Foi uma jogada de mestre. Ao entrar no Novo Mercado da B3, no último dia 20 de abril, a Alpargatas viu seu valor de mercado saltar de R$ 5,22 bilhões para R$ 6,04 bilhões em apenas três pregões. Dona das marcas Havaianas e Osklen, além de responsável pela Mizuno na América Latina, a companhia, comandada por Márcio Utsch, promete melhorar suas práticas de governança corporativa e espera receber, em troca, o capital de mais investidores. No ano passado, a Alpargatas, que tem o grupo J&F como o maior acionista, registrou receita líquida de R$ 4,05 bilhões, 0,4% a mais do que em 2015. Utsch só acredita em um crescimento maior quando a taxa de desemprego começar a cair. Para isso, ele ressalta, as reformas precisam ser duras. Leia, a seguir, sua entrevista à coluna:

Qual é a importância dessa migração para o Novo Mercado da B3?
Estávamos no nível 1 de governança corporativa e decidimos iniciar o processo de mudança em fevereiro. Oferecemos essa opção de migração para a nova categoria, com vantagens. Os investidores passam a ter acesso a mais informação da companhia e a empresa passa a ter acesso a mais capital. Nesse modelo, investidores estrangeiros podem investir na Alpargatas. Teremos uma companhia com uma gestão mais aberta e mais transparente.

A economia brasileira já saiu do fundo do poço? Estamos no caminho da retomada de crescimento?
Acredito que só se atinge o fundo do poço quando param de cavar. No caso da economia brasileira, eu avalio que ainda estamos cavando. Só vamos parar quando o desemprego deixar de aumentar. Uma das grandes medições do sucesso da nossa política econômica é o controle do desemprego. Temos uma grande parcela da nossa população sem consumir. Parte dela está desempregada e a outra teme perder o emprego. A inflação está caindo, é verdade, mas é porque a grande massa de consumo do Brasil não está consumindo. Ou seja, o mercado diminuiu de tamanho. Para sair do fundo do poço, temos que ter uma taxa de emprego e não de desemprego. Acredito que estamos no caminho certo, por conta das reformas. Mas elas estão moles demais. Poderíamos apertar mais. Se o governo começar a ceder, não sai reforma nenhuma.

O seu otimismo está direcionado para 2018?
No ritmo que estamos, sim. As expectativas para o segundo semestre e para 2018 são boas. O grande teste será retomar o emprego e manter a inflação estabilizada. Então, teremos um fundamento econômico equalizado. Se retomar o crescimento, o emprego e a inflação não disparar, os gastos do governo estarão controlados. Mas a política tem de andar.

Quais são as lições dessa crise?
Vejo três questões distintas. A lição ética, que é o ensinamento aos mais jovens de não aceitação do ilícito. Na questão política, temos que rever a forma de se fazer política; ela deve ser modernizada e menos oportunista. Já a econômica, que é a mais crítica, é passar a pensar no longo prazo: política industrial, financiamento para equipar as indústrias e fábricas, para torná-las produtivas. Não é reduzir imposto para promover incentivos. Quando você gera um bolsão de melhoria de emprego protegendo a indústria, a população paga o pato.

Nesse cenário, quais são os planos da Alpargatas?
Estamos centralizando cada vez mais os nossos negócios. Saímos de negócios que não nos interessavam para olhar mais para as três marcas importantes do grupo, Havaianas, Osklen e Mizuno. Enxergamos uma forma de crescer em chinelos e, ao mesmo tempo, intensificar a marca Havaianas em novas categorias: calçados fechados e vestuário. Temos a Osklen, que é de alto valor. Passamos a investir em lojas e no contato direto com o consumidor. Finalmente, a Mizuno, que é uma marca licenciada para a América Latina inteira, é líder no segmento de corrida.

Qual é a importância do mercado externo?
Em 2005, apenas 2% das receitas da empresa vinham do mercado externo. No ano passado, essa fatia saltou para 40%. O bolo diminuiu? Não, a Alpargatas seguiu crescendo.

Foi a crise que impulsionou esse processo de internacionalização?
Não. Eu gosto de estratégia e não de oportunidade. Esse negócio de aproveitar a crise é oportunidade. A empresa tem de ter uma estratégia clara e caminhar com ela, na crise ou na bonança. Claro que não pode ser inflexível e não levar em consideração que o mercado está em crise. Nenhuma empresa é insular. Ela é continental e está em contato com o mercado. Só é preciso ir ajustando, sem mudar o norte.

O sr. teme o aumento da onda protecionista na Europa, caso a França eleja um líder no estilo Donald Trump?
A França pode seguir o exemplo do Trump. Houve um aumento de imposto muito significativo há dois anos. A Europa passou a classificar o Brasil como um país desenvolvido em calçados e isso fez com que as taxas de importação de produtos brasileiros sofressem um aumento. Passou de 9% para 13%. Acredito que, quanto mais aberto o mercado for, mais as companhias prosperam. Calçado está na categoria de produto básico. Acredito que a Europa não passe a ser tão protecionista. Pode ser que a França eleja a Marine Le Pen, saia da União Europeia, mas eles vão continuar calçando sapatos e não vão parar de consumir produtos de fora.

Existem planos de expansão?
O sudeste asiático é um foco importante para nós. Vamos entrar com uma operação nossa em quatro países da Ásia: Índia, China, Malásia e Indonésia. Já estamos nesses quatro países, mas aumentaremos o esforço por conta da demanda que enxergamos na região. Na próxima semana, embarco para a Índia para intensificar nossa operação. O objetivo é repetir o modelo que aplicamos na Europa, com algumas adaptações, já que estamos falando de locais e culturas diferentes.

(Nota publicada na Edição 1016 da Revista Dinheiro, com colaboração de: Paula Bezerra)