Não é de hoje que o pequeno vizinho Uruguai tem se despontado na América Latina pela maturidade econômica. Na contramão da crise no Brasil e na Argentina, os dois principais parceiros comerciais do país, o Uruguai está conseguindo crescer e atrair investimentos. Em entrevista à DINHEIRO, Pablo Ferreri, subsecretário de economia e finanças do Uruguai, cargo que equivale a ministro da Fazenda, conta como a equipe econômica uruguaia está driblando as turbulências regionais. Ferreri, aliás, é um dos homens-fortes do atual presidente Tabaré Vázquez, desde o começo do seu atual governo, em 2015, a ponto de ser cotado até como um possível sucessor. Os números da economia do país ajudam. São 15 anos de crescimento ininterrupto. “O Uruguai está atravessando o período de bonança econômica mais importante de sua história contemporânea”, disse Ferreri, em passagem por São Paulo para se encontrar com executivos de empresas japonesas. Acompanhe sua entrevista:

O que faz o Uruguai viver um momento de tão bons resultados econômicos?
São 15 anos crescendo de maneira ininterrupta. O Uruguai está atravessando o período de bonança econômica mais importante de sua história contemporânea. Há vários fatores que explicam isso. São os melhores níveis de investimento da história. É uma correlação direta que queremos potencializar. Não só o investimento interno, mas para um país pequeno como o Uruguai o investimento estrangeiro tem muita importância.

Isso cresceu recentemente?
Na segunda metade do século 20, o investimento estrangeiro direto foi de 1 ponto do PIB por ano, em média. Na última década a média se multiplicou por seis. Isso tem relação com um fator que o Uruguai possui, que é a confiança. Oferecemos ao mundo alto nível de transparência, qualidade democrática e estabilidade social e jurídica, respeito à lei. São fatores muito importantes na hora de definir um investimento.

Essa segurança é uma diferenciação em relação ao resto da América Latina?
Isso se reflete em termos atingido grau de investimentos por todas as cinco principais agências de rating. Neste ano, fizemos a primeira emissão de bônus em moeda nacional sem ter cobertura específica para inflação e a demanda por bônus com essas características foi cinco vezes maior que a oferta. Isso mostra a confiança e a diferença em relação a nosso país.

A criação de zonas francas ajudou nesse cenário?
Elas foram montadas a alguns tipos de empreendimentos, como a empresas de serviços. O Uruguai multiplicou por oito a produção de serviços nas últimas décadas, com ofertas de turismo, logística e software, por exemplo. Somos o país com a maior produção de software per capita das Américas. Mas só uma parte disso está em zonas francas, porque adotamos um regime de impostos simples. Só há impostos nacionais. Não há imposição regional ou municipal. Também promovemos os investimentos ao transformar em benefícios fiscais os investimentos feitos. O mais importante é que os benefícios acontecem pela característica do investimento, se é sustentável, se tem tecnologia ou emprega mais gente. São pontuações transparentes e o governo não escolhe como vai dar o benefício. Todos competem com as mesmas regras. Isso me parece fundamental a um país que quer levar as coisas mais seriamente.

A economia também se diversificou mais?
O Uruguai é tradicionalmente um país de exportação agrícola, de carne, soja, trigo e leite. Mas ampliamos a nossa matriz produtiva. Somos um dos principais exportadores de papel e celulose, e também os serviços ganharam força. Estamos negociando uma terceira fábrica de papel e celulose, que será a maior de todas.

Há uma política de atrair brasileiros e outros estrangeiros para trabalhar no Uruguai?
Em alguns setores, como em serviços de software e indústrias tecnológicas, não temos apenas desemprego zero. Mas uma falta de mão de obra. Então, muitos profissionais da região estão vindo ao país. Estão chegando brasileiros e argentinos, além de venezuelanos, bolivianos e peruanos. A qualidade de vida atrai essas pessoas. No país, não existem empresários com guarda-costas ou carros blindados. Então, empresários também estão se mudando para lá.

Os jovens estão ficando mais no país?
Por muito tempo se dizia que a única saída para encontrar trabalho no Uruguai era o aeroporto. Hoje isso não ocorre mais. Há vários anos temos mais gente chegando do que se mudando de lá.

As crises de Brasil e Argentina afetam de que forma?
Ser o irmão pequeno próximo de dois gigantes causa conseqüências boas e más. Mas, nos últimos anos, conseguimos desacoplar o comportamento da economia com o das vizinhas. Durante 50 anos, o crescimento da economia uruguaia surgia de uma conta que era sempre a mesma: era só fazer a média simples do crescimento da economia da Argentina e do Brasil, que resultava exatamente na expansão do PIB do Uruguai. Na segunda metade do século 20, a média de crescimento foi de 1 ponto. Nos últimos 15 anos, foi para 5% anuais. É uma diferença substantiva.

Neste mês, houve o início das vendas legalizadas de maconha. Haverá impacto econômico?
Mais do que econômico, há um claro fim social na medida. O Uruguai tem instituições fortes, ao mesmo tempo que é um país pequeno. Isso nos permite inovar com políticas sociais. Nesse caso, pode gerar um circuito de consumo formal que tire os consumidores dos narcotraficantes. É, então, uma política de combate ao tráfico, já que as amostras são claras, mundialmente, que a abordagem tradicional fracassou.

(Nota publicada na Edição 1029 da Revista Dinheiro, com colaboração de: Carlos Eduardo Valim, Cláudio Gradilone e Rodrigo Caetano)