Salomão Teixeira de Souza Filho preparou-se para herdar o comando executivo dos negócios da família, a mineira Tangará Foods, que deve faturar R$ 800 milhões em 2017. Mas uma reorganização que a fez focar em produtos lácteos e promoveu a profissionalização da companhia levou Salomão Filho, como ele é conhecido, à presidência do Conselho de Administração. Lá, ele poderia tranquilamente ter se acomodado, participando de reuniões de estratégia e acompanhando o resultado dos negócios familiares. Nos últimos anos, porém, o inquieto empreendedor resolveu dedicar boa parte de seu tempo a outras aventuras corporativas.

Salomão Filho é um dos sócios da startup Propulse, que conta com uma plataforma de inteligência artificial que ajuda varejistas online a fazer melhores recomendações para os seus consumidores sem analisar o histórico do usuário, método que ficou consagrado pela Amazon. A ferramenta baseia-se apenas nos cliques nas imagens dos produtos para sugerir outros itens aos usuários. “Ela age como um bom vendedor de uma loja física, que é capaz de reconhecer o gosto e a personalidade do comprador para recomendar itens que são apropriados”, afirma Salomão Filho.

Assim como o empreendedor mineiro, um grupo de startups brasileiras está apostando na inteligência artificial, tecnologia que parecia restrita aos titãs do Vale do Silício, como Amazon, Google, Facebook, Microsoft e IBM. São empresas que, mesmo dando os seus primeiros passos, estão sacudindo segmentos estabelecidos. A Contratado.me, por exemplo, desafia a área de recrutamento de pessoas. A Worthix quer revolucionar o setor de pesquisas. A Legalbots automatiza processos normativos e de regulação, agilizando o trabalho do departamento jurídico de empresas. A Propulse personaliza as vendas do comércio eletrônico. A Allgoo desenvolveu um kit completo para digitalizar os bancos. E, por fim, a Hi Platform desenvolve chatbots, robôs de bate-papo para atendimento ao consumidor, que podem dizimar o setor de call center nos próximos anos.

Essas startups estão de olho em cifras bilionárias. Um estudo do banco de investimento Bank of America Merrill Lynch estima que o mercado global de inteligência artificial deve movimentar US$ 152,7 bilhões em 2020. Quase todos os setores da economia vão sentir os impactos dessa nova ferramenta tecnológica, mas um dos que mais deve sofrer é o de call centers. Uma pesquisa da consultoria americana Gartner estima que 85% dos centros de atendimento ao cliente serão virtuais até 2020. Não há dados sobre o tamanho no mercado brasileiro.

Um levantamento realizado com exclusividade à DINHEIRO pela 100 Open Startups, um plataforma de conexão de empresas iniciantes a grandes corporações, identificou 88 startups focadas no desenvolvimento de soluções de inteligência artificial no Brasil, pouco mais de 2% de um total de 3.800 companhias que fazem parte do banco de dados da organização sem fins lucrativos. “Não é um tema fácil de ser trabalhado pelas startups, pois requer certo conhecimento científico para o desenvolvimento das soluções”, afirma Rafael Levy, responsável pela área de tecnologia da 100 Open Startups.

Essa é, de fato, uma preocupação das startups brasileiras. Por essa razão, elas têm se aproximado – muitas vezes fisicamente – de grandes centros de inovação e de universidades fora do Brasil para as apoiarem no desenvolvimento de suas soluções. A Propulse, por exemplo, foi fundada em Montreal, no Canadá, por conta da proximidade com a Universidade de Montreal. “Essa região está se transformando em uma das principais do mundo no desenvolvimento de tecnologia de inteligência artificial”, diz Salomão Filho. A Worthix também nasceu fora do Brasil. O empreendedor Guilherme Cerqueira foi para o Vale do Silício, onde recebeu mentoria e até apoio de professores da Universidade da Califórnia, em Berkeley. “Queria o respaldo da academia”, afirma Cerqueira. A Allgoo, baseada em São José dos Campos, conta com o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), uma das mais conceituadas instituição de ensino superior do Brasil, para recrutar funcionários. Mas a empresa também é próxima da University of Essex, na Inglaterra. “Ela é referência mundial em finanças computacionais”, diz Luiz Claudio Macedo, CEO da Allgoo. “Bebemos dessa fonte.” A Contratado.me foi selecionada pelo programa de aceleração do Google e passou duas semanas recebendo apoio dos engenheiros da gigante de internet em sua sede, em Mountain View. “Foi uma experiência incrível”, afirma Lachlan de Crespigny, sócio da Contratado.me. “Tivemos o apoio de pessoas que desenvolveram algumas das tecnologias mais avançadas do mundo.” A Legalbots participou de um concurso internacional de inteligência artificial no Japão, no início do ano.

O fim dos headhunters?: a Contratado.me, de Crespigny, automatiza o processo de seleção de profissionais para empresas (Crédito:Gabriel Reis)

O próximo passo desse grupo de startups é levantar mais capital para dar tração aos negócios. A maioria delas ainda está em estágios bem iniciais de captação, o chamado de seed money (dinheiro semente). Esse recurso dá o primeiro impulso, ajudando no desenvolvimento do produto e na conquista dos primeiros clientes. É o caso da Contratado.me, que nasceu com o apoio de diversos investidores-anjos, que aportaram R$ 3 milhões na companhia, em 2015. O investidor Julio Vasconcellos, fundador do Peixe Urbano, é um dos que apostaram na startup. A Allgoo acaba de receber R$ 1 milhão de um fundo de um family office, cujo nome não é revelado. Antes, havia levantado R$ 1,5 milhão do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Start-up Brasil, da Baita e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A Legalbots conseguiu R$ 200 mil.

Startups que começaram fora do Brasil, ao contrário, conseguem recursos com mais facilidade. A Worthix está colhendo os frutos de estar no Vale do Silício. Ela captou US$ 1,7 milhão de fundos de private equity americanos, como a 500 Startups e o Valor Capital, além da Bebit, fundo de uma consultoria japonesa especializada em atendimento ao consumidor. A Propulse, além dos recursos do herdeiro da Tangará Foods, também encontrou sócios canadenses, como o fundo Stradigi Ventures. No total, a startup recebeu US$ 2 milhões.

Apesar de jovens, as startups brasileiras já conquistaram clientes de peso. A Worthix já roda suas pesquisas em diversas companhias, como Vivo, Tim, Oi, White Martins, Banco do Brasil, Localiza, Centauro e HP. Como é baseado em inteligência artificial, o questionário vai se montando sozinho, de acordo com as respostas dos consumidores. “Descobrimos que são cinco os fatores que influenciam o consumidor para saber se um produto vale a pena: a qualidade, o relacionamento, o status social, a identificação da marca e o preço”, diz Cerqueira, da Worthix. A Contratado.me tem 1,5 mil empresas cadastradas que usam seu site para contratar funcionários, como 99, Itaú e Natura, entre outros. O site funciona como uma agência de headhunter, mas quem seleciona os currículos é o algoritmo de inteligência artificial. Depois, o sistema indica às empresas os melhores profissionais, aumentando as chances de contratação. A Allgoo foi uma das selecionadas pelo programa InovaBra, do Bradesco, que escolhe startups para fazer projetos-pilotos na instituição financeira. Lá, ela trabalhou no projeto do banco digital e na área de investimento dos clientes Prime. A Propulse já tem quatro clientes, mas divulga apenas a varejista online canadense Frank & Oak, especializada em roupas masculinas.

A Hi Platform, fruto da fusão da Direct Talk com Seekr, está em um estágio bem mais avançado que do que seus pares. A empresa já conta com cerca de 700 clientes e deve faturar R$ 30 milhões em 2017. A Direct Talk surgiu no fim dos anos 1990, na primeira onda de investimentos em empresas pontocom. Na época, desenvolveu um chat para atendimento nos nascentes sites de comércio eletrônico. Com o tempo, evolui seu negócio. Hoje, 35% da receita vêm do desenvolvimento de chatbots para clientes corporativos. “No próximo ano, acredito que pode chegar a 50%”, afirma Marcelo Pugliesi, CEO da Hi Platform. Amazon, Google, Facebook, Microsoft e IBM dominam as manchetes quando o assunto é inteligência artificial. Sem alarde, no entanto, um grupo de startups começa a entrar de bicão neste clube bilionário.