O Brasil entrou, definitivamente, na mira da petroleira Total, gigante francesa com faturamento de US$ 149,7 bilhões, em 2016. Até o final desta década, a companhia desembolsará US$ 1 bilhão por ano no País. Isso se deve à boa posição da petroleira no pré-sal. Em dezembro do ano passado, a empresa fechou um acordo de US$ 2,2 bilhões com a Petrobras para a compra de participações em dois blocos do pré-sal: 25% do BM-S-11, na área de Iara, e 35% do BM-S-9, no campo de Lapa. Como isso, ela formou um importante portfólio de exploração em águas nacionais, com 17 blocos, incluindo uma parcela de 20% no campo de Libra, um dos maiores do pré-sal, na Bacia de Santos.

A essa coleção de poços soma-se a sua operação de lubrificantes e produtos químicos no País, que conta com uma fábrica localizada em Diadema, na Grande São Paulo. “O Brasil é um grande foco”, afirma Olivier Bellion, que comanda o braço de lubrificantes da empresa no País. Mas há um projeto ainda maior em curso, globalmente. A Total quer se tornar a maior empresa de energia limpa do mundo, em 20 anos. Para isso, promoveu, no início deste ano, uma reorganização global e vem diversificando a atuação. Esse objetivo, no entanto, pode entrar em rota de colisão com a meta de crescer no Brasil.

A grande barreira: imagem dos corais da Amazônia feita durante expedição do Greenpeace. o ecossistema está ameaçado
A grande barreira: imagem dos corais da Amazônia feita durante expedição do Greenpeace. o ecossistema está ameaçado (Crédito:Greenpeace)

A estratégia de aumentar o uso das energias renováveis, contribuindo para a redução do aquecimento global, foi apresentada aos seus 2,5 mil funcionários brasileiros no início deste ano. O projeto foi batizado de “One Total, One Ambition” e, segundo a companhia, visa atender às novas demandas energéticas do planeta de forma sustentável. O projeto promoveu uma reorganização mundial, que resultou na criação de duas novas divisões. A primeira é focada em gás e energias renováveis e a segunda, na oferta de serviços de suporte e tecnologia para todas as empresas do grupo – a Total atua em mais de 130 países e possui 100 mil funcionários.

Até 2035, a companhia espera que o petróleo represente apenas 65% dos seus negócios – hoje, é praticamente tudo. As energias renováveis devem crescer para 20% da receita. Bellion destaca que a multinacional francesa já é uma importante competidora na área de energia solar, graças à SunPower, fabricante americana de painéis fotovoltáicos comprada em 2011, por US$ 1,4 bilhão. A empresa pretende, ainda, investir em baterias, biocombustíveis e eficiência energética. Todo esse esforço vai de encontro ao que está se configurando na Foz da Bacia do Rio Amazonas. Em 2013, a Total arrematou, em leilão, uma licença para explorar petróleo na região.

Um investimento de US$ 300 milhões já foi aprovado e a exploração deve começar neste ano. A bacia, entre os Estados do Amapá e do Pará, é considerada a nova fronteira da exploração de petróleo no Brasil. Seria uma grande oportunidade, não fosse pelo fato de cientistas brasileiros terem descoberto, ali, uma das maiores e mais diversas formações de corais do mundo, os chamados Corais da Amazônia, que se estende por 500 quilômetros. Em janeiro passado, uma expedição do Greenpeace registrou as primeiras imagens dos corais. “Estamos descobrindo uma diversidade maior do que imaginávamos”, afirma Ronaldo Francini Filho, professor Universidade Federal da Paraíba, que participou da expedição.

DIN1007_total3Segundo Bellion, a Total irá garantir que a exploração no local não coloque em risco os corais. Isso, em teoria, é possível. Na prática, é improvável, dizem os cientistas. “Não há dados suficientes”, afirma Francini Filho. Para que as perfurações não destruam o delicado ecossistema, é preciso realizar um trabalho conhecido na comunidade científica como “planejamento sistemático”. Ele envolve mapear toda a biodiversidade, as correntes marítimas e as atividades econômicas da região, como a pesca. De posse dessas informações, são determinadas as melhores posições para os poços.

É aí que está o problema. “Temos muita dificuldade em conseguir informações básicas”, diz o pesquisador. As cartas náuticas estão desatualizadas. A maioria, data da década de 1940. Os Corais da Amazônia também não estão totalmente mapeados. Por esse motivo, a comunidade científica é contrária à exploração de petróleo. “Nesses casos, o ideal é inimigo do ótimo”, afirma Francini Filho. “É possível fazer, mas não sem os dados. Os corais são uma riqueza do Brasil. Se os perdemos, será para sempre.” A Total tem a chance de mostrar que o plano de limpeza não ficará apenas no discurso.