Uma das primeiras lições da faculdade de Direito é que as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) não se contestam, cumprem-se. Não é à toa. Desde 1824 ele guarda os princípios constitucionais. Seus juízes têm de ser aprovados pelo Senado. Merecem o status de ministro. Têm estabilidade, e o cargo é vitalício até os 75 anos de idade. E são onze, divididos em duas turmas de cinco, para impedir o empate nos julgamentos.

Todo esse aparato deveria manter o Supremo alheio às pressões políticas, mas ele vem sendo alvo de fortes críticas desde a terça-feira 2, quando a Segunda Turma do tribunal soltou José Dirceu. Na semana anterior, a Turma havia soltado outros envolvidos na Lava Jato, João Carlos Genu, ex-tesoureiro do Partido Progressista, e o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Lula.

Ex-ministro-chefe da Casa Civil, Dirceu foi condenado a mais de 32 anos no xilindró por seus feitos no Mensalão e na Lava Jato. Ainda esperando o julgamento em segunda instância, Dirceu estava preso desde outubro de 2015. Ele foi libertado com os votos de três dos cinco ministros: Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e José Dias Toffoli, com base na longa duração da prisão preventiva. Os outros dois ministros, o relator Edson Fachin e o decano Celso de Mello, votaram por manter Dirceu na cadeia.

Olhando de fora, dá até para pensar maldade. Lewandowski e Toffoli foram indicados por Lula para o STF. O primeiro fez carreira no berço do PT, em São Bernardo do Campo. Toffoli foi advogado do PT e subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil. Ou seja, subordinado direto de Dirceu. Mesmo assim, Toffoli não se declarou impedido de avaliar o caso contra seu ex-chefe. Indicado no fim do segundo mandato de FHC, Gilmar Mendes está no Supremo há mais tempo, desde 2002.

Tem sido chamado, depreciativamente, de soltador-geral da República. Em 2008, concedeu dois habeas corpus ao banqueiro Daniel Dantas, investigado pela Polícia Federal na Operação Satiagraha. No ano seguinte, cancelou a preventiva do médico Roger Abdelmassih, condenado a 181 anos de prisão por 56 crimes sexuais. Após a decisão, Abdelmassih fugiu para Paris. Foi recapturado só quatro anos depois. Cabem críticas à atuação do STF no caso de José Dirceu? Sem dúvida. Porém, é bom lembrar das palavras de um colega de Mendes, Toffoli e Lewandowski.

Em entrevista à DINHEIRO em 2016, o ministro Marco Aurélio Mello disse que o tribunal não pode ter medo de ir contra a opinião pública. “É função do STF agir às vezes de maneira contra majoritária, decidindo diferentemente dos anseios da sociedade”, disse ele. A ausência de uma condenação em segunda instância permite ao réu recorrer em liberdade. A lei vale para todos. Vale para José Dirceu. Vale para os 34% dos 654 mil presos brasileiros que, no fim de março, estavam detidos provisoriamente.

São 221 mil brasileiros aguardando julgamento em condições medievais. Ao contrário de Dirceu, eles não têm dinheiro para pagar advogados. Libertando Dirceu, o STF seguiu a fria letra da lei. Se essa decisão é moralmente defensável, aí já é outra história. Mas, independentemente disso, pedimos um pouco de isonomia – ou compaixão – para com os 221 mil sub-Dirceus que mofam nos cárceres, à espera que a Justiça deles se lembre.