Assembleia Legislativa aprovou, sob fortes protestos de servidores no lado externo, o projeto que permite a privatização da Cedae, a companhia de saneamento do Rio de Janeiro. Com isso, a administração do governador Luiz Fernando Pezão poderá oferecer as ações da empresa como garantia ao empréstimo de R$ 3,5 bilhões junto a bancos federais.

Muralha humana: Policiais protegem a Assembleia Legislativa, que aprovou, na segunda-feira 20, a venda da companhia de saneamento Cedae
Muralha humana: Policiais protegem a Assembleia Legislativa, que aprovou, na segunda-feira 20, a venda da companhia de saneamento Cedae (Crédito:Wilton Junior/Estadão Conteúdo)

O dinheiro será necessariamente utilizado para pagar os salários atrasados do funcionalismo. A decisão do Legislativo fluminense quebra uma importante barreira ideológica contra as privatizações. Curiosamente, a oposição à venda de ativos parece ser mais intensa justamente nos Estados que estão com maior dificuldade no caixa. Além do Rio, Minas Gerais e Rio Grande do Sul já decretaram estado de calamidade financeira, mas será necessária uma articulação política forte o suficiente para aprovar a venda de suas joias, como a Cemig e o Banrisul, respectivamente.

“Não dá para Estados e municípios quebrados continuarem a ter ativos públicos que sirvam de cabide de emprego”, afirma Alex Agostini, economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating, que elenca inúmeros benefícios das privatizações. “Além de gerar recursos para o caixa e reduzir os gastos com essas empresas, a privatização tende a melhorar os serviços prestados à sociedade, aumentando, inclusive, a arrecadação de impostos.” Para que os Estados possam contrair novos empréstimos, o governo federal pretende suspender temporariamente as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal.

 O presidente Temer e o ministro Meirelles não abrem mão das contrapartidas dos Estados
O presidente Temer e o ministro Meirelles não abrem mão das contrapartidas dos Estados (Crédito:Jorge William)

Outro ponto defendido pela equipe econômica nas negociações é a redução de incentivos tributários que foram concedidos a empresas privadas. O RRF prevê ainda um benefício muito importante para os Estados que estão com a corda no pescoço. Trata-se do congelamento do pagamento da dívida com a União por um prazo de até três anos, prorrogável pelo mesmo período. Até lá, os governadores precisarão promover programas de demissão voluntária para enxugar a máquina pública. De todas as exigências colocadas no projeto, uma, em especial, tem potencial para gerar manifestações ruidosas do funcionalismo público.

É a elevação da contribuição previdenciária dos servidores ativos, inativos e pensionistas para, no mínimo, 14%. Se necessário, o Estado ainda poderá criar uma alíquota extraordinária e temporária. “A sociedade tem de fazer uma escolha entre aumentar a contribuição previdenciária ou reduzir os benefícios”, afirma Gesner Oliveira, o economista e sócio da consultoria GO Associados. “É o único jeito de manter o sistema solvente. Não tem milagre.” Gesner, que presidiu a Sabesp (companhia de saneamento do Estado de São Paulo) entre 2007 e 2010, aprova a decisão dos deputados fluminenses de privatizar a Cedae, que tem perdas de faturamento da ordem de 50%.

Na sua avaliação, os Estados de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul poderão aproveitar o exemplo do Rio para aprovar a venda de algumas de suas estatais. O governo, por ora, comemorou. “É uma medida de conscientização da classe política de que a situação financeira do Estado do Rio é muito grave”, afirmou o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ao comentar o resultado da votação na Assembleia Legislativa. “Precisam ser tomadas medidas para que o Estado possa voltar a pagar suas contas, pagar salários, aposentadorias e fornecedores.” Já ficou claro para os governadores que, sem as privatizações, não haverá socorro aos Estados.

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