Em meados de janeiro, a organização não-governamental Oxfam divulgou um relatório chocante. Segundo a ONG inglesa que surgiu nos corredores da prestigiosa Oxford, na década de 1940, as oito pessoas mais ricas do mundo tinham um patrimônio equivalente ao das 3,6 bilhões de pessoas mais pobres. Você não leu errado. Era isso mesmo. A revista DINHEIRO publicou essa informação e a postou no Facebook com a pergunta: “Você concorda com essa concentração de renda?”. Em geral, quase que a totalidade das pessoas que comentaram não via nada de errado com aquela gigantesca acumulação de riqueza. Seus argumentos eram de que os oito bilionários não roubaram a fortuna conquistada e que seus negócios geravam milhões de empregos. “Se pegássemos a fortuna desses oito bilionários e doássemos para os pobres, o mundo entraria em convulsão social”, escreveu uma pessoa.

Os oito bilionários em questão são Bill Gates, fundador da Microsoft, o homem mais rico do mundo; Amancio Ortega, dono da Zara; o megainvestidor Warren Buffett; o mexicano Carlos Slim, que controla a empresa de telefonia América Móvil; o fundador da Amazon, Jeff Bezos; Mark Zuckerberg, do Facebook; o dono da Oracle,  Larry Ellison; e Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York. Todos eles, de fato, conseguiram suas fortunas de forma honesta e empregam milhões de pessoas ao redor do mundo. Gates, o mais rico da lista, dedica atualmente boa parte de seu tempo à sua própria entidade, que conta com bilhões de dólares para investir em países pobres, principalmente na África. Ortega, o segundo com mais dinheiro, por sua vez, teve o nome de sua empresa envolvido com trabalho escravo.

A crítica e o contraditório são fundamentais, escreveu recentemente o historiador brasileiro Leandro Karnal, acrescentando que a base da democracia é a liberdade de expressão. Portanto, antes de prosseguir, é preciso acrescentar que respeito todas as opiniões. Mas discordo de quase a totalidade delas. Há uma imensa miopia no debate sobre a desigualdade, como ficou demonstrado nos comentários do Facebook. A questão essencial, que as pessoas não enxergaram ou não quiseram ver, são os desarranjos causados por essa concentração de riqueza quase pornográfica. Não é possível que isso possa ser considerado normal. É um sinal claro que há uma doença no atual sistema, que deixa os ricos mais ricos e os pobres cada vez mais marginalizados. Essa mazela, se não for combatida, transforma-se em uma ameaça às democracias, como acredita o economista francês Thomas Piketty, autor do livro O capital no século XXI, que mostra como a desigualdade reduz o crescimento, beneficia herdeiros de fortunas e prejudica a ascensão social.

Na semana passada, cruzei com um mendigo no caminho do trabalho. Ele andava na mesma calçada, um pouco a minha frente. Todo sujo, vestia uma camiseta com a seguinte frase: “Aposte todas as suas fichas em mundo melhor”. Você pode combater a corrupção e gerar mais empregos. Você pode até fazer o PIB crescer de forma acelerada, como ocorreu em outras épocas. Mas, se você não reduzir a desigualdade, nada mudará. Continuaremos neste debate miserável sobre a riqueza e a miséria.