Com a aprovação da reforma trabalhista, o setor têxtil tenta se reerguer depois de fechar mais de 30 mil vagas, em 2016. Um dos seus principais segmentos, o de confecções, é sempre fonte de polêmica sobre acusações de práticas análogas à escravidão, geralmente envolvendo estrangeiros que trabalham em condições precárias no Brasil. Mas o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Valente Pimentel, afirma que a reforma não vem para atenuar qualquer ilegalidade por parte dos empregadores. Segundo ele, as mudanças permitirão ao empresário gerenciar melhor seu fluxo de produção, a partir de contratos intermitentes e flexibilização de jornadas de trabalho. São medidas, em sua visão, que trarão maior eficiência ao setor. A volta das contratações, contudo, depende muito da recuperação da economia. “Quem garante emprego é crescimento, desenvolvimento econômico”, diz ele. Confira a entrevista:

DINHEIRO – O setor têxtil há tempos se vê envolvido em escândalos trabalhistas. A reforma poderá amenizar essa situação?

FERNANDO VALENTE PIMENTEL – Vamos separar o setor têxtil do de confecção. O têxtil vai desde a produção de matérias primas, naturais ou sintéticas, até a produção do tecido ou da malha. É um setor intensivo em capital. As grandes fiações têm uma quantidade muito pequena de pessoas, porque o processo é quase todo automatizado. Quando falamos das confecções, migramos para um cenário de microempresários, de pequenas, médias e poucas empresas grandes. É nesse setor que acontecem algumas práticas ilegais. Mas a legislação trabalhista não veio para atenuar qualquer ilegalidade. Ela veio para dar segurança jurídica para temas que já vinham sendo acordados entre as partes – os trabalhadores, as empresas e os sindicatos –, mas que muitas vezes eram glosados pela Justiça do Trabalho e pelo Ministério do Trabalho. O que está ilegal deve ser combatido, por que cria uma concorrência desleal no setor.

DINHEIRO – O que está sendo feito para inibir essa prática?

PIMENTEL – Muitos imigrantes cruzam a fronteira ilegalmente. Venezuelanos, bolivianos, pessoas que se tornam presas fáceis para quem quiser explorá-los. É uma questão de política pública. Temos participado de várias oficinas, com toda a cadeia de atores do setor, para tentar melhorar as condições de trabalho e dar cidadania a esses imigrantes. A ilegalidade precisa ser combatida. A legislação nunca ajudou e não vai ajudar nisso agora, mesmo porque ela não mexe em qualquer direito trabalhista.

DINHEIRO – Quais os pontos da reforma que beneficiam o setor têxtil?

PIMENTEL – Os principais pontos são a divisão das férias, a criação do banco de horas, a previsão da jornada intermitente. São questões que precisavam de flexibilização da lei, pois os acordos, por mais que fossem homologados, geravam insegurança. Agora, o empresário pode se planejar, ajustar fluxo de produção de acordo com a demanda.

DINHEIRO – E financeiramente, no que ela ajuda?

PIMENTEL – A reforma deve trazer pacificação ao Judiciário. Somos os campeões mundiais de causas trabalhistas. O empresário vive em litígio permanente. Existe uma indústria de ações trabalhistas. É impossível que os empresários sejam tão maus empregadores para acumular quatro milhões de causas em um ano. Na França, são 70 mil. É claro que há gente litigando de boa fé. Sempre há bons empregadores e maus empregadores. Mas, mesmo quando a demissão é feita corretamente, os advogados vão atrás desse demitido para conseguir, no mínimo, um acordo. Isso ocupa muito a cabeça do empregador, principalmente do pequeno empreendedor, que muitas vezes tem um ou dois empregados. Isso custa muito financeiramente.

DINHEIRO – Fala-se muito sobre uma potencial geração de emprego. Mas quem está empregado tem a visão de que a reforma apenas ajuda o empresário. Afinal, ela permite ou não a precarização do trabalho?

PIMENTEL – Quem se posiciona dessa forma, ou não leu o texto, ou está agindo de forma irresponsável.

DINHEIRO – A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se posiciona dessa forma…

PIMENTEL – Sim, mas ela é parte do problema. Afinal, as causas trabalhistas advêm de onde? Essa indústria tem uma influência enorme da OAB. Nós não temos a preocupação de mexer no que é de direito das pessoas. A reforma não é compulsória. Qualquer alteração nos contratos de trabalho precisa passar, primeiramente, pelo sindicato. Se o sindicato não quiser fazer a alteração, não faz. Por que não pode dividir as férias no Brasil? O que tem de errado em trabalhar de casa em um mundo cada vez mais virtualizado? É anacrônico reforçar a visão de que todos os trabalhadores são ignorantes e não sabem de nada.

Sindicatos protestam em Brasília contra a reforma trabalhista (Crédito:Pedro Ladeira / Frame)

DINHEIRO – A reforma não dá margem à restrição de direitos? Nem a questão da demissão consensual, que isenta o pagamento da multa de 40% sobre o FGTS?

PIMENTEL – O sujeito às vezes quer ir embora, mas o empresário não quer demiti-lo. Isso é seriíssimo no ambiente fabril, pois o empregado chega a boicotar a produção. Agora poderá ser feito um acordo para que o empregado receba o FGTS. Pedir demissão e receber o FGTS, mas sem os 40%, é bom ou ruim? Quem está falando que está perdendo direitos deve estar recebendo alguma informação de algum sindicato contrário, porque agora esses sindicatos vão ter que trabalhar e defender as causas legítimas. Quem garante emprego é crescimento, desenvolvimento econômico. Esqueça se acha que colocar uma bíblia de direitos vai gerar empregos em uma recessão. O grosso da nossa economia não é de grandes companhias e estatais. Ela é feita de pequenas empresas. 90% das empresas são de pequeno porte. Estatais são 150. Para mim, deveria privatizar tudo e mais alguma coisa. No Brasil, é o pequeno empreendedor que sofre todo dia, aquele que tem contato estreito com seu funcionário. Aquele que sabe quando a moça brigou com o marido, quando o filho dela está doente.

DINHEIRO – Então, a reclamação dos sindicatos se resume ao imposto sindical?

PIMENTEL – Por que temos uma indústria de sindicatos? Na Alemanha, que tem um sindicalismo forte, há quatro ou cinco grandes sindicatos. No Brasil, são mais de 16 mil, graças a uma legislação sindical nefasta. Se o sindicato não está prestando um bom serviço, que deixe de existir. Mas isso não acontece, porque todo mundo está buscando algum pedaço de imposto para criar um feudo particular.

DINHEIRO – Os acordos poderão permitir jornadas de trabalho e contratos por hora. Isso pode ser entendido como uma piora?

PIMENTEL – Ninguém vai negociar 48 horas de jornada semanal pelos próximos 12 meses. A lei permite a criação do banco de horas desde que as partes assim concordem e que isso seja compensado. Alguém já perguntou à sociedade se ela não quer trabalhar por hora? Há muitos trabalhadores que são estudantes e não querem emprego fixo. Um dos grandes desafios do setor é atrair talentos jovens, voltados para a tecnologia. O contrato por hora é muito comum em países desenvolvidos. Se a legislação anterior protegesse emprego, não haveria 14 milhões de desempregados.

DINHEIRO – Afinal, isso poderá resolver o desemprego ou não?

PIMENTEL – Não vou falar que, agora, esses 14 milhões de desempregados vão desaparecer em seis meses. A reforma cria condições para uma melhora paulatina. O que vai trazer emprego é o Brasil crescer 4% ao ano, pelo menos. O resto é palanque. Ninguém está dizendo para voltar aos períodos negros quando não havia qualquer legislação. Mas, se fosse bom os modelos dirigistas, haveria um fluxo incrível de pessoas indo para Cuba e Venezuela. Mas o que vemos é um fluxo de pessoas indo para os Estados Unidos, onde há uma das legislações mais flexíveis do mundo.

Governo eleva PIS/Cofins sobre os combustíveis: R$ 10 bilhões a mais no bolso do Tesouro (Crédito:Fabio Motta)

DINHEIRO – Vemos pessoas indo também para a Europa, para países nórdicos, onde a legislação fornece muitos benefícios aos empregados.

PIMENTEL – Todos os países revisaram partes das legislações restritivas. O que sou a favor é de que tudo seja negociado. Não sou favorável a legislar sobre qualquer coisa. Quando a porta de saída é muito estreita, a de entrada também é. E o Brasil tem metade de sua força de trabalho na informalidade. Não vejo ninguém se mostrar preocupado com esses informais, que precisam se legalizar. Muitas vezes são profissionais capacitados, autônomos. Eu acho que é importante haver esse debate sobre o empregado se garantir em cima de um imposto que transfere sua responsabilidade de representação aos sindicatos. Temos que discutir quem é esse novo trabalhador. Ou vamos parar a roda do progresso tecnológico?

DINHEIRO – Com a reforma aprovada, que outros temas devem ser discutidos?

PIMENTEL – Um deles é a necessidade de aprovação de uma reforma tributária. Vivemos em um manicômio tributário. A cumulatividade de impostos impacta os preços e a competitividade internacional de nossas empresas. Agora estamos discutindo um novo Reintegra, para dar um pouco de fôlego. Depois, precisaremos enfrentar a Guerra Fiscal, que é um enorme embaraço. Parece que temos 27 países diferentes dentro da União. As empresas, para conseguir fechar um faturamento, precisam de uma estrutura altamente complexa e que não agrega qualquer valor à produção. Até que estamos caminhando para uma reforma do PIS/Cofins, que pode facilitar. Temos que fazer um grande Simples Nacional para que paremos de perder tempo em atividades meio.

DINHEIRO – O ICMS não seria o principal tema de discussão dessa reforma?

PIMENTEL – A questão do ICMS é crítica e, com a convalidação dos incentivos fiscais passados, abre-se um caminho para a reforma. Mesmo que não seja feita imediatamente, ao menos que sua discussão dê previsibilidade aos empresários, para que eles possam fazer os investimentos. A Guerra Fiscal virou um jogo de soma negativa. Hoje, todos brigam e cria-se uma situação de insegurança. Alguém promete um incentivo e, depois, ele deixa de existir. Ninguém se sente confortável, seguro, em uma situação como essa.

DINHEIRO – E enquanto isso, o governo aumenta impostos.

PIMENTEL – Aumentar impostos é uma excrescência. Foram dados uma série de aumentos salariais a diversas categorias no início do governo Temer. Muitos já haviam sido contratados no governo Dilma. Mas disseram que esses aumentos já estavam dentro do orçamento. Agora sabemos que não foi bem assim. Talvez, o discurso, à época, tenha sido politicagem. O fato é que a economia não reagiu da maneira que se esperava. Até mesmo pela profundidade da crise. A saída foi tirar dinheiro da área mais eficiente da economia, que é o setor privado, para colocar dinheiro na área menos eficiente, que é o governamental. Isso é querer sabotar a recuperação. Se algum aumento de impostos tiver que acontecer, é preciso muita discussão antes disso. E, principalmente, precisa ser temporário e possuir começo, meio e fim. Todos os governos desde Fernando Henrique Cardoso vem aumentando a participação do Estado no PIB. Nesse meio tempo, não melhoramos a saúde pública, a segurança e muito menos a infraestrutura. Só transferimos renda do setor privado para o estatal. Precisamos discutir o orçamento do País, construí-lo no modelo base zero. Diminuir as vinculações constitucionais é uma das coisas que precisam ser debatidas. A discussão da peça orçamentária é o momento quando a sociedade escolhe suas prioridades.