Ao chegar às bancas, em setembro de 1997, DINHEIRO tratava da provável derrocada de um mito. Tudo indicava que, atingido em cheio pela crise da Ásia, o Banco de Investimentos Garantia não iria resistir. Parecia ser, também, o fim da carreira de Jorge Paulo Lemann. O banqueiro carioca, na época com 59 anos, tinha comprado o Garantia no início dos anos 1960. Misturando agressividade, trabalho duro, apostas pesadas na meritocracia e na busca de resultados, além de oferecer régias recompensas aos executivos que dessem resultados, Lemann havia transformado o Garantia no maior, mais moderno e mais agressivo banco de investimentos do Brasil.

Parte da profecia se confirmou. Em maio de 1998, o Garantia passou para as mãos do Credit Suisse. Lemann, porém, estava apenas começando. Poucos meses depois de vender o Garantia, ele jantou, em Boston, com o lendário investidor americano Warren Buffett. O americano lhe perguntou como estava, e o que pensava em fazer. Lemann disse que estava bem, mas que, dali em diante, queria ser menos executivo bancário e mais Buffett. “Você tem mais senso de humor, mais tempo livre e muito mais dinheiro”, disse Lemann. Nos anos seguintes, o ex-banqueiro se dedicou a construir um império de bebidas e alimentos. Fundiu sua Brahma à Antarctica em 1999, associou a AmBev à belga InterBrew em 2004, e uniu forças à americana Anhauser-Busch quatro anos depois.

2016: Lemann, ao comemorar os 25 anos da Fundação Estudar, afirmou que a estratégia de ficar longe da política foi um erro

Em 2016, costurou a compra da sul-africana SAB Miller por US$ 104 bilhões. Isso só nas cervejas. Nos alimentos, seu fundo de investimentos 3G Capital havia comprado a Burger King em 2010, por US$ 4 bilhões. Três anos depois, associou-se a Buffett e comprou a fabricante de condimentos Heinz por US$ 28 bilhões. Hoje, aos 78 anos, Lemann possui, segundo a mais recente lista da revista americana Forbes, um patrimônio pessoal de US$ 31,8 bilhões, o que o torna o mais rico dentre os brasileiros e o 22o mais rico do mundo. A explicação para a estratégia é simples e inquestionável, como todas as ideias de Lemann: “as pessoas sempre vão precisar comer”, disse ele à DINHEIRO em 2012.

Essa é a face mais visível, que torna Lemann admirado e temido em proporções mais ou menos iguais. No entanto, há quase três décadas, o bilionário está dedicando boa parte de sua fortuna e do seu conhecimento a uma de suas três paixões. Pela ordem. Lemann adorava surfe, que praticou na adolescência no Rio de Janeiro. Hoje, morando na Suíça, tem menos chance de usar uma prancha. É apaixonado pelo tênis, que ainda pratica quando o cotovelo direito permite. Costumava jogar em dupla com Buffett, e aplicar surras homéricas aos adversários de ambos, que desconheciam seu passado esportivo. Lemann foi pentacampeão brasileiro nos anos 1960 e 1970, e disputou a Copa Davis, tanto no Brasil quanto na Suíça.

A mais tardia e mais duradoura de suas paixões é a educação. Para ele, possibilitar que os melhores cérebros brasileiros estudem em instituições de ensino de primeira linha no Exterior é o caminho mais seguro para acelerar o desenvolvimento nacional. Lemann formou-se em Harvard, nos anos 1960. No primeiro ano de estudo, sua experiência não foi das melhores. “Eu sentia falta da praia”, disse ele. Aluno ruim e indisciplinado, foi convidado a não retornar das primeiras férias. Resolveu declinar o convite. Ao voltar ao campus em Boston, decidiu acelerar seu curso. Para isso, entrevistou professores e estudantes de turmas mais avançadas, procurando dicas de como melhorar seu desempenho. Não apenas passou a ser um dos melhores alunos da classe, mas também descobriu como a educação tinha o potencial de mudar as pessoas e o mundo. Aplicou isso ao longo de toda a sua carreira profissional. “Ele sempre teve uma devoção pelo assunto”, diz um banqueiro que trabalhou ao lado de Lemann e prefere não se identificar.

Mesmo com sua fixação no trabalho, Lemann sempre abria espaços na agenda para entrevistar brasileiros que freqüentavam universidades americanas, algo incomum nos anos 1970 e 1980. “Eu conheço pessoalmente todos os estudantes brasileiros que frequentam universidades internacionais de primeira linha”, disse ele em uma das raras entrevistas que concedeu à frente do Garantia. Em 1991, criou a Fundação Estudar. Fiel a seus princípios, ele queria usar parte de sua fortuna para fazer benemerência, mas sem perder de vista os resultados. Ao longo de 25 anos – o relatório de atividades mais recente a ser publicado data de 2015 –, a Fundação já financiou pouco mais de 600 estudantes, que receberam bolsas para estudar em instituições internacionais de primeira linha.

Além das bolsas, a Fundação auxilia os candidatos a se preparar para os concorridos processos de admissão. Pelos dados mais recentes publicados, mais de 50% dos estudantes brasileiros aprovados nas dez melhores escolas americanas, em 2014, foram orientados pela Fundação. A taxa de sucesso entre os orientandos chega a 80%. Em uma celebração dos 25 anos da fundação, em agosto do ano passado, o próprio Lemann mostrou que seus objetivos continuam elevados. “A minha esperança é que os princípios da Fundação Estudar, a meritocracia, o pragmatismo, o escolher gente boa, sejam adotados pelo País, pelo governo”, disse ele. “Espero que um futuro presidente brasileiro venha da Fundação.”


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