No dicionário Aurélio, diáspora é apresentada como um substantivo feminino que significa “dispersão de povos devido a perseguição”. Mas para um grupo de empreendedores cariocas, liderados por Carlos Humberto Silva Filho, 38 anos, essa palavra tem um peso e uma expressividade ainda maior. Tanto isso é verdade que ele batizou de Diaspora.Black sua tacada empresarial que nasce com a ambição de se firmar como uma opção diferenciada no segmento de hospedagem compartilhada.

Qualquer semelhança com o site americano Airbnb não é mera coincidência. Afinal, foi a partir de algumas frustrações vividas nesta plataforma que Carlos Humberto decidiu ingressar neste mercado. Para entender esta história é preciso recuar ao ano de 2011, quando o empreendedor alugou um apartamento no Largo dos Guimarães, um dos pontos mais cobiçados do agitado bairro carioca de Santa Tereza.

Em vez de procurar um amigo para dividir o espaço, e assim reduzir o peso das despesas fixas em seu orçamento, ele decidiu aderir ao nascente sistema de hospedagem compartilhada. “Vivi muitas situações constrangedoras”, lembra. “Alguns hóspedes demonstravam um nítido desconforto enquanto estavam hospedados em minha casa. Mesmo aqueles que haviam se mostrado bastante amigáveis durante as trocas de mensagens, no processo de reserva”.

A partir da esq.: Cesar Chaves, responsável pelas áreas jurídica e financeira, Gabriel Oliveira, sócio-fundador, cuida da produção de conteúdo, Carlos Humberto, sócio-fundador e André Ribeiro, designer e sócio-fundador
A partir da esq.: Cesar Chaves, responsável pelas áreas jurídica e financeira, Gabriel Oliveira, sócio-fundador, cuida da produção de conteúdo, Carlos Humberto, sócio-fundador e André Ribeiro, designer e sócio-fundador (Crédito:Acervo pessoal)

Além disso, ele passava mais tempo que os colegas do bairro para alugar o espaço. Na época, Carlos Humberto, que é graduado em geografia, atuava como articulador de redes e facilitador para ONGs dos movimentos sociais, não percebeu que estava sendo vítima de “racismo velado”. A ficha só caiu ao relatar algumas histórias para os amigos.

Um deles, branco, aconselhou-o a investir numa empresa de hospedagem orientada para integrantes da diáspora negra e interessados nesta temática. “Jamais pensei em me tornar empreendedor, mas compreendi que fazia sentido liderar um projeto com essas características”, destaca.

O que era para ser apenas um site de reservas de quartos acabou se transformando em uma plataforma modular de negócios. Hoje, ao lado de outros sete sócios, todos recrutados nos movimentos sociais e em especial àqueles ligados à comunidade afro-brasileira, Carlos Humberto desenvolve um trabalho que começa a chamar a atenção no Brasil e no Exterior. É que além de hospedagem, a ideia é agregar uma série de serviços ao portal: venda de passagem, dicas sobre restaurantes e lojas, roteiros personalizados e orientação jurídica sobre como lidar com o racismo em cada cidade.

Rodando em versão beta, a startup já conta com parceiros em três cidades do Brasil (Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo) e nove países (Estados Unidos, França, Itália, Espanha, Nigéria, Inglaterra, Peru, México e Bolívia). Para facilitar a comunicação, foram criadas versões em inglês, francês e espanhol. O empreendedor bissexto deixa claro que o site não veta pessoas de outras etnias. Ao contrário. A ideia é proporcionar a todos mais do que uma viagem, uma imersão na cultura africana em diversas partes do mundo.

Para chegar neste ponto, Carlos Humberto investiu os poucos recursos de que dispunha e lançou mão do “limite” de seus cartões de crédito para financiar a compra de licenças de uso de software e de domínios, além de produzir o material de divulgação. As viagens pelo Brasil a fora também consumiram uma parte expressiva dessa bolada.

Para recuperar parte dos gastos e preparar a Diaspora.Black para crescer, ele lançou uma vaquinha virtual na plataforma Benfeitoria. A meta de atingir R$ 15 mil ainda está muito distante. Faltando menos de dez dias para encerrar o prazo de captação, foram amealhados apenas R$ 2.580, de 35 doadores de todas as etnias.

Apesar disso, Carlos Humberto se mostra animado. Nesta entrevista, ele fala do processo de conversão do ativista em empreendedor e também dos desafios de investir em um projeto bastante inusitado para os padrões brasileiros.

Por que você decidiu criar o Diaspora.Black?
O projeto nasceu a partir de problemas que vivenciei quando cadastrei um dos quartos do meu apartamento nos sites de hospedagem compartilhada. Notei que em muitos casos os hóspedes se mostravam incomodados com o fato de o anfitrião ser negro. Percebia isso por meio de alguns comportamentos e atitudes sutis e outros mais agressivos. A partir daí, resolvi canalizar minha indignação para algo mais propositivo.

Mais que uma espécie de Airbnb para negros, sua ideia é criar uma rede de serviços e de geração de renda. Como isso vai funcionar?
Ao contrário dos sites de hospedagem, o Diaspora.Black não tem como fim prover a acomodação para uma ou mais pessoas. Este é apenas o meio pelo qual pretendemos viabilizar uma ampla rede de negócios comandados por afro-brasileiros. Para isso, estamos trabalhando num catálogo contendo locais históricos, dicas de bares e restaurantes, lojas e outros pontos de interesse para a comunidade negra.

A ideia é mostrar em cada destino onde estão as raízes africanas. Além disso, temos um olhar focado na promoção da cidadania, também. Uma das abas do site trará dicas de como se comportar e onde fazer denúncia caso o viajante sofra alguma situação de racismo.

Nos Estados Unidos, os casos de racismo contra locadores associados ao Airbnb suscitaram o surgimento de empresas similares ao Diaspora.Black como o Innclusive.com e o Noirbnb.com. Você conhece essas experiências ou tentou firmar algum tipo de parceria com elas?
Antes mesmo de colocar o site no ar eu pesquisei o que existia nesta linha. Olhei mais detidamente três iniciativas nos EUA e uma na Europa. Todas enfrentam algum nível de dificuldade para decolar. Quando falamos em diáspora africana é preciso levar em conta que a comunidade negra é muito heterogênea e apresenta diversos níveis de complexidade. Desde a geográfica até a noção de pertencimento. O Noirbnb.com surgiu em meio às campanhas contra a violência policial contra negros, o Black Lives Matter, e acabou não conseguindo se firmar por conta de erros conceituais.

A que você atribui o fato de o sucesso do Diaspora.Black nas redes sociais não ter se revertido em recursos para a campanha de crowdfunding?
Desde o início já sabíamos de todos os desafios embutidos neste processo. Isso ficou comprovado por meio de pesquisas, nas quais detectamos que produtos e serviços voltados à comunidade afro-brasileira dificilmente atingiam a meta, mesmo quando ela se limitava ao valor de R$ 5 mil. Contudo, temos confiança de que poderemos, nesta reta final, acelerar o processo e arrecadar o suficiente para ampliar o portfólio de produtos e serviços da Diaspora.Black.