Vivendo no Brasil há dois anos e meio, o executivo francês Thierry Fournier enfrentou, no comando da gigante Saint-Gobain, a pior crise econômica da história do País. Foi um enorme desafio para a multinacional francesa que é conhecida por aqui pelas marcas Telhanorte, Brasilit e Quartzolit. Há poucos dias, ele assumiu a presidência da Câmara de Comércio França-Brasil (CCIFB-SP), que reúne cerca de 800 associados. Uma pesquisa inédita da entidade mostra que os franceses estão em busca de oportunidades principalmente nos setores de saúde e farmácia (30%), agroalimentação (16%), TI (13%) e energia e meio ambiente (11%). De todos os problemas que o Brasil apresenta no ambiente de negócios, os mais citados são marco regulatório (25%), burocracia (25%) e carga tributária (20%). “O pior é a burocracia. É a complexidade tributária”, afirma Fournier, que recebeu a DINHEIRO na sede da empresa, em São Paulo. “O Brasil precisa de investimentos e desenvolvimento econômico, e não de mais impostos.”

DINHEIRO – De que forma os empresários franceses estão enxergando esse momento econômico do Brasil?

THIERRY FOURNIER – Eu diria que o pior já passou. A avaliação dos associados é de que 2016 foi um ano muito difícil e que 2017 deve ser um ano de transição. Há setores que terão um bom ano, como os de alimentação, saúde, farmacêutico e tecnologia. Estão bombando. De outro lado, estão varejo, material de construção e outros que sofrem com queda do poder aquisitivo, do emprego e da confiança dos brasileiros. Acho que consolidamos a chegada ao fundo do poço e agora vamos para uma retomada mais clara em 2018.

DINHEIRO –Qual deve ser o ritmo de crescimento?

FOURNIER – Ninguém acredita que o Brasil voltará a registrar um crescimento espetacular como ocorreu na década passada. Estamos nos preparando para uma retomada lenta, porém mais consolidada e duradoura. Com crescimentos de 2% a 2,5% do PIB, só retomaremos o patamar de 2012 em 2020. Acabaram os anos de expansão de 4% a 5%.

DINHEIRO – É mais saudável crescer menos e sem voo de galinha?

FOURNIER – O perfil de sobe-desce é típico de país emergente. É muito difícil reagir quando o mercado cresce demais ou quando cai demais. Nesses casos, os ajustes na produção, no recrutamento de funcionários etc. são muito grandes. Isso cansa, é difícil para a empresa.

DINHEIRO – As recentes notícias positivas, como a geração de emprego formal, o leilão de aeroportos e a queda da inflação, injetaram um novo ânimo nos empresários?

FOURNIER – Claro. Esses indicadores mostram que já estamos no começo da retomada. Após a liberação dos preços administrados, era natural imaginar a queda da inflação. Mas a queda da inflação não vale nada se não houver uma redução equivalente dos juros. Hoje, a taxa real de juros ainda está acima de 7%. Desculpe, não dá para investir com juro real de 7% ao ano. É demais. No Brasil, dá para investir com 4% ou 5% de juro real. É o único país do mundo que tem juros tão elevados.

DINHEIRO – Há espaço para o Banco Central acelerar a queda dos juros?

FOURNIER – Claro. Deveria acelerar. A inflação não vai voltar a crescer no curto prazo. A inflação de volta à meta mostra que o Brasil está amadurecendo. No passado recente, os salários subiam até 5% acima da inflação. Onde um país pode ir com esse custo?

DINHEIRO – O custo de mão de obra estava inviável?

FOURNIER – Sim. O custo de produção no Brasil é de 20% a 30% superior ao dos Estados Unidos, por exemplo. A seu favor, o Brasil tem um enorme mercado interno. Porém, não tem um volume grande de mão de obra qualificada, não tem infraestrutura de logística e ainda tem a energia mais cara do mundo. É urgente fazer leilões de infraestrutura.

DINHEIRO – E a carga tributária?

FOURNIER – O pior é a burocracia. É a complexidade tributária. Cada semana tem 500 novas regras tributárias. Estamos sempre correndo atrás da regulação. A falta de previsibilidade é pior que o peso tributário. Em 15 anos, o PIB industrial brasileiro encolheu de 20% do PIB para menos de 10%. No mesmo período, a demanda por produtos mais do que dobrou enquanto a produção brasileira ficou estável. O vencedor foi a importação. Um país forte precisa de uma indústria forte. Temos 800 empresas francesas aqui. São 500 mil empregos gerados. Estamos prontos para fazer o nosso papel de investidor, mas precisamos de juros baixos, estabilidade regulatória, infraestrutura e educação.

DINHEIRO – Qual seria a saída?

FOURNIER – Temos uma janela de oportunidade espetacular para o País fazer as reformas. Agora temos um presidente que tem dois anos para fazer o que é necessário. A PEC do teto dos gastos era imprescindível, mas não suficiente. Cada vez mais, a reforma da Previdência e a reforma trabalhista são muito importantes. Não podemos correr uma maratona com pedras no sapato. Precisamos liberar as energias criativas e de empreendedorismo. Sem a reforma da Previdência, o País vai quebrar. A reforma tributária vai ser a mais difícil.

Presidente Michel Temer e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles
Presidente Michel Temer e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (Crédito:Beto Barata)

DINHEIRO – É difícil explicar para a matriz o sistema tributário brasileiro?

FOURNIER – É mais do que isso. É impossível entender se você não mora aqui. As leis mudam a cada minuto. Você está sempre em risco de ter uma fiscalização enorme.

DINHEIRO – Como os empresários receberiam a notícia de elevação de impostos?

FOURNIER – Mal. Mal. Se uma empresa tem prejuízo, um buraco financeiro nas suas contas, quem ajuda? Ninguém. Ela se ajusta e paga as contas. E o governo? Os impostos já estão elevados. O Brasil precisa de investimentos e desenvolvimento econômico, e não de mais impostos.

DINHEIRO – O câmbio valorizado preocupa os empresários?

FOURNIER – Não, pois, assim que os Estados Unidos subirem os juros, o dinheiro que está aqui irá para lá. Isso vai desvalorizar o câmbio. Hoje o real está um pouco sobrevalorizado. Ele vai perder força, mas não será um movimento abrupto. O pior cenário é a volatilidade cambial. Na Saint-Gobain, 95% das vendas são locais. Produzimos aqui e vendemos aqui. Apenas 5% vêm de importações e exportações. Mesmo assim, o prejuízo que esses 5% causaram no ano passado foi espetacular por conta da excessiva volatilidade.

DINHEIRO – Em que momento o empresário estrangeiro vai tomar a decisão de voltar a investir no Brasil?

FOURNIER – Vai depender de cada setor. No setor industrial, há muita capacidade ociosa. Não vejo como o investimento possa voltar rapidamente. É interessante notar que o mix de investimento mudou. Até 2014, todo mundo corria atrás da demanda e investia em capacidade. Hoje todo mundo está olhando para investimento em flexibilidade, automação e produtividade.

DINHEIRO – As empresas vão sair da crise mais eficientes?

FOURNIER – Claro. Fizemos um trabalho árduo dentro de nossas casas. Nossos associados já avisaram que estão prontos para voltar a lucrar. Nos últimos três anos, perdemos rentabilidade, o que prejudica o investimento em pessoas, treinamento e inovação. Mas, agora, vamos recuperar.

Operação Carne Fraca da Polícia Federal
Operação Carne Fraca da Polícia Federal (Crédito:Marcos Alves)

DINHEIRO – Como as matrizes na França reagiram à crise brasileira?

FOURNIER – Há empresas que estão aqui faz muito tempo e já vivenciaram várias crises brasileiras, da hiperinflação até a ditadura. Elas não deixam o Brasil. Os pequenos empresários, é claro, sofreram muito mais que os grandes. No ano passado, algumas empresas que procuraram a Câmara de Comércio França-Brasil desistiram de investir aqui.

DINHEIRO – O impeachment arranhou a imagem do Brasil no exterior?

FOURNIER – O Brasil tem a mesma imagem do passado, ou seja, com um enorme potencial. A diferença é que há 10 ou 15 anos, o Brasil estava sozinho nessa categoria e agora sofre a concorrência da Índia, do sudeste asiático, da África e do México. O Brasil não conseguiu manter a sua liderança dentre os emergentes. Há, atualmente, vários países com boa imagem.

DINHEIRO – Por falar em imagem, como o sr. avalia a operação Carne Fraca, que afetou o agronegócio brasileiro?

FOURNIER – Você precisa de 30 anos para construir uma reputação e 30 minutos para destruí-la. Esse é meu comentário que vale para qualquer negócio, empresa ou país. Não era o momento de termos esse tipo de problema. Tomara que o País saia mais forte desse episódio, amadurecido.

DINHEIRO – Que visão os empresários franceses têm da Lava Jato?

FOURNIER – Torcemos para que a força da lei prevaleça. A lei acima de tudo. Isso é importante para o País. Não é o nosso papel comentar o conteúdo da operação, mas claro que torcemos para ter uma Justiça forte, justa e respeitada para garantir a estabilidade econômica do País.

DINHEIRO – Como olhar para o longo prazo no Brasil se a eleição presidencial de 2018 é uma incógnita?

FOURNIER – Os investimentos são tomados por conta de uma estratégia. Há uma diferença entre estratégia e tática. A estratégia é algo de longo prazo enquanto a tática é de curto prazo. Nós temos de saber jogar das duas formas e ter agilidade para mudar de cenário se houver uma mudança política. Tem de olhar cinco anos adiante, mas, se necessário, ajusta taticamente.

DINHEIRO – O que os empresários comentam sobre as eleições na França, marcadas para abril?

FOURNIER –Não comentamos nada. É difícil ver o que está acontecendo a 10 mil quilômetros de distância (risos). De uma maneira geral, podemos ver que há uma ascensão do populismo no mundo. A França também participa deste jogo. O que vai acontecer, eu não sei. Normalmente os franceses, no primeiro turno das eleições, fazem um voto de protesto. No segundo turno, eles tradicionalmente pensam mais. Esse ano pode ser diferente a depender de quem estiver na disputa. De qualquer forma, será uma eleição democrática e vamos respeitar o resultado.

DINHEIRO – Quando o sr. veio ao Brasil?

FOURNIER – Há dois anos e meio. Já me sinto brasileiro.

DINHEIRO – Na Copa da Rússia, em 2018, o sr. vai torcer para o Brasil ou a França?

FOURNIER –Para a Rússia. Morei lá durante seis anos…