Nos cursos de aceleração de empresas e nos manuais de inovação uma das primeiras lições que se aprende é que uma startup só pode ser viável se for criada para solucionar uma dor. O substantivo feminino aparece aqui em seu sentido figurado: mágoa e pesar. E foram estes sentimentos que ajudaram a paulistana Gabriela Correa, 34 anos, a dar uma guinada em sua carreira e em sua vida.

No começo de 2016, ela chamou um táxi pelo aplicativo para ir a um compromisso. A viagem quase terminou muito mal, devido ao assédio praticado pelo motorista. A opção de denunciar o agressor foi descartada de imediato porque ele havia ido pegá-la em casa. “A partir daí, sempre que saia eu me sentia insegura”, relata. Por conta disso, Gabriela acabou usando apenas veículos conduzidos por mulheres. Uma solução paliativa, em função do reduzido número de profissionais do sexo feminino atuando nesta área.

Aplicativo recebeu aporte da KICK Ventures e vai ganhar o mundo
Aplicativo recebeu aporte da KICK Ventures e vai ganhar o mundo

Foi aí que lhe ocorreu uma ideia: por que não criar um serviço de transporte de passageiros exclusivo para mulheres? Cerca de 12 meses após o desagradável incidente, nascia a Lady Driver. O aplicativo reúne 3,6 mil motoristas afiliadas, em São Paulo e em Guarulhos, e 10 mil usuárias. Para percorrer este caminho, Gabriela teve de vencer inúmeros percalços. O primeiro deles foi o machismo. “Sempre que participava de eventos destinados a falar sobre inovação e startups minha ideia era mal recebida”, conta. “Diziam que não haveria demanda”.

Mas ela insistiu. Investiu parte das economias no desenvolvimento do aplicativo e no registro da licença de operação na Prefeitura de São Paulo. A autorização saiu, curiosamente, em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, e posicionou a Lady Driver como a quinta empresa a atuar no setor. As demais são Uber, 99, Cabfy e Easy Taxy.

Segundo a empreendedora, foi decisivo em sua trajetória o apoio que recebeu na Feminaria, uma incubadora de empresas baseada na região central da cidade e focada no afeto e na empatia. “As meninas me acolheram e incentivaram a sonhar grande”. E bota grande nisso.

No mês passado, a Lady Driver entrou no radar da poderosa KICK Ventures, uma aceleradora que possui um portfólio composto de 70 empresas, espalhadas por 16 cidades de Brasil, Israel, Estados Unidos, Chile, China e Estônia. É de carona nestes investidores que Gabi, como a empresária é mais conhecida, pretende acelerar em direção ao mundo.

Começando pelo Rio de Janeiro, onde a Lady Driver chega em agosto. Na lista constam as principais cidades de países como Portugal, Espanha, Chile, Peru e Equador. Nesta última, ela morou com o marido José Reinaldo, quando ele era funcionário da Odebrecht, e pode perceber que o assédio sexual e o machismo são questões recorrentes no dia a dia das mulheres.

Na tarefa de gerir a Lady Driver, Gabi, que é graduada em gestão financeira na FGV-SP, conta com o suporte da irmã e da cunhada, Raquel Correa e Bianca Saab. Ambas profissionais bem-sucedidas em suas áreas de atuação (formadas em hotelaria e arquitetura, respectivamente), mas que decidiram apostar no empreendedorismo por se sentirem cansadas do sexismo que impera no mundo corporativo.

Apesar de as mulheres darem as cartas, ocupando todos postos de destaque no organograma da Lady Driver, Gabi descarta que a startup seja um clube da Luluzinha. Segundo ela, a meritocracia é que decide na hora da contratação. “Passei por situações muitos difíceis no meio masculino”, recorda. “Por isso, sempre quis ter uma empresa grande na qual pudesse ajudar outras mulheres”. Aliás, os embates com o mundo masculino começaram desde cedo, logo em seu primeiro emprego, na oficina mecânica do pai, onde cuidava da contabilidade.