O Brexit acaba de ser iniciado, mas o Reino Unido já enfrenta uma primeira polêmica, afirmando que não está tentando monetizar sua participação na segurança da União Europeia em troca de um acordo econômico favorável.

Em sua carta de ruptura entregue na quarta-feira ao presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, a primeira-ministra britânica Theresa May parece colocar na balança das negociações a continuação da cooperação em matéria de segurança.

Num momento em que a “segurança na Europa está mais fraca do que jamais foi desde o fim da Guerra Fria, enfraquecer a nossa cooperação para a prosperidade e a proteção dos nossos cidadãos seria um erro grave”, escreveu.

Uma ameaça velada que Guy Verhofstadt, referência no Parlamento Europeu para as negociações do Brexit, não apreciou. “A segurança de todos os cidadãos é um assunto muito sério” para ser objeto de negociação, reagiu.

Esta foi também a interpretação da imprensa britânica refletida em suas manchetes. The Guardian: “A UE adverte: não nos faça cantar”. “May ameaça o pacto sobre o terrorismo da UE”, escreveu o Times, enquanto The Sun foi mais lírico: “Seu dinheiro ou suas vidas”, com o subtítulo: “Façam negócios com a gente e nós vamos ajudá-los a lutar contra terrorismo”.

Nesta quinta-feira, o ministro do Brexit, David Davis, tentou acalmar a polêmica, assegurando que “não foi uma ameaça”, mas apenas um “argumento para chegar a um acordo”.

Sem acordo, o Reino Unido não fará parte da Europol, que facilita a troca de informações entre as polícias nacionais.

Para tranquilizar seus aliados europeus sobre as boas intenções britânicas, a primeira-ministra britânica publicou nesta quinta-feira um artigo em sete jornais para tentar tranquilizar os europeus sobre seu desejo de manter uma “profunda e especial relação com toda a UE” após o Brexit.

“Estamos convencidos de que será possível chegar a um acordo no prazo previsto e, além disso, de um modo que reforce os valores europeus que todos compartilhamos e que o mundo necessita”, escreveu May no texto publicado no jornal espanhol El País, um dia depois do início do processo de saída de seu país da União Europeia.

– A grande revogação –

O Reino Unido começará nesta quinta-feira a enfrentar as ligações mencionadas por Merkel, iniciando a tarefa colossal de separar suas leis das europeias, após 44 anos de supremacia da legislação e dos tribunais europeus.

O governo publicará nesta quinta-feira um livro branco sobre a “Grande Lei de Revogação” (Great Repeal Bill), que transformará em leis britânicas todas as normas europeias, com a intenção de que o país não passe por um vazio legislativo quando abandonar a UE.

A partir da aprovação deste instrumento, as leis europeias serão analisadas uma a uma, para receber emendas ou para sua revogação.

De acordo com uma estimativa do jornal The Times, o país terá que alterar 1.000 leis em menos de dois anos.

Os planos do governo certamente provocarão polêmica, porque darão aos ministros, além dos governos regionais da Escócia, Irlanda do Norte e Gales, o poder, durante um breve período de tempo, de modificar as leis europeias, recorrendo a um mecanismo de 1539 utilizado por Henrique VIII para legislar por proclamação, sem levar em consideração o Parlamento.

May disse querer concluir uma “parceria estreita e especial com base em uma cooperação econômica e de segurança” e exige que as negociações de saída aconteça em paralelo com aquelas do novo acordo que ligará seu país à UE.

Um pedido que a chanceler alemã Angela Merkel imediatamente rejeitou. Antes de falar de futuro, “é preciso primeiro esclarecer como desfazer” os laços tecidos durante 44 anos, afirmou.

– Fatura dolorosa –

Nesta quinta-feira, a líder alemã estará em La Valletta para o congresso do Partido Popular Europeu (PPE), que reúne os partidos conservadores europeus.

Oportunidade de fazer um primeiro balanço entre europeus, uma vez que Donald Tusk, o presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Juncker e o primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy também estarão presentes.

Na sexta-feira, Tusk vai propor “diretrizes para as negociacões”, que vão traçar o rumo a ser defendido pela UE para chegar a um acordo de saída. Elas serão apresentadoa aos líderes dos 27 países europeus em uma cúpula em 29 de abril.

Enquanto isso, o Parlamento Europeu vai votar no dia 5 de abril, em plenária em Estrasburgo, o seu próprio texto, que adverte “que um acordo sobre um relacionamento futuro (…) só pode ser concluído uma vez que o Reino Unido se retire da UE”.

Se May e Bruxelas parecem prontos para encontrar um acordo rápido sobre os direitos dos imigrantes europeus, a fatura de saída – estimada entre 55 e 60 bilhões de euros – que Bruxelas pretende apresentar a Londres deverá ser um sério ponto de atrito.

“Não há nenhum pedido formal”, declarou May na BBC na quarta-feira, acrescentando que seu país “vai cumprir as suas obrigações”.

Seu ministro das Finanças, Philip Hammond, alertou, no entanto, que Londres “não reconhece as, por vezes muito grandes, quantidades que circulavam em Bruxelas”.